Chegada de mais famílias para a Páscoa aumenta urgência da adequação da estrutura do Tisac

Atualmente, dezoito famílias indígenas ocupam o inativo Terminal de Integração do Saco dos Limões (Tisac), na capital de Santa Catarina, totalizando cerca de oitenta pessoas. Apesar de denunciarem a situação precária do local há anos, a preocupação aumenta nessa época, pois espera-se uma ocupação de até trezentas pessoas nas duas semanas prévias à Páscoa. 

“Vai chegar mais um pessoal para vender os balaios, a macela e o cipó mil-homens, que são remédios muito bons”, comenta Juraci Lopes da etnia Kaingang. 

Algumas famílias indígenas costumam vir ao litoral trabalhar no verão, quando há um aumento do turismo na região. Nas datas festivas do Natal e da Páscoa, o artesanato vende mais, porque as pessoas compram os balaios, os coelhos e os anjos – feitos de bambu, cipó e outros materiais – para decoração para a casa e os presentes.

Sem lugar apropriado para serem armazenatos, artesanatos indígenas estragam e precisam ser descartados. Foto: Fernanda Pessoa.

Sadraque Lopes, presidente da comissão pela Casa de Passagem em Florianópolis, lembra de ter vindo  para a Ilha de Santa Catarina para vender artesanato com a sua avó e a sua tia, quando ainda era criança, há cerca de vinte anos.   

“Antigamente, quando os índios iam fazer a sua caça, eles levavam seus filhos junto, traziam o seu alimento e comiam com toda a comunidade. Hoje, eu posso dizer que a nossa caça está na cidade, vendendo nossos artesanatos, ganhando algumas roupas, levando algumas cestas básicas para nossa aldeia para repartir com os parentes que não podem vir para cá”, explica. 

Desde janeiro de 2021, ele ocupa o Tisac, acompanhado da sua esposa e seus quatro filhos. A família pertence à Terra Indígena Votouro-Kandóia, da etnia Kaingang, localizada na região noroeste do Rio Grande do Sul, a aproximadamente 50 km de Chapecó, no oeste catarinense. 

Avó Juraci Lopes e seu neto Arthur, de 3 anos, estão no terminal desativado desde dezembro de 2021. Foto: Fernanda Pessoa.

Aos 52 anos, Juraci Lopes, tia de Sadraque, mantém a tradição de vir para as cidades do litoral do estado. Ela conta que, nos últimos anos, o clima tem atrapalhado muito as plantações na aldeia. 

“Nós não temos nada para colher, e foi plantado bastante. Plantamos soja, milho, feijão, mas a seca matou tudo. Não vai dar nem para pagar as contas do que foi comprado para poder plantar”, lamenta. 

Juraci está no terminal, junto com seu neto e seu esposo, desde dezembro de 2021. Em Florianópolis, ela espera fazer dinheiro para pagar suas despesas, manter a família aqui e na aldeia. 

Ela começou a vir para cá aos dezesseis anos. Antes costumava se alojar em locais improvisados – embaixo de viadutos, pontes e marquises – e, também, alugava casas nas comunidades periféricas da parte continental de Florianópolis, chegando a pagar 250 reais por pessoa, incluindo as crianças. 

“No terminal é melhor do que pagar aluguel, porque o dinheirinho que a gente faz, a gente leva para casa para comprar as coisas para comer, para buscar nosso artesanato de novo e voltar”, afirma Juraci. 

Mesmo com problemas de insalubridade, Tisac é considerado a melhor opção de abrigo pelas famílias indígenas. Foto: Fernanda Pessoa.

Instalações do Tisac comprometem estadia digna das famílias 

Ainda que a estrutura do antigo terminal ofereça melhores condições para as famílias, comparado ao histórico da permanência delas na cidade, ainda está longe de proporcionar uma estadia digna.   

Em 2016, o Ministério Público Federal – mobilizado pela reivindicação indígena – ajuizou uma ação contra a União, a Funai e o Município de Florianópolis demandando a construção de uma Casa de Passagem e a manutenção do espaço provisório da ocupação. 

Dentro do mesmo processo, em outubro de 2018, a Prefeitura de Florianópolis assinou um Termo de Compromisso, onde se comprometeu a realizar as melhorias na estrutura do Tisac. Porém, pouco foi feito desde então. Tampouco uma ordem judicial, de junho de 2021, que deu um prazo de quase dois meses para a Prefeitura adequar o espaço, fez a gestão municipal atuar.

Mau tempo é inimigo das construções feitas de lona, que rasgam e voam deixando as famílias desprotegidas. Foto: Fernanda Pessoa.

Juraci acredita que há muito para se fazer no local: “Teria que fechar as laterais do terminal para a gente não ficar no vento e no frio. Quando dá vento, as lonas rasgam todas, elas saem de cima da gente”. 

Além disso, as famílias precisam do fornecimento de materiais para a construção dessas barracas, como lonas e tapumes. Por outro lado, a ausência de um local adequado para guardar os artesanatos acaba expondo-os ao mau tempo, o que estraga o produto e impede a venda.  

Há, ainda, vários problemas de falta de saneamento. Em distintas partes do terreno, alguns danos nos canos e na estrutura provocam o acúmulo de resíduos da cozinha, dos tanques e dos banheiros químicos. As crianças, principalmente, ficam mais vulneráveis ao brincar no espaço. 

Crianças são as mais vulneráveis aos problemas na infraestrutura do abrigo provisório. Foto: Fernanda Pessoa.

A rede elétrica também está comprometida, dificultando a iluminação e o banho quente. A prefeitura chegou a levar um container com dez chuveiros para o local, porém não fez a instalação elétrica. “Tem chuveiro, mas não tem luz e a água é fria, de noite não tem como tomar banho”, diz Juraci. As famílias usam dois banheiros com água morna, dentro da construção do terminal, para dar banho nos mais pequenos. 

Chuveiros instalados pela Prefeitura de Florianópolis não possuem conexão com rede elétrica. Foto: Fernanda Pessoa.

A cozinha, onde as famílias coletivamente preparam sua comida, possui somente um fogão à gás (doado pela comunidade) e um fogão à lenha. O local, inclusive, foi ampliado e pintado recentemente com a ajuda de um grupo de apoio, formado por moradores do bairro e defensores dos direitos indígenas. “A Prefeitura contribuiu doando a janela”, apontou Sadraque.

Refeições são preparadas coletivamente na pequena cozinha que atende todas as famílias da ocupação. Foto: Fernanda Pessoa.

Todos estes problemas foram analisados em inspeção judicial feita no início deste mês, e levados à discussão na audiência conciliatória sobre a Casa de Passagem no dia 16 de março deste ano. Durante o encontro, a gestão municipal de Florianópolis se comprometeu a fazer as melhorias previstas no Termo de Compromisso, e começar a apresentá-las nos autos do processo nos seguintes trinta dias. 

Tragédia com criança indígena incita luta pela Casa de Passagem

Sadraque recorda que, em 2015, ele e seus parentes começaram a reivindicar com mais intensidade o direito a uma Casa de Passagem. O menino Vitor, de apenas dois anos, foi assassinado no colo da mãe em Imbituba, no litoral Sul de  SC, em dezembro daquele ano. Foi essa tragédia que o alertou para a urgência desta causa. 

“Se tivesse uma Casa de Passagem aqui, com certeza esta mãe teria vindo para cá, porque teria um lugar bom para dormir, para se esconder da chuva e do vento, e poder trabalhar com o artesanato junto ao seu menino”, afirma. 

“Eu olho para os meus filhos agora e fico com mais coragem de lutar e querer conquistar essa luta”, diz Sadraque. Foto: Fernanda Pessoa.

Permanência é estratégia de resistência 

Com 32 anos, o líder Kaingang demonstra muita força e convicção. Desde o ano passado, ele e sua família, com medo de deixar o local e perder o abrigo, não retornam à sua Terra Indígena.  

“Estamos deixando de ir para a nossa aldeia para garantir o espaço para outros parentes que vêm trabalhar no verão. Na minha terra, ficou o meu pai e os meus irmãos. Desde janeiro do ano passado não nos vemos, eu fico muito sentido com isso. Por causa dessa luta, eu estou me distanciando da minha família”, lamenta. 

Ele assume sentir muita falta do convívio entre gerações tão natural da sua cultura. “O índio sempre quer ficar junto com o seu pai, com a sua mãe e a sua família para trabalharem juntos, comerem juntos, lutarem juntos”, diz. 

Apesar de o Tisac ser um espaço muito precário, Sadraque diz sentir a necessidade de permanecer para lutar por um lugar seguro para os Povos Indígenas terem onde ficar quando vêm para cá para vender seus artesanatos.

“Tomamos a posição de lutar, porque meus filhos já estão sofrendo, e os filhos deles podem sofrer no dia de amanhã. Por isso, eu olho para os meus filhos agora e fico com mais coragem de lutar e querer conquistar essa luta. Pode levar dez, vinte, trinta anos, eu vou permanecer lutanto”.

As famílias abrigadas no Tisac precisam de apoio. Todes estão convidades a participar das oficinas, a comprar o artesanato indígena, a visitar a ocupação, doar alimentos e roupas. Toda ajuda é bem acolhida.

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  • Fernanda Pessoa

    Jornalista com experiência em coberturas multimídias de temas vinculados a direitos humanos e movimentos sociais, especi...

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