A votação da admissibilidade da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 164/2012, na semana passada, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, gerou grande preocupação entre organizações que defendem os direitos das mulheres, crianças e pessoas com capacidade de gestar. Em resposta, quinze dessas organizações enviaram, na última quarta-feira (4), uma carta aos parlamentares, pedindo que não seja instalada a Comissão Especial para análise da proposta.
Entre outras frentes e organizações também se manifestaram a Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto, o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), o Conselho Universitário (Consun) da UFRGS, o Levante Feminista de Rondônia, e o Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira.
Além dos impactos nas mulheres vítimas de violência sexual, a PEC 164/2012 também traria consequências graves para a medicina e a ciência. Ela tornaria ilegal práticas de reprodução assistida, como fertilização in vitro, que são fundamentais para muitas famílias. As pesquisas com células embrionárias, que têm o potencial de curar doenças degenerativas e neurodegenerativas, também seriam afetadas, interrompendo um avanço científico vital para o tratamento de diversas condições.
Nesse sentido, a Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA) manifestou preocupação com a proposta.
“Ressaltamos que qualquer medida que limite ou inviabilize a formação de embriões pode impactar negativamente os resultados e a eficiência dos tratamentos de reprodução assistida. Tal restrição não apenas comprometeria avanços científicos, mas também poderia inviabilizar o acesso de muitas famílias a esses tratamentos”, afirmou em nota a SBRA.
PEC 164/2012
A proposta, que altera o artigo 5º da Constituição Federal para estabelecer a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção, pode eliminar as hipóteses de aborto legal e prejudicar outros direitos reprodutivos fundamentais, além de impedir pesquisas com células-tronco e técnicas de reprodução assistida.
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“Essa PEC representa um retrocesso sem precedentes nas conquistas obtidas, desde a redemocratização do Brasil, no campo do direito à saúde e dos direitos reprodutivos, e uma enorme ameaça à autonomia, à privacidade e à integridade corporal das mulheres e de outras pessoas que gestam”, diz trecho da nota do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher.
“A Bancada do Estupro não se envergonha de bradar que prefere ver crianças parindo de seus abusadores a garantir acessos a direitos humanos fundamentais, como educação sexual, acesso à saúde e métodos contraceptivos e aborto seguro, legal e gratuito, e ainda pede anistia aos criminosos de sua base”, apontou a Frente Nacional em sua manifestação.
Já a carta assinada por quinze organizações enfatiza que a PEC 164/2012, caso aprovada, vai obrigar mulheres, meninas e pessoas gestantes vítimas de violência sexual a prosseguir com a gestação, independentemente do risco à saúde ou da idade gestacional.
Este cenário é particularmente alarmante, pois a realidade da violência sexual no Brasil é grave: a cada seis minutos, uma mulher ou menina é vítima de estupro, sendo a maioria delas negras e de famílias de baixa renda. Segundo afirmam as organizações, a proposta também fere tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, violando os direitos humanos e a autonomia das mulheres sobre seus próprios corpos.
A votação dessa PEC ocorre após um momento de mobilização social contra o PL 1904/2024, que pretende criminalizar ainda mais o aborto. Pesquisa realizada pelo Cesop/Unicamp, em parceria com SPW e Cfemea, mostra que 59% da população brasileira é contra a prisão de mulheres que interrompem a gravidez, com uma tendência crescente, inclusive entre católicos e evangélicos.
Organizações como a Católicas pelo Direito de Decidir, o Cepia, o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres (Cladem/Brasil), Criola, e muitas outras, têm se unido para pressionar contra essa proposta. Buscam garantir que os direitos das mulheres e meninas não sejam subtraídos por um retrocesso que ameaça não apenas a autonomia das mulheres, mas também o direito à saúde, à dignidade e à vida.
“É profundamente inquietante constatar que o Estado demonstra maior atenção e preocupação em restringir o acesso ao aborto legal – um direito garantido em situações extremas – do que em combater com vigor os crimes brutais cometidos contra mulheres brasileiras e, especialmente, contra crianças”, afirmam na carta.