“Falar sobre aborto é falar de nossas humanidades”, começa o Policy Brief desenvolvido pelas pesquisadoras Emanuelle Goes e Mariana P. Lima, da Associação de Pesquisa Iyaleta. O documento, intitulado “Aborto no Brasil: inseguro, ilegal e criminalizado”, mostra que 2.213 meninas, mulheres cisgênero e outras pessoas que podem gestar foram notificadas pela tentativa de aborto inseguro com substâncias tóxicas entre 2012 e 2022 em território nacional. Pessoas pretas e pardas foram maioria: 54%. A pesquisa já está disponível para download gratuito, clique aqui

“Nós iniciamos um estudo, com base em dados do DataSUS, sobre intoxicação exógena, ou seja, tentativa de suicídio, e encontramos nesse sistema informações sobre a circunstância da intoxicação, desde acidente de trabalho até tentativa de aborto”, explica Emanuelle Goes, professora colaboradora do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia.

Inicialmente, a ideia era transformar os achados em artigo científico, mas devido à demora dos periódicos em publicar esses textos e a urgência da pauta, frente ao julgamento da ADPF 442, que busca descriminalizar o aborto voluntário até a 12ª semana de gestação no Brasil, as pesquisadoras optaram por divulgar os dados por meio do Policy Brief, que contou com revisão crítica do Portal Catarinas. 

O objetivo do material é apresentar evidências científicas que contribuam para a discussão sobre como a criminalização causa prejuízo e dano à vida das pessoas gestantes que seguem optando pelo aborto, mesmo em condições inseguras.

Raticidas e agrotóxicos

“Chamamos a atenção para o uso de substâncias como raticidas, produtos de limpeza, agrotóxicos, vários tipos de medicamentos relacionados à saúde mental, psicotrópicos, entre outros, na tentativa de abortar”, destaca Emanuelle Goes. 

Fonte: SINAN/Iyaleta

O misoprostol, que é indicado pela Organização Mundial de Saúde para a realização de aborto medicamentoso, também aparece entre as principais substâncias administradas pelas vítimas. No entanto, a pesquisadora alerta para o fato de que o medicamento foi associado a substâncias como o álcool, por isso causou prejuízo às pacientes, que devido à criminalização, não tiveram acesso às melhores práticas em saúde.

A posição de maior vulnerabilidade da população negra é constatada em todo o estudo. Os dados mostram, por exemplo, que 69% das pessoas pretas se recuperaram sem sequelas, após a exposição às substâncias tóxicas, enquanto para pessoas brancas o percentual foi de 78,1%, apresentando uma diferença de 9%.

Quanto às faixas etárias, a maioria das pessoas (55,9%) tinha entre 20 e 39 anos. A população com mais de 40 anos soma 12,3% do total de notificações, enquanto pacientes entre 15 e 19 anos representam um percentual de 26,5%. Ainda cabe destacar que 5,2% das vítimas tinham entre 10 e 14 anos – o dado chama a atenção porque, de acordo com a legislação brasileira, essas meninas teriam o direito à interrupção legal da gravidez, mas o estigma as afasta do abortamento seguro.

“Esse estudo é a nossa contribuição para o debate sobre aborto na sociedade, desejamos trazer a reflexão de que criminalizar não resolve”, conclui a pesquisadora, indicando que o problema deve ser tratado no âmbito da saúde pública.

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  • Jess Carvalho

    Jess Carvalho é jornalista e pesquisadora da bissexualidade. Atua como editora, repórter e colunista no Portal Catarinas...

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