Co-autoria de Ana L. López Villegas 

“O Alerta de Gênero é um mecanismo de proteção que está na lei (LGAMVL).
É um mecanismo específico de proteção coletiva que temos e podemos,
enquanto sociedade civil, organizações de direitos humanos
(nacionais e internacionais) solicitar”.

   María de la Luz Estrada, Observatório Cidadão Nacional de Feminicídio

 

O Alerta de Violência de Gênero contra a Mulher (AVGM) tem se convertido na aposta política da sociedade civil organizada para visibilizar e confrontar a violência feminicida no país.

O mecanismo de proteção de direitos humanos destinados à atenção exclusiva e prioritária para a mulher exposta à violência feminicida resulta em penalidades de agravo comparado – ação que impede o exercício pleno dos direitos em um determinado território (município e entidade federativa). O AVGM foi incorporado às medidas de caráter emergencial que vigora na Lei Geral de Acesso das Mulheres a Uma Vida Livre de Violência (LGAMVL) sancionada no ano de 2007.

Na forma da lei, o AVGM consiste no conjunto de ações governamentais coordenadas entre as instituições públicas (segurança pública, juizados, órgãos de políticas públicas, serviços de acolhimento e atenção especializada às vítimas, entre outras estruturas e medidas governamentais) que devem ser implementadas e acionadas quando o alerta de gênero é decretado. O Estado é quem tem o poder de decisão sobre a ativação do alerta, uma vez decretado é porque já se realizou o estudo pericial e situacional que deflagra os municípios com maior insegurança e risco de violência feminicida. A partir da emissão do alerta são os municípios o foco de atenção prioritário, inscritos como inseguros à população feminina.

No entanto, desde sua implantação o dispositivo tem enfrentado sérios problemas, como a baixa efetividade para combater a violência feminicida e pouca efetividade de implementar as medidas recomendadas pelo AVGM. Além disso, tem-se constatado baixa adesão dos poderes públicos estaduais em acionar o recurso. Os estados de Chihuahua e Tamaulipas (norte do país), são exemplos da resistência política, pois, apesar de que as taxas de feminicídios e de violência contra as mulheres ultrapassam a média nacional, o mecanismo de prevenção e proteção é inexistente. Desde da criação do AVGM até o momento, não há qualquer Solicitação de Alerta de Violência de Gênero contra a Mulher (SAVGM) registrado.

Antimonumento que representa todas as mulheres vítimas de feminicídios, erguido por ativistas/Foto: Nicole Ballesteros

Nos estados de Tlaxcala e Colima, apesar de o alerta ter sido solicitado, tiveram seu pedido negado pelas instituições do governo estadual. Para situar o tamanho do problema em Tlaxcala: o estado lidera o ranking da comercialização de mulheres (tráfico) para exploração sexual no país. E em Colima, a situação também é bastante crítica, pois a entidade registra as taxas mais altas de homicídios por cada 100 mil habitantes. Estas ações governamentais têm desacreditado não somente o dispositivo do AVGM, com também os esforços de especialistas e da sociedade civil organizada em erradicar as violências estruturais contra as mulheres.

Dos 32 estados que compõe o território nacional mexicano, 27 deles se encontram no processo de SAVGM, entre concluídos e em andamento, registrados até julho deste ano. A historiadora e pesquisadora Rosío Córdova Plaza, docente da Universidade Veracruzana e especialista nos estudos de gênero, atribui a baixa efetividade do alerta a duas posições: a falta de compromisso e a falta de transparência sobre o que são os alertas de gênero – referindo-se às instâncias governamentais.

Na sua avaliação, em doze anos o instrumento de vanguarda tem sido insuficiente, já que nesse período, as cifras da violência feminicida aumentaram e os feminicídios se multiplicaram. A violência simbólica e estrutural entroncada na acentuada desigualdade de gênero tem sido o perpetuar de mais violência e feminicídios, somado ao contexto criminal expansivo dos domínios pelo narcotráfico. As autoridades têm camuflado o caráter reiterado e sistêmico da violência feminicida, por isso é que hoje o alerta de gênero se converteu em um mecanismo de pressão social e político – esclarece Rosío.

“Surpreende, que os índices de violência e de feminicídio não constituem critério básico para a declaratória do alerta”, conforme vimos nos exemplos anteriores. “As deputadas responsáveis pela iniciativa pensaram que uma medida como essa, mobilizaria uma atenção súbita e ampla do Estado. Que iria gerar a diminuição nos índices de violências de gênero.

Mas a surpresa é de que não foi assim, vemos que de 2008 a 2019, de acordo com as cifras publicadas até abril deste ano pela Secretariado Executiva do Sistema de Segurança Pública foram registrados 29.332 homicídios doloso de mulheres” – fala da pesquisadora na Mesa de Reflexões acerca do Alerta de Gênero, realizado neste ano, no estado Puebla – um mês após ter sido acionado o alerta de gênero em 50 municípios, incluindo a zona metropolitana de Puebla. O estado poblano passou, nos primeiros três meses deste ano, da sétima para a terceira posição no ranking dos estados com mais feminicídios, além do aumento de desaparições de jovens e crianças.

Diante dos exemplos, a historiadora pergunta: por que o poder público resiste em declarar o Alerta? Para ela a reposta é bastante simples, apesar da complexidade do tema. Por um lado, os governos estaduais resistem em declarar o alerta porque implica destinar recursos materiais e humanos, criar estruturas físicas de proteção às vítimas e de reparação do dano. E por outro lado, o alerta ativa mecanismos de ações continuadas como: de monitoramento, avaliação, vigilância, prevenção e proteção, ou seja, exige das entidades federativas que ações sejam implantadas – de curto, médio e longo prazo, para combater e erradicar de maneira integral as arestas do fenômeno estrutural.

Em síntese, a declaratória do AVGM pode vir a destapar as fraturas institucionais dos estados, sinônimo de corrupção e de escassez de recursos públicos, de alianças insólitas criminais, entre outros motivos pelos quais se ignora o mecanismo em determinados estados e regiões. Pois de fato, os procedimentos legais para acionar o alerta de gênero são bastante claros.

Marcha contra a violência machista/Foto: Andree Jiménez

A emissão do AVGM se concretiza em quatros passos. O primeiro, requer que seja feita a Solicitação de Alerta de Violência de Gênero contra a Mulher (SAVGM) à Secretaria de Governo. O pedido, em todos os casos existentes, tem sido feito pelas organizações não-governamentais e/ou pelos organismos de direitos humanos (nacionais e internacionais). Em seguida, é formado um grupo de trabalho paritário para análise da SAVG (M?), a composição exige professionais de instâncias governamentais (indicados pelo poder público local) e acadêmicos – selecionados através de edital público.

O terceiro momento é conformado pelo período que se realizam as atividades do grupo (parecer técnico). Por último, se apresenta o parecer com a recomendação das medidas necessárias para combater a violência, circunscrevendo os municípios da entidade federativa que serão ativados pelo alerta, o documento deverá guiar a decisão favorável ou não para a declaratória do AVGM pela Secretaria de Governo.

O que parece simples esbarra na burocratização das instâncias públicas e tolerância dos governos locais/estaduais ao estado de violências contra as mulheres. A historiadora destaca pelo menos três problemas enfrentados pelas ONGs e pelos grupos de trabalho: simulação de paridade nos grupos de trabalho; curtos prazos estabelecidos para a realização do parecer técnico pelos grupos de trabalho; no entanto, não existe um prazo determinado para as instâncias governamentais oficializarem a decisão, podendo estender-se até um ano desde que foi enviado a SAVGM, período suficiente para alterações socioterritoriais, desmotivando e desacreditando os trabalhos realizados pelos ativistas, muitas vezes realizado de maneira voluntaria e colaborativa.

Com relação aos estudos desenvolvidos e fomentados pelos pesquisadores e docentes, Rosío nos comparte sua experiência: “não existe uma sistematização da informação e das investigações, caindo no isolamento com baixa influência nas ações políticas do governo. Por essa razão é necessário garantir o acesso à justiça com perspectiva de gênero”.

É urgente o diálogo entre os atores políticos e sociais das distintas organizações com os agentes públicos, “pois, não podemos atender as vítimas sem a presença efetiva do poder judicial, não podemos aprovar as leis se não estiverem de acordo o poder legislativo” – argumenta Rosío.

Marcha #24A, Cdmx, 2016/Foto: Nicole Ballesteros
Disparidades na tipificação do feminicidio

O ordenamento jurídico mexicano está instituído conforme cada entidade federativa. Os poderes executivos e legislativos dos estados mexicanos são definidos por leis próprias e jurisdição territorial de nível estadual. Em razão dessa configuração que a tipificação do feminicídio difere entre estados, o que tem suscitado complicações para uma análise integral, medidas de enfrentamento amplas e cooperadas entre as entidades a nível local/estadual junto as instâncias governamentais do Estado.

No Código Penal Federal, as circunstâncias que subscreve o feminicídio como homicídio por causas violentas com motivação de gênero são: evidências de violências sexuais de qualquer tipo; lesões ou mutilações infames ou degradantes, antes ou depois da privação da vida ou atos de necrofilia; antecedentes de violências de qualquer tipo do feminicida contra a vítima; relação sentimental ou de confiança entre o homicida e a vítima; ameaças, assédio ou lesões do sujeito ativo contra a vítima; deixar a vítima sem comunicação antes da privação da vida; e exposição do corpo da vítima em lugar público.

Atualmente, somente 14 estados tipificam o feminicídio nas circunstâncias semelhantes ou iguais ao Código Penal Federal. Os demais estados incorporam tipos penais subjetivos ou adicionais aos que se estabelecem na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, com exceção do estado de Chihuahua que é a única entidade federativa que não tipificou o delito de feminicídio em seu Código Penal. Lugar que se registraram de janeiro a agosto deste ano 1.300 casos de assassinatos de mulheres – de acordo com o Informe sobre Violência contra Mulheres, do Secretariado Executivo do Sistema Nacional de Segurança Pública.

Com base nessa disparidade das leis de feminicídio é que se ampliam as brechas entre os casos registrados de homicídios submetidos a protocolos de feminicídio – com casos não investigados e ajuizados devidamente. De acordo com a coordenadora do Observatório Cidadão Nacional de Feminicídio, María de la Luz Estrada nos fornece o índice de que somente 25% dos homicídios cometidos contra as mulheres foram protocolados (abertura de inquérito) como feminicídios. Para a ativista a baixa tipificação por parte das Procuradorias Públicas tem ocultado os índices reais, fator que tem provocado a manipulação dos dados pelos governos locais e estaduais.

Na dança dos índices – expressão utilizada por Marcela Lagarde, o que também tem sido ocultado é a verdade dos fatos ocorridos, suscitando muitos interrogantes sobre os últimos momentos vividos pela vítima junto ao seu feminicida. A natureza do vínculo e a relação entre eles, critérios para que ocorram os feminicídios, não são plenamente exploradas na maioria dos casos, retrata María Estrada. Esclarecimentos e informações reivindicam os familiares das vítimas. Não é à toa que hoje vemos um enorme esforço depositado por esses atores na busca pela verdade, um caminho longo forjado em muita dor e impunidade.

Esse é o terceiro episódio da série “Violência feminicida no México”. 

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Retratos da violência feminicida: o sadismo sobre nossos corpos

*Ana é socióloga, nascida em Edomex, um dos estados mais violentos do México. Mestranda em sociologia no Instituto de Ciências Sociais e Humanidades (ICSyH/BUAP), desenvolve a pesquisa sobre feminicídio e trabalho, incorporando a perspectiva de gênero e feminista ao debate acadêmico.

**Nicole é mestre em Serviço Social, feminista, latinoamericanista, doutoranda em Sociologia no Instituto de Ciências Sociais e Humanidades (ICSyH/BUAP). Atualmente desenvolve produção acadêmica com temas vinculados: gênero, feminismos e espacialidades.

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  • Nicole Ballesteros

    Nicole é feminista, latino-americana, mulher cis e migrante. Formada em Serviço Social pela Universidade Federal de Sant...

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