Nas eleições municipais de 2024, 112 mulheres foram candidatas à Câmara de Florianópolis. O número corresponde a 36,3% do total de 308 candidaturas. A porcentagem de mulheres candidatas cresceu em relação à eleição anterior, mas o número de eleitas caiu de cinco para quatro.
Isso indica que a legislatura que inicia em 2025 terá apenas 17,4% de cadeiras ocupadas por mulheres. Essa composição de legisladores está longe de representar o eleitorado da capital, que é composto em 53,76% por mulheres, segundo os dados do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE/SC).
No Brasil, as cotas para as candidaturas femininas foram instituídas, primeiramente, como uma reserva de vagas. Os partidos deveriam reservar de 20% a 30% das candidaturas para mulheres, mas se essas vagas não fossem preenchidas, não havia mecanismo que garantisse a representatividade. A norma foi instituída em 1995 para as eleições municipais e ampliada como outra lei em 1997 para as esferas estaduais e federais. Em 2009, com a Reforma Eleitoral, a Lei n.12.034 explicita a obrigatoriedade do mínimo de 30% de candidaturas femininas e masculinas.
A consolidação de políticas públicas e o crescimento das candidaturas femininas ainda não resultam em Câmaras e Assembleias que refletem a composição populacional local brasileira. A professora Cintia Ribeiro de Souza, do departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), explica que estudos que abordam a disparidade entre a porcentagem de candidatas e a porcentagem de eleitas relacionam esse fenômeno ao patriarcado. A cultura patriarcal dominante relega às mulheres os espaços privados enquanto os dispositivos legais pouco ou nem avançam para uma inclusão real.
A sub-representação de mulheres torna-se ainda mais grave quando se olha para outros grupos minoritários, como pessoas negras e transgêneras. Quanto mais longe uma pessoa está do padrão — homem branco, cisgênero e heterosseuxal —, mais longe ela está da política institucional.
Mirê Chagas foi candidata à vereança em 2024 pelo Psol, não tendo sido eleita. Antes, foi co-vereadora na Coletiva Bem-Viver, o que a fez a primeira co-vereadora trans e negra de Florianópolis. Sua jornada na política começa em 2016, quando ingressa no curso de Serviço Social da UFSC e participa da construção de diversos movimentos, como o Coletivo Negro do Serviço Social e a Rede Trans UFSC.
Para Mirê, a marginalização é um dos maiores obstáculos. Ela considera que a sociedade brasileira é majoritariamente conservadora e continua acreditando que os corpos transgêneros e negros estão a serviço da prostituição e do mercado informal. “O meu maior desafio hoje é fazer com que as pessoas entendam que nós, mulheres trans, travestis, negras e negros, estamos aptas, aptos e aptes a estarmos dentro do legislativo”.
Ela argumenta que sua candidatura se tratou de uma resposta clara e prática a esse preconceito. Também defende a importância de candidaturas de pessoas marginalizadas por serem as únicas que compreendem a singularidade das suas vivências e, ao mesmo tempo, a universalidade da sociedade.
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“Nós somos as únicas que conseguimos calçar os nossos sapatos. E, automaticamente, por estarmos na base dessa pirâmide social, a gente consegue pensar no todo. A gente consegue pensar numa sociedade em sua totalidade”.
A antropóloga Pâmela Íris Mello rebate a ideia de que o baixo número de mulheres negras eleitas seria consequência de uma baixa quantidade de candidaturas desse grupo social. Na sua dissertação “Negras, Nós! Entre eleitas, candidatas e não candidatas no RS”, a pesquisadora entende que o racismo do eleitorado, que vota menos em mulheres negras, e dos partidos, que destinam menos verba para essas campanhas, é o principal motivo dessa lacuna de representação.
O financiamento de campanha é um dos elementos que têm impacto direto no resultado das eleições, porque recai sobre a viabilidade de uma candidatura. A professora Cintia Ribeiro de Souza explica que os candidatos podem usar recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC), que é um fundo público para eleições; do Fundo Partidário repassados pelos partidos; dos partidos; recursos próprios e doações de pessoas físicas. Essa configuração atual de maneiras de contribuição financeira de uma campanha não é de sempre.
Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela proibição das doações empresariais para campanhas eleitorais, até então permitidas. Com essa decisão, houve a aprovação da minirreforma eleitoral no mesmo ano. A Lei n.13.165 procurou reduzir os custos das campanhas eleitorais, simplificar a administração dos partidos e incentivar a participação feminina através do estabelecimento de limites e imposição de maior transparência.
Mas o incentivo à participação feminina fica mais evidente em 2018, com mudanças na legislação eleitoral provocadas pela atuação do judiciário, explica Cintia. Ela destaca o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.617/2018, quando o STF determinou que pelo menos 30% dos recursos do Fundo Partidário fossem direcionados às campanhas de mulheres. Além disso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também confirmou essa decisão, exigindo a reserva de 30% do Fundo Especial para candidatas já em 2018.
Contudo, a professora cita a busca de partidos pela anistia ao descumprimento dessas regras com concordância do Legislativo. “Esse avanço precisa vir também da sociedade”.
Além disso, existem formas de contornar a legislação. Nas eleições majoritárias — nesse caso, eleições para o executivo municipal, estadual ou federal — os partidos podem destinar os recursos reservados às candidaturas femininas em chapas cuja “cabeça” é um homem, desde que a vice seja mulher. Como os critérios para a distribuição interna dessa reserva cabem ao julgamento do partido, é comum que sejam escolhidas vices mulheres para compor as chapas e permitir que campanhas encabeçadas por homens recebam recursos da reserva para mulheres.