Assistente social, Mirê Chagas, 30 anos, é candidata ao cargo de vereadora de Florianópolis (SC) pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol). Mulher negra, transgênero e heterossexual, apresenta uma proposta de cidade alicerçada em saberes ancestrais e na luta contra as desigualdades. Com uma candidatura decolonial e focada no fortalecimento da classe trabalhadora, Mirê busca transformar Florianópolis com uma agenda que combata o racismo, o capacitismo e a LGBTfobia, ao mesmo tempo em que promova a justiça social.
Mirê é a décima sexta candidata a responder ao questionário proposto pelo Catarinas para divulgar as candidaturas comprometidas com a agenda política feminista, antirracista, LGBT inclusiva e anticapacitista em Santa Catarina. As entrevistas são publicadas diariamente por ordem de chegada. Dado o volume de respostas recebidas, vamos publicar mais de uma entrevista em determinados dias.
O questionário foi dividido em cinco eixos temáticos, abordando questões centrais para a análise das candidaturas:
- Perfil
- Apoio e financiamento
- Propostas
- Políticas públicas inclusivas e enfrentamento de discursos reacionários
- Violência política e desinformação
Acompanhe a entrevista com Mirê.
Perfil
Resuma sua trajetória de vida/militância e o que a motivou a disputar estas eleições.
Nascida e criada na periferia, neta de empregada doméstica, criada pela mãe e pela avó, tive os estudos como uma porta de entrada de oportunidades e de saída da extrema pobreza. Desde o Ensino Médio, minha vida é marcada pela luta incessante por justiça social e direitos humanos. Cria de Cursinhos populares, ingressei na Federal de Santa Catarina.
Atuei arduamente no movimento estudantil, criando, fortalecendo e construindo movimentos sociais. Formada em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), me vejo uma lutadora para além dos muros da Universidade. Já fui ambulante, trabalhadora autônoma e, hoje, tô nas lutas para fortalecer a classe trabalhadora no Legislativo.
Já atuei na Câmara Municipal, num mandato coletivo e, agora, me motivo a disputar as eleições com a proposta de um Mandato popular e a cara do povo! Precisamos ter uma mulher trans negra e se organizar na coletividade para a Vereança de Florianópolis.
Quais personalidades políticas são suas referências?
Karen Santos, Érika Hilton e Benny Briolly.
Apoio e financiamento
Você tem conseguido verba para a campanha? Quais?
Apoio e recursos do partido, financiamento colaborativo e doações diretas
Você enfrenta desafios para arrecadar os recursos necessários para sua campanha? Se sim, quais são os principais?
Sim. Enquanto vejo muitos outros companheiros e companheiras aí recebendo força de doação para a campanha (via Vakinha), eu apenas consegui duas doações de 20 reais, totalizando 40 reais. A verba do partido, tá tudo certo. Recebido! Entretanto, as doações têm sido bem escassas e não é por falta de divulgação.
Qual é a importância do financiamento coletivo para a viabilidade de sua candidatura?
Muito importante! A gente não faz nada sem dinheiro. E, mesmo com o dinheiro do partido, ainda assim é pouco para angariar uma campanha na cidade de Florianópolis. Por mais que tenhamos recebido de acordo com nossas especificidades subjetivas (raça, identidade de gênero, etc), ainda assim, as pessoas que estão no topo da pirâmide social receberam mais que quem segue na base dessa pirâmide. Ou seja, ainda é desigual!
E o resultado da chapa para a Câmara Municipal se verá a partir de quanto dinheiro essas pessoas receberam para fazer campanha, quanto mais grana se têm, mais próximo da vitória se chega. Essa é a estrutura! Por isso, acredito que o financiamento deveria se dar de forma equitativa, promovendo a equidade financeira para todas e todos! (não utilizei todes aqui, pois a nossa chapa não tem nenhuma pessoa não binárie).
Propostas
Quais são os principais temas a serem debatidos no município e suas propostas para cada um?
Na minha concepção, os três temas a serem debatidos no município são: Segurança Pública, Crises Climáticas e Empregabilidade. Nossa proposta de cidade vem com a proposta central a decolonialidade, isto é, pensar e refletir uma cidade que dê prioridade aos saberes ancestrais, tendo em vista que nós, pessoas negras e levando em consideração os povos indígenas também, somos as civilizações com um modelo de sociedade mais antigo e refinado da qual deu certo. Sabemos que esse “cis-tema” capitalista separa, difere, desumaniza e é desigual.
Nesse sentido, busca-se pensar numa segurança pública humanizadora, isto é, lutar incansavelmente para acabar com a violência policial e da Guarda Municipal, promovendo uma segurança pública que, de fato, respeite todas as pessoas, principalmente àqueles/as/us que vivem nas periferias da cidade e nos lidos “porões da sociedade”, como, por exemplo, as esquinas (locais de trabalho de muitas manas que trabalham com a prostituição).
Em relação às crises climáticas, precisamos urgentemente pensar em medidas que tragam uma redução dos danos tendo em vista que estamos beirando o “fim do mundo”, temos respirado fumaça tóxica devido às queimadas nesses últimos dias e o jeito agora é reduzir os danos e fazer programas que enfrentem as crises climáticas com políticas que respeitem e tragam dignidade à natureza, como proteção da fauna e da flora, corredores verdes, fortalecer as hortas comunitárias e a agroecologia nas escolas.
Quando falamos de empregabilidade, precisamos pensar e refletir em diversos pontos: creches, pensando na vida de mães solo e fortalecer as trabalhadoras da educação infantil. Reflete-se também em uma capacitação à empresas em relação a pessoas negras e da diversidade, para contratação de mais pessoas que estão na base da pirâmide social, dentre outros fatores importantes e que dê subsídios necessários para a população e classe trabalhadora ter o mínimo para suas sobrevivências, coisa que o trabalho nos dá.
Dessa forma, é preciso ter o compromisso com o ganha pão do povo que batalha todo o santo dia, valorizando e levando em consideração suas subjetividades, pois estamos falando de pessoas e, não, de máquinas!
Quem forma sua base eleitoral? Quais são suas mensagens centrais? E seu slogan de campanha?
A minha base eleitoral é formada por mulheres (cis e trans), pessoas negras, neurodivergentes, PCDs, Mães e Pais/Responsáveis de crianças (cis e trans), jovens, idosos, pessoas que moram nas periferias de Floripa, estudantes, professores e professoras, assistentes sociais, psicológues, pessoas trans e da comunidade LGBTIA+.
Tem propostas para promover a igualdade de gênero, LGBTQIA+ e racial no âmbito municipal? Se sim, quais?
Sim. As políticas públicas para a comunidade LGBTIA+ na cidade de Florianópolis devem ser mais visíveis e entendidas pela população como um todo e ser mais fiscalizadas, assim como, deve ter mais garantia dos direitos básicos da nossa comunidade.
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É imprescindível, enquanto liderança, que sigamos lutando por isso e buscando cada vez mais reconhecimento à dignidade de nossa comunidade, de acordo com as especificidades de cada identidade de gênero e diversidade sexual.
Bem como, garantir a dignidade plena da nossa comunidade na cidade de Florianópolis, garantir uma luta justa pela hormonioterapia via SUS para a população trans/travesti, bem como a segurança de nossos corpos LGBTIA+ nos espaços públicos e em todos os setores, como, por exemplo, Unidades Básica de Saúde, de formação escolar, de empregabilidade, cultura/lazer, etc.
Ainda assim, lutar pela garantia de uma segurança humanizada, antirracista, anticapacitista e antihomotransfóbica, fomentando uma cultura sem preconceito nas escolas e pensando formações continuadas para servidores e servidoras dos espaços. Quando eleita, vou criar a Comissão em Defesa e Dignidade da População LGBTIA+, dentro da Câmara de Vereadores/as.
Cumprimento e fiscalização das Leis 10.639 e 11.645, programa educativo contra o racismo nas escolas; fortalecer a Resolução 86/2019-Diretrizes Curriculares para Educação Quilombola na Educação Básica. Promover a garantia de Programas que enfoquem à equidade de gênero e raça em todos os setores dos direitos básicos da nossa sociedade, como empregabilidade, saúde, assistência, educação e lazer! Lutar pela construção de uma Delegacia contra crimes raciais 24h, da mesma forma que lutar incansavelmente por uma Delegacia da Mulher 24h (e, não somente até às 17h, como é a nossa atual realidade) e que não feche aos finais de semana (pois, já sabemos comprovadamente que os crimes de violência e de morte contra as mulheres ocorrem majoritariamente aos finais de semana).
A luta por uma segurança humanizada que não violente corpos negros, nem os prendam, por quantidades mínimas de substâncias ilícitas: nesse sentido, lutar contra a criminalização de todas as drogas e pensar uma política e programas de redução de danos é imprescindível. Lutar contra o racismo religioso que ataca nossos terreiros e nossos povos de religiões de matrizes africanas! Venho com uma proposta de fazer o Parque do Axé em Florianópolis e reforçar a luta para a garantia do feriado no dia 2 de fevereiro: Dia de Iemanjá!
Você tem propostas relacionadas à política do cuidado? Se sim, quais?
Sim. Moradia: garantir acesso à moradia digna, energia elétrica, água potável e internet de qualidade para todas as pessoas; em relação ao acesso, projeto Teleférico nas periferias, pois é preciso considerar a vida nos morros da cidade e dar dignidade ao povo que trabalha diariamente e que faz essa conexão entre o morro e o asfalto. Pensar a mobilidade urbana dentro das comunidades, com mais horários de ônibus todos os dias. Também pretendo combater a especulação imobiliária, protegendo as comunidades tradicionais e a natureza desse genocídio da natureza que é a especulação imobiliária.
Programa Escola Sem Mordaça, luto por uma educação inclusiva e anti capacitista, respeitando as pessoas neurodivergentes e PCDs, bem como, suas especificidades. Mais creches em tempo integral, sendo construídas propostas com a comunidade usuária (mães, pais e responsáveis) e pela valorização da classe trabalhadora das escolas básicas e infantis. Valorização e garantia do piso salarial dos/as professores.
Fortalecimento dos espaços de cuidado aos idosos, fiscalizando os programas de cuidado e de atenção aos idosos, levando em consideração e prática ao Estatuto do Idoso. Luto por um Hospital Veterinário 24h e via Sistema Único de Saúde (SUS), nossos bichinhos são nossa família e precisamos considerar essas vidas, fortalecendo políticas de cuidado e de enfrentamento às violências.
Luto por Lavanderias populares em todos os cantos da ilha de Florianópolis, uma por bairro, da mesma forma que o Restaurante popular também; luto por mais Centros de Atenção Psicossocial (CAPSIII) e casas de acolhimento; fortalecer clínicas de reabilitação que promovem a cura e a ressocialização das pessoas às suas famílias e sociedade.
Políticas públicas inclusivas e enfrentamento de discursos reacionários
Como pretende enfrentar discursos reacionários que comprometem a equidade de gênero e racial, especialmente na educação?
Com muito trabalho e com uma comunicação eficaz contra todos os crimes de ódio. E com penalizações sérias e fiscalização junto às instituições de segurança pública e cibernética.
Como avalia a participação da sociedade civil na construção de políticas públicas municipais?
Necessária, não se faz nada sozinha: “NADA SOBRE NÓS, SEM NÓS!” Enquanto mulher, negra, trans e periférica acredito muito na construção popular e a Câmara Municipal é a Casa do Povo. Dessa forma, é preciso aproximar o povo mais do legislativo, através de projetos, projetos de Leis e programas desenhados pelo povo, obviamente sendo reconhecidos os movimentos e apresentando nas sessões da câmara, é assim que se faz um Mandato coletivo e popular!
Sua plataforma propõe formas de ampliar a participação da sociedade civil na construção de políticas públicas? Se sim, como?
Sim. Disponibilizando um gabinete nas ruas de Floripa! Conversando com as comunidades e movimentos da sociedade civil, buscando garantir a aproximação da casa legislativa do povo que batalha.
Qual o papel das minorias políticas na transformação dos serviços de saúde e educação municipais?
Nossos corpos e corpas são políticos e pedagógicos, dessa forma, temos um papel imprescindível na transformação dos serviços de saúde e na educação! Para isso acontecer, de fato, é preciso votar em representantes que lutam arduamente para que isso aconteça (e, não, somente em época de eleições e/ou para esses fins), votar consciente é votar em quem tá sempre nas batalhas urbanas e pela garantia e dignidade dos povos!
E o papel das minorias nessas políticas transformadoras é seguir em luta e na resistência, além de elencar representantes para os espaços de tomada de decisões legislativas e é esse o caminho da Mirê Chagas! Pois, assim, conseguimos ampliar as nossas vozes e lutas, nesses campos da saúde, educação e dentre outros.
Chega do nosso apagamento, pois não somos apenas “bandeiras representativas”, mas sim, somos vidas! E estamos em luta para essa visibilidade em todos os campos dos direitos básicos, para a dignidade dentro desses espaços: ir até uma UBS e ser atendide sem homotransfobia, nem capacitismo, ou termos nossa garantida de humanização na lista de chamada escolar – exemplos básicos, das quais ainda sofremos e que uma hora transborda e refuta na nossa saúde integral, diariamente. Chega de desumanização!
Violência política e desinformação
Já sofreu ataques, incluindo intimidação, durante a sua trajetória devido à sua agenda política? Em caso positivo, pode compartilhar algum caso?
Sim, e vindo de companheiras de chapa! Perseguição nas redes sociais e coerção em cima de meus companheiros de equipe. Ser uma travesti/mulher trans negra na política é ter que ter o cuidado redobrado em todos os campos políticos.
Nesta campanha, sofreu ataques nas redes sociais ou nas ruas? Se sim, quais?
Não. Graças aos Orixás, ainda não sofri agressões explícitas, nem mensagens criminosas.
Sua candidatura tem sido alvo de desinformação? Se sim, como?
Não sofri nenhum tipo de calúnia em relação ao projeto de campanha e de cidade, mas em relação à minha pessoa/candidatura, sim.
Tem ações específicas para combater a desinformação? Se sim, quais?
Sim. Trabalhar sempre com a verdade e transparência dos fatos.