Texto e fotos de Rajnia de Vito do SPW – Observatório de Sexualidade e Política.

A marcha de 8 de março foi uma festa na cidade do Rio de Janeiro. Com as ruas ainda purpurinadas do carnaval e as pessoas com a samba-enredo da Mangueira campeão deste ano no gogó, que homenageava Marielle Franco, a vereadora assassinada brutalmente há um ano, a marcha de mulheres foi uma celebração a sua memória e às sementes que ela plantou. Marielle estava estampada nos peitos, pichada nas paredes, recitada pelas bocas, desenhada e mesmo em forma de boneca de Olinda. Há um ano atrás, ela estava conosco nas escadas da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), contagiando a todes com seus gritos que ecoavam por entre os corpos que não estão no retrato da história oficial, mas insistem em ocupar a praça Marechal Floriano, no bairro da Cinelândia. A PM não divulgou estimativa de público, o grupo organizador do 8M Unificado do RJ cacula a participação de cerca de 50 mil manifestantes.

Como Carmen Lúcia, ou Calucha, de 64 anos, aposentada e militante, relatou: “Meu cartaz é para honrar a Marielle e exigir que a Justiça não se imiscua do terrível evento que foi o seu assassinato. Sinto que nosso lugar é nas ruas e que o movimento de mulheres vem crescendo cada vez mais. Esteve presente durante o carnaval ao sinalizar seu repúdio ao Bolsonaro, se reúne hoje novamente e semana que vem estaremos de novo aqui no dia 14 de março pelo um ano do assassinato de Marielle Franco.”

Após a marcha, que seguiu a partir Candelária, na avenida Presidente Vargas, os manifestantes se reuniram na praça Marechal Floriano, aos pés da Alerj, onde Marielle Franco exercia a sua mandata. A palavra de ordem se concentrou no combate à reforma da previdência.

Danieli Balbi, mulher trans negra, de 30 anos, militante comunista e professora da rede pública enfatizou que “a ameaça central aos direitos das mulheres é a reforma da previdência. É com esse pacote de medidas que as mulheres serão as mais prejudicadas”. “E a nossa luta é protagonista e linha de frente na resistência contra esse governo fascista desde a sua candidatura, quando foram os movimentos de mulheres que iniciaram as mobilizações de repúdio ainda em outubro de 2018. O momento atual deriva daquele primeiro momento em torno do #EleNão, então as mulheres são elementares na luta antifascista e anticapitalista que enfrentamos hoje”, analisou Balbi.

Apesar do mote central da manifestação ser a reforma da previdência, as e os manifestantes, vestidos de seus grupos e coletivos, empunhando estandartes, clamavam por diversas causas. O coletivo de mulheres negras na marcha se destacava pela sua potência e alegria durante o caminhar da manifestação. Pelas correntes de pessoas que marchavam, podia-se ler “Lésbicas contra a militarização”, “Feministas antiproibicionistas”, “Mulheres pretas”, “Mulheres trans” e tantas outras lutas.

Nesta miríade de rostos, cantos e gritos, mulheres pintadas da caveira Catrina, o símbolo mexicano que dentre muitos sentidos evoca como a morte não seleciona por classe social. No entanto, como revelou o último relatório disponibilizado pelo Ministério da Saúde, no bojo da audiência pública sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 442 no Supremo Tribunal Federal, são as mulheres pobres, negras e pardas que mais sofrem, quase o dobro, os efeitos deletérios e letais que a criminalização do aborto impõe.

Como Carla Gomes, 37 anos, socióloga declarou: “Eu e meu coletivo Finadas do Aborto reivindicamos hoje pela legalização do aborto, honrando as mulheres que morreram por abortos inseguros e clandestinos num contexto de cada vez mais violência contra as mulheres, sustentada pelo nosso presidente abertamente misógino e que é contra o direito ao aborto. A criminalização somente serve para causar mortes e problemas de saúde e não evitar que essa prática seja realizada. Assim, saímos às ruas para clamar por um debate franco e aberto sobre esse assunto.”

 

À frente das Finadas, havia um grupo particular que clamava pelo mesmo, mas desde uma perspectiva religiosa: a Frente Evangélica pela Legalização do Aborto. Paula Marçal, bolsista de graduação na PUC declarou: “As mulheres evangélicas são muitas vezes alijadas de debater e a reclamar pelo direito ao aborto e contra violências machistas por pastores dentro de muitas igrejas. O momento atual, o 8 de março, é único para concretizarmos o que Jesus quer na verdade de nós sobre união e ação. Então, é um absurdo negar o direito ao aborto. É a vontade de Jesus que sejamos livres em todos os sentidos, assim como pela nossa autonomia corporal.  O Jesus em que eu acredito se compadece do sofrimento das mulheres e não poderia se opor a esse direito.”

Nas escadarias, Indianare Siqueira, suplente na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, entoou o canto direcionado a Bolsonaro pelas putas e trans que representava: “Ei, Bolsonaro, vai tomar da Polícia, pois no cu eu te garanto que tomar é uma delícia!”. Indianare chamou a atenção a negligência em relação à política de prevenção de HIV/AIDS e o crescimento exponencial da notificação de infecção de jovens que aumentou mais de 700% nos últimos anos. No entanto, a campanha de prevenção promovida pelo governo Bolsonaro neste ano foi alvo de inúmeras críticas da sociedade civil, que apontaram a ausência de uma ação voltada à sexualidade e para homens gays, que são uma das populações-chave da epidemia.

Tudo que alimenta as nossas almas, dá sentido às nossas vidas – o riso, a luta, a saúde, o amor – é oposto ao que o governo Bolsonaro tenta implementar. Podemos dizer que o termo em disputa entre ele e nós é matéria mesma da nossa vida. Suas políticas nos querem silenciadas, enrustidas, doentes, agredidas, estupradas, assassinadas, mortas. Mas “a gente combinamos de não morrer”, como disse a escritora Conceição Evaristo ao fim da manifestação, citando um de seus contos, porque juntas somos gigantes.

 

Esse material integrou a cobertura colaborativa Catarinas do 8M.

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