Mais de 70 lideranças se reuniram na Colômbia para debater estratégias de acesso aos direitos reprodutivos e autonomia na região
Um grupo formado por mais de 70 lideranças de diferentes países da América Latina e Caribe lançou uma declaração pelo acesso aos direitos reprodutivos e sexuais como algo essencial para a construção de sociedades democráticas. O documento é resultado da II Reunião Latino-americana e do Caribe de Causa Justa, que ocorreu entre os dias 8 e 9 de agosto em Bogotá (Colômbia), momento em que lideranças refletiram e compartilharam experiências na luta pela liberdade e autonomia reprodutiva das mulheres.
O encontro foi idealizado pela Causa Justa, movimento formado por mais de 90 organizações responsável por apresentar, em fevereiro deste ano, à Corte Constitucional da Colômbia a demanda que levou à despenalização do aborto até a 24ª semana de gestação. O movimento agora atua para que a decisão seja cumprida e as pessoas que gestam possam acessar o direito.
Segundo a Causa Justa, o encontro teve como proposta organizar um intercâmbio de redes, campanhas e coalizões nacionais e regionais que impulsionem reformais legais para assegurar o direito ao aborto seguro, como ocorreu na Colômbia. “Compartilhamos estratégias exitosas e desafios atuais, identificamos ações coletivas para possibilitar um olhar crítico em torno do tratamento penal do aborto e avançarmos segundo as oportunidades nacionais e regionais”, relatou a Causa Justa no Instagram da organização.
“Um marco histórico do movimento feminista latino-americano e caribenho em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos”, descreve a Rede Médica pelo Direito de Decidir sobre o encontro. Além da organização, a Anis – Instituto de Bioética e a Campanha Nem Presa Nem Morta representaram o Brasil na reunião e assinaram a declaração.
Para Laura Molinari, coordenadora da Nem Presa Nem Morta, o encontro foi um espaço importante após quase três anos de pandemia.
“Com uma representação bastante significativa dos países da região, pudemos aprender e nos inspirar com suas estratégias de luta, além de aprofundar nosso conhecimento sobre o contexto do aborto e dos direitos reprodutivos em outros países da região”, destaca.
Molinari recorda que, semelhante à Colômbia, as brasileiras também apostam na responsabilidade do judiciário em rever a criminalização do aborto, através da ADPF 442. “A Causa Justa e as feministas colombianas nos inspiram com a histórica conquista da descriminalização do aborto até as 24 semanas de gestação, apostando numa estratégia de questionar a criminalização do aborto, que viola os direitos básicos das mulheres. O encontro foi um espaço importante para identificar sinergias e inspirar nossa atuação política por aqui”, aponta.
No documento, as organizações expressaram “profunda preocupação pela persistência da proibição total do aborto em El Salvador, Honduras, Nicarágua e República Dominicana”. Destacaram ainda a perseguição a líderes feministas que ocorre na Nicarágua.
“É fundamental que nossas sociedades e Estados reconheçam e respeitem a liberdade das mulheres para tomar decisões sobre sua reprodução enquanto sujeitos morais e cidadãs plenas como um caminho essencial para a construção de sociedades mais democráticas e estados laicos”, diz um trecho da declaração.
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Apesar de avanços conservadores na região, a luta pelo direito ao aborto na América Latina e Caribe tem mostrado resultados. O aborto é descriminalizado ou legalizado em sete países: Argentina, Cuba, Chile, Guiana, Guiana Francesa, Uruguai e Colômbia. No México, país em que cada estado decide a legislação sobre o aborto, novos locais estão descriminalizando a prática ao longo do ano, como Guerrero e Baja California Sur. A nova Constituição do Chile, que será votada em setembro, inclui o direito ao aborto e à gestação livres.
“Aprendemos umas com as outras, nos inspiramos com as trajetórias de luta de cada país, celebramos juntas todas as vitórias de avanço e resistência, e nos reconhecemos enquanto mulheres latino-americanas que caminham juntas para garantir que todas as pessoas possam decidir sobre suas vidas e seus corpos”, relata Molinari sobre as trocas de experiências no encontro.
Leia a declaração* na íntegra:
Declaração política da II Reunião Latino-americana e do Caribe de Causa Justa. A liberdade é imparável!
Durante os dias 8 e 9 de agosto nos reunimos em Bogotá, Colômbia, líderes feministas da América Latina e do Caribe para refletir, compartilhar e imaginar sobre a luta pela liberdade e autonomia reprodutiva das mulheres. Produto do debate, realizamos a seguinte declaração:
1. É fundamental que nossas sociedades e Estados reconheçam e respeitem a liberdade das mulheres para tomar decisões sobre sua reprodução enquanto sujeitos morais e cidadãs plenas como um caminho essencial para a construção de sociedades mais democráticas e estados laicos.
2. É imprescindível gerar as condições para que cada mulher que assim deseje possa interromper sua gestação em instituições de saúde ou arredores em que se sinta segura e acompanhada. Oportunidades e opções.
3. Fazemos um chamado especial a introduzir olhares que reconheçam a ampla diversidade entre as mulheres para impedir as desigualdades no acesso a serviços de aborto, com especial atenção às mulheres que vivem em maior situação de vulneravilidade relacionada com a pobreza, nas mulheres afrodescententes, indígenas, migrantes, meninas, jovens campesinas, mulheres com deficiência, homens trans e pessoas não-binárias, entre outras.
4. É necessário abandonar os marcos legais que nos impuseram aqueles que, há séculos, formularam os códigos penais que nos limitam, e para tal, é propícia a crítica ao uso do direito penal, transformando o paradigma para a regulação do aborto e dos termos da discussão pública sobre o mesmo. Urge deter qualquer forma de criminalização contra as mulheres, seus familiares, acompanhantes e prestadores de serviços de saúde, além de toda forma de criminalização social.
5. As normas restritivas de caráter sanitário ou legal, incluindo os modelos de causais e prazos, embora em menor medida, não reconhecem nem protegem de maneira integral e suficiente os direitos humanos das mulheres, e fazem com que a experiência do aborto esteja marcada por persecução penal, barreiras e estigmatização.
6. Desde os distintos movimentos, redes, plataformas, grupos e organizações, promoveremos todas as ações necessárias para avançar rumo à legalização do aborto no continente e em cada um de nossos países, para avançar em direção a políticas públicas integrais que favoreçam o acesso aos serviços e à descriminalização social. Ou seja, a criação de entornos de legitimidade para as decisões das mulheres.
7. O capital político do movimento que luta pela descriminalização do aborto é imenso e é, portanto, urgente que esta luta seja incorporada nas agendas mais amplas por justiça social, os direitos humanos, a democracia e os Estados laicos, tanto nos países como a nível internacional. Os repertórios de mobilização que temos implantado desde o Sul global são variados, criativos e faróis de esperança para outras regiões do mundo.
8. Valorizamos espaços de confiança que permitem discutir estratégias com respeito e com honestidade, e acreditamos que é necessário sustentá-los e transformá-los em articulações que permitam construir esforços coletivos.
Finalmente, expressamos nossa profunda preocupação pela persistência da proibição total do aborto em El Salvador, Honduras, Nicarágua e República Dominicana. E denunciamos uma vez mais a situação política e a falta de garantias democráticas de vários países da região, com especial preocupação por El Salvador, Guatemala, Haiti e Venezuela, e chamamos atenção de maneira particular sobre o que acontece na Nicarágua, onde a perseguição a líderes feministas ameaça sua integridade, liberdade de expressão e as garantias para o exercício da participação e oposição.
A liberdade é imparável!
Clique aqui e acesse a versão original, em espanhol.
*Tradução por Anis – Instituto de Bioética