Anualmente, os maiores sites pornôs do mundo publicam um relatório com as categorias mais acessadas pelos seus usuários, detalhando palavras-chave, celebridades, fetiches e tendências mais buscadas em cada país do top 20. O Brasil, que nunca fica de fora dessa lista, demonstrou mais uma vez em 2023 o paradoxo de viver entre o desejo e o ódio em relação às travestis e transexuais.

Como esperado, esses dados não são exatamente uma surpresa. Assim como não é surpresa o fato de que o Brasil seguiu pelo 15º ano consecutivo como o país que mais assassinou travestis e transexuais no mundo todo em 2023, de acordo com o publicado pela TGEU (organização que monitora globalmente assassinatos de pessoas trans).

O primeiro ano em que o RedTube colocou o Brasil como o país que mais consome pornografia com pessoas trans foi em 2016. Desde então, estivemos sempre presentes na lista e permanecemos na liderança de outros sites internacionais como o maior público para esses vídeos.

Buscas por termos como shemale, transgender, brazilian shemale e ladyboy aparecem na liderança dessas plataformas em todos os países. Já no Brasil, alguns vídeos chegam a mais de 1 milhão de visualizações no RedTube, 20 milhões no PornHub e outros quase 50 milhões no XVideos, com buscas pelos termos travesti, travesti brasileira e suas variações.

A pornografia trans aumentou 75% nas pesquisas gerais, e ocupou a sexta categoria em pesquisas internacionais este ano, uma posição acima de 2022. É isso que demonstra o relatório 2023 do PornHub. Importante destacar que as categorias pornográficas mais populares incluem vários termos raciais e étnicos, assim como de identidades, um reflexo preocupante da fetichização e racismo sexual que pessoas negras e pardas, transgêneras, lésbicas e outres vivenciam regularmente.

A divisão das categorias de acordo com o que os homens e as mulheres estão mais interessados ​​viu uma certa sobreposição entre os gêneros. As buscas por Transgender subiram +2 este ano entre homens. Quando chegou a hora das categorias vistas mais comparativamente por mulheres do que por homens, Scissoring era +196% mais popular, Transgênero aumentou 175% mais e Pussy Licking ficou 105% mais popular.

Aliás, destaco que não são apenas homens cis que têm o desejo e dificuldade de assumir que sentem atração por mulheres trans. Mulheres cis, especialmente lésbicas e bissexuais também tem receio/medo de se relacionarem ou sentirem atração por mulheres trans e travestis. E como escreveu Raíssa Eris Grimm: “isso não é sobre genitais, mas sobre estigmas que são lançados sobre corpos trans”.

E aqui não falo de mulheres que não sentem atração por pessoas trans, mas daquelas que sentem, mas que são reprimidas por diversos estereótipos violentos e, claro, pelos impactos da transfobia como o medo de perder a respeitabilidade em espaços lésbicos, entre familiares, amigos, etc.

E entre as mulheres cis que visitam o site, elas viram pornografia trans 175% mais vezes do que os homens cis. O que demonstra que pessoas trans não precisam “pressionar” lésbicas para fazerem sexo – ou qualquer outra pessoa, a fazer sexo. Pessoas cis só precisam admitir que elas acham que somos gostosas e que têm desejos por nossos corpos.

Entre as gerações, as buscas por transgender não aparecem entre as 8 categorias mais procuradas pela Geração Z (18 a 24 anos). Já na geração Y (25 a 34 anos) aparece em 7º, na Geração X (35 a 54 anos) em 3º, em 2º entre boomers (+55 anos).

Relatório do Pornhub sobre tendências de buscas no Brasil em 2023 | Crédito: Reprodução

Baby Boomers como são chamados – o grupo que inclui os principais agentes antitrans e conservadores— pesquisaram pornografia trans 58% mais vezes este ano do que no ano passado.

As pesquisas mais populares no Brasil incluíram “surpresa transgênero” (transgender surprise) que teve aumento de 490% – Nenhum outro país teve um aumento tão alto. As principais categorias no Brasil incluíram Anal em 1º, Brasileiro em 2º, e Transgênero em 3º .

Relatório do Pornhub sobre tendências de buscas no Brasil em 2023 | Crédito: Reprodução.

A ligação entre os assassinatos de pessoas trans e o consumo de pornografia no Brasil revela uma ligação bem complexa: o quanto os discursos de ódio, as políticas conservadoras de controle das liberdades, sexualidades e identidades de gênero diversas e a agenda conservadora antitrans tem impactado a violência contra pessoas trans e feito aumentar a busca por nossos corpos no ambiente virtual sob a proteção de uma suposta anonimidade que o ambiente virtual confere.

Historicamente, os corpos trans têm sido, muitas vezes, tratados apenas como abjetos, fetiches e/ou fantasias, sem levar em conta nossos próprios desejos ou sentimentos. E isso cria uma situação altamente problemática, onde essas pessoas são desejadas e ao mesmo tempo causam repulsa para determinadas pessoas. As travestis e mulheres transexuais são as mais procuradas em sites pornográficos, mas também compõem a maioria esmagadora (95%) das vítimas assassinadas, segundo dados da ANTRA.

Existe um ódio enraizado contra travestis e mulheres transexuais, transmitido de geração em geração. E apenas quando superarmos esse processo é que seremos verdadeiramente livres para viver nossos desejos e relacionamentos sem medo ou sem risco para as pessoas trans. E de quebra isso ajudaria a acabar com a ideia de que se envolver afetiva ou sexualmente com pessoas trans seria algo ruim ou errado.

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  • Bruna G. Benevides

    Militar antifascista, sargenta da Marinha brasileira, Travesti, feminista afrodescendente. Secretária de articulação pol...

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