
Por Cintia Teixeira.
Na conservadora Tubarão, município que ajudou a eleger Jair Bolsonaro com mais de 83% dos votos, no segundo turno das últimas eleições, um grupo (cada vez maior) de mulheres se destaca pelo discurso feminista inclusivo e interseccional. Elas clamam por justiça social, igualdade de gênero, lutam contra a onda conservadora no mundo e pelo fim da violência contra a mulher. No dia 8 de março parte delas se manifestou no legislativo municipal, cobrando ações concretas para combater a violência de gênero.
Representantes do Plena Coletivo Feminista ocuparam a tribuna da Câmara de Vereadores de Tubarão durante audiência pública para discutir a violência e as violações de direitos contra a mulher, além de debater formas de prevenção e combate ao feminicídio.
Aleida Cardoso, integrante do Plena Coletivo Feminista e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (CMDM), observou que, neste 8 de março, faltam razões para celebrar. “Até quando viveremos com tanta brutalidade? Vivemos num cerceamento constante, somos o Estado com o maior número de estupros do país e o quarto que mais mata por violência de gênero”.
A ativista, que também faz parte do Movimento Cultural de Conscientização Negra Tubaronense (MOCNETU), observou que, num país notoriamente machista, sexista e heteronormativo como o Brasil, a cada duas horas uma mulher é assassinada. “Nosso posicionamento não é de ruptura nem de segregação. Mas vivemos em uma sociedade que mantém uma visão hierarquizada pelo patriarcado. Questões como o aborto, salário, direitos reprodutivos e ascensão profissional são decididas por homens. Entender a estrutura de opressão é um ato político. Nossa presença e nosso corpo são políticos”.
Aleida encerrou sua participação na audiência pública com uma frase da escritora Audre Lorde: “Não serei livre enquanto alguma mulher for prisioneira, mesmo que as correntes dela sejam diferentes das minhas”.
Tatiana Anzolin Michels, do Plena, iniciou saudando nossas antepassadas “pelo o que vivenciaram para que nos tornássemos quem hoje somos”. A integrante do Plena Coletivo Feminista lembrou que, a cada 8 de março, mulheres reforçam para o mundo que a batalha pelos direitos já conquistados é permanente e o trabalho contra a violência é diário. “É importante contextualizarmos que esta luta ultrapassa questões ideológicas e partidárias, não há ideologia na busca pela equidade de gênero”, destacou.
Tatiana observou que a Lei Maria da Penha criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. “Hoje trouxemos especificamente algumas questões relacionadas à aplicação desta lei em nosso município. Ela traz em seu artigo 8° que a política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por um conjunto de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes uma série de ações. Destacamos as diretrizes do inciso segundo: a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às consequências e à frequência da violência doméstica e familiar contra a mulher para a sistematização de dados a serem unificados nacionalmente e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas. Infelizmente, tal sistematização de dados não é uma realidade em nosso município. Na atual composição do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher essa questão vem sendo buscada de forma ativa, com o estabelecimento de redes e convênios entre o Conselho e demais entidades que atuam na questão. Buscamos assim criar uma base de dados. Porém, precisamos de um esforço conjunto. E acreditamos que, a exemplo de outros municípios, é necessária a criação de uma comissão especial da mulher na Câmara de Vereadores”, sugeriu Tatiana.

A ativista destacou o exposto no artigo 11, inciso segundo: “no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências, encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal”. “Questionamos: como está sendo realizado o atendimento no Instituto Médico Legal? Quais os horários em que está disponível? Nos faltam dados, porém nos sobram denúncias e queixas. Mulheres que, não encontrando acolhida no município, são deslocadas para Criciúma, sofrendo, assim, dupla violência”. A integrante do coletivo feminista ainda citou trecho do artigo 11, inciso 3°, “fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida”.
“Neste caso, não há o que buscar dados, não possuímos um abrigo. A mulher tubaronense está desassistida. No ano de 2018, segundo dados fornecidos pelo Conselho, existiram 189 medidas protetivas, 297 inquéritos policiais e ações penais e atualmente existem 151 boletins de ocorrência em andamento. Números alarmantes”, observou.
A presidente da Comissão da Mulher Advogada, Évelyn Matias Danielski Moraes, pediu um basta a tantos casos absurdos de violência contra a mulher, como abusos e desrespeitos. “Trata-se de um problema social gravíssimo, que deve ser compreendido e enfrentado por toda a sociedade. Mas como fazer esta sociedade se envolver? Saindo do silêncio, debatendo o tema, estudando e informando aos mais próximos, conhecendo a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio”, esclarece.
A delegada regional da Polícia Civil em Tubarão, Vivian Garcia Selig, deu destaque às diferenças salariais, que mesmo no funcionalismo público podem ser observadas. “Mesmo com grau de escolaridade mais elevado, as mulheres acabam sendo preteridas na hora de uma promoção ou de um cargo de destaque. Precisamos sempre mostrar que somos capazes o tempo todo”, acrescentou Vivian.
O evento foi organizado pelo Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Tubarão (CMDM), em conjunto com a Câmara Municipal de Vereadores entre outras instituições. Poucos vereadores compareceram à audiência. Quanto ao público, cerca de 50 pessoas participaram do debate. No mesmo horário, um jantar organizado só para mulheres com o valor de R$50 (cinquenta reais) para cada participante teve os ingressos esgotados.
Para as integrantes do Plena, o resultado da audiência pública foi extremamente positivo. Será instaurada uma comissão de acompanhamento dos casos na Câmara de Vereadores e instituído o Fundo do Conselho Municipal, com participação do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher e apoio total da Delegacia Regional de Polícia Civil e da OAB.
Estamos no terceiro mês do ano de 2019 e até agora já foram registrados dez casos de feminicídio apenas em Santa Catarina. “Onze, na verdade, porque até as estatísticas são transfóbicas”, acrescenta Tatiana Anzolin. Entidades governamentais precisam ouvir estas mulheres e atender a suas reivindicações – o que seria uma prova inconteste de respeito e, aí sim, motivo de celebração para todas nós.
Esse material integra a cobertura colaborativa Catarinas do 8 de março.