Câmara de Florianópolis analisa projeto que pretende criar “Dia do Nascituro”
Tramita na Câmara Municipal de Florianópolis (CMF) o projeto de lei 17.115/2017 que procura instituir o “Dia do Nascituro”. A proposta foi protocolada em junho e busca estabelecer uma data para celebrar o ser em fase intrauterina. Proposições semelhantes tramitam em outras cidades brasileiras.
Tramita na Câmara Municipal de Florianópolis (CMF) o projeto de lei 17.115/2017, de autoria do vereador Maikon Costa (PSDB), que procura instituir o “Dia do Nascituro”. A proposta foi protocolada em junho e busca estabelecer uma data para celebrar o ser em fase intrauterina. Proposições semelhantes tramitam em outras cidades brasileiras.
A justificativa do texto original destaca que a criação da data tem por objetivo “celebrar o então direito à proteção da vida e saúde, à alimentação e ao respeito e a um nascimento sadio”. Também destaca que “desde 2005 a Igreja realiza entre os dias 1 e 7 de outubro a Semana Nacional da Vida, instituída pela Confederação Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), culminando com o dia do Nascituro, 8 de outubro, uma data fixa no calendário da Confederação Nacional de Bispos do Brasil”.
“Não existe consenso sobre quando inicia a vida. Da mesma forma que alguém que vai preso e tem o direito a ampla defesa do contraditório, acredito que o feto ou a criança tem direito à defesa da vida. Essa não pode ser uma decisão exclusiva da mãe. O projeto é uma data de fomento para fazer a contraponto a quem defende a legalização do aborto, permitindo que o debate seja gerado na sociedade”, argumenta Maikon Costa.
Após parecer da procuradoria da CMF, acatado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em que se considerou vícios formais no projeto, a proposta retornou para o vereador proponente que formulou um substitutivo global. Na última semana, a CCJ emitiu parecer pela admissibilidade do projeto que, se aprovado, permitirá ao poder público municipal realizar ou apoiar atividades comemorativas, alusivas a semana do 8 de outubro.
O relator na CCJ, vereador Afrânio Boppré (PSOL), explica que diante às atribuições da comissão – que deve atender aos critérios da legalidade, regimentalidade e constitucionalidade, portanto, não do mérito da proposta – promoveu o parecer pela tramitação da matéria. “Respeitando os aspectos da CCJ e o parecer da Procuradoria da Câmara também pela admissibilidade, a minha posição não poderia ser diferente. Nas comissões seguintes em que o projeto deve tramitar vou poder me posicionar a respeito”, diz. O PL 17.115 passará por três comissões que discutirão o mérito da proposta: as Comissões de Saúde; de Educação, Cultura e Desporto; e de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Pública.
A proposta não é inédita. Só este ano, projetos semelhantes foram aprovado nas Câmaras Municipais de Londrina, no Paraná, e Feira de Santana, na Bahia, ambas instituindo o Dia do Nascituro em 8 de outubro. Na Câmara Legislativa do município de São Paulo/SP, tramita projeto semelhante de autoria do vereador Fernando Holiday (PSDB).
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Entende-se por nascituro aquele que ainda não nasceu. O termo e o seu significado são centrais para o debate público que considera o direito à vida. Contrários à ideia de que a vida começa na concepção, disseminada por defensores do Estatuto do Nascituro, movimentos pelos direitos reprodutivos das mulheres destacam que, ao dar cidadania a quem ainda não nasceu, retira-se direitos das mulheres, como o de decidir sobre o próprio corpo, o que inclui a interrupção da gravidez. No Brasil, ela é permitida em três situações: em caso de estupro, quando há risco de morte para a mãe, ou se o feto for anencéfalo, ou seja, não possuir cérebro.
Clair Castilhos, secretária executiva da Rede Nacional Feminista de Saúde e ex-vereadora de Florianópolis, acredita que a iniciativa é uma estratégia de ofensiva ao movimento de liberdade das mulheres. Ela argumenta que instituir uma data alusiva ao nascituro no âmbito do Estado é uma tentativa de estabelecer ao feto o mesmo direito da mulher cidadã, inclusive mãe de outros filhos. Para a ativista, a discussão cria um discurso público que acaba comprometendo os avanços nos direitos reprodutivos, como a descriminalização do aborto até mesmo nas situações já prevista por lei. “Essa proposta faz parte de um conjunto de iniciativas fundamentalistas, conservadoras, que promovem ostensivamente o retrocesso dos direitos humanos no Brasil. E que atendem a toda uma ofensiva internacional que vem sendo denunciada pelo movimento de mulheres. Incluir esse debate nas escolas municipais, por exemplo, está casado com a própria ideologia da escola sem partido e com a proibição do debate sobre gênero nas escolas”, salienta.
A ex-vereadora destaca que o Brasil caminha para um estado confessional, comprometido com concepções religiosas – no caso, as cristãs – e perdendo as características de estado laico, conforme preconiza a constituição de 1988. “Um dos pressupostos dos direitos humanos das mulheres é a autonomia sobre o próprio corpo, como a escolha sobre manter ou não uma gestação. Essa proposta é oportunismo vulgar para tentar ganhar eleitores com uma faceta emocional e demagógica de proteção da vida”, afirma.
A presidenta do Conselho Municipal de Direitos da Mulher (Condim), Maryanne Matos, ficou sabendo da proposição pela reportagem e levou a discussão ao pleno do conselho, que emitiu nota sobre o projeto. As conselheiras, que representam entidades civis e órgãos da administração municipal, assinalam que o tema chegou ao Comdim justamente no dia 28 de setembro, quando os movimentos de mulheres da América Latina discutem a descriminalização do aborto.
As conselheiras do Comdim destacam que o projeto significa um retrocesso para a vida das mulheres. “[A proposição] faz parte de um conjunto de iniciativas que representam um retrocesso nos direitos e garantias das mulheres, como o que pretende instituir o Estatuto do Nascituro e os que pretendem revogar o direito ao aborto legal nos casos de estupro, grave risco à vida da mulher, e casos de anencefalia, por exemplo. Após amplo debate, as conselheiras deliberaram, por unanimidade, posição contrária ao Projeto de Lei”, dizem em nota, defendendo o diálogo e a ampla discussão com a sociedade.
:: Leia a íntegra da nota do Comdim/Florianópolis sobre o projeto de lei do “Dia do Nascituro“