Tainá de Paula, vereadora pelo PT na Cidade do Rio de Janeiro, que recentemente sofreu abordagem violenta da PM, escreve sobre a dor gerada pela morte de Kathlen Romeu.

Estamos cansadas. Tentar traduzir em palavras a morte de mais uma mulher negra vítima do descaso do Estado faz reabrir feridas que diariamente tentamos curar. A linha temporal que temos não tem sido de vida, mas de violência, sobretudo morte.

No último dia 30 de maio publiquei um artigo intitulado “Uma arma na cabeça: Qual o modelo de cidade segura e cidadã que queremos?”. Nele, além do relato da abordagem policial violenta que sofri, faço um debate sobre a necessidade de construção de um pacto civilizatório profundo que construa as dimensões humanizantes.

Pois bem, passado esse episódio, em 2 de junho fomos surpreendidos com a notícia de que o corpo de Cristiane Pedro Gomes, mãe, mulher negra, trabalhadora, ficou mais de 13 horas à espera de remoção em um ponto de ônibus na Avenida Rio de Janeiro, no Caju, Zona Portuária do Rio, depois dela ter passado mal. Seus familiares, mais uma vez em decorrência de um Estado que, paulatinamente, nega a existência de direitos à população negra, foram submetidos à impossibilidade, inclusive, de sentir a sua dor de modo digno.

Na linha temporal do horror, nesta terça-feira (9), Kathlen Romeu, que tinha 24 anos, designer de interiores, grávida de quatro meses, morreu baleada após ação da PM. O Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu uma liminar em junho de 2020 para proibir a realização de operações policiais em favelas durante a pandemia do novo coronavírus, sob pena de responsabilização civil e criminal (a ADPF 635).

Tainá de Paula aborda o direito ao exercício da maternidade por mulheres negras/Foto: divulgação

Avançando no tempo desta decisão e após um ano de ADPF 635, sabemos que a proporção de tiroteios com vítimas – que ocorrem majoritariamente em casos com presença policial – se manteve.

No mês passado tivemos a maior chacina da história do Rio de Janeiro, decorrente de mais uma operação policial. Mães e familiares choram 28 mortos e 5 feridos na favela do Jacarezinho. Nos últimos três anos, a plataforma Fogo Cruzado mapeou um total de 15 mulheres grávidas baleadas na região metropolitana do Rio. Deste número, 8 delas morreram. Além disso, entre os 15 casos, 9 bebês não resistiram.

Ainda segundo os dados da Fogo Cruzado, 79% dos baleados no mês de maio foram atingidos em ações com a presença de agentes de segurança. Ou seja, temos investido em uma política de segurança pública que faz mais vítimas de violência sem apresentar resultado real de pacificação para a vida das pessoas.

Precisamos pensar uma cidade que carregue sentido de vida, em que mães não chorem a morte de seus filhos e filhos não precisem chorar a morte de suas mães. A construção de uma cidade segura não passa pela ponta de uma arma, mas pelo debate qualificado sobre emprego e renda, educação, e uma política de enfrentamento e combate ao genocídio e a violência.

As vidas que perdemos hoje são o retrato de um país negligente, que dá as costas para suas mães e crianças. O Brasil dos nossos melhores sonhos e projetos possibilita que mulheres como Kethlen vejam sua criança nascer, se formar. Neste país imaginário Kethlen envelhece ao lado de Ágathas, João Pedros, Rebecca e Emily. Por um Brasil onde crianças pretas possam viver.

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  • Tainá de Paula

    Arquiteta e urbanista. Ativista das lutas urbanas. Vereadora pelo Partido dos Trabalhadores na Cidade do Rio de Janeiro.

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