Em 2024, não houve nenhuma mulher concorrendo à prefeitura de Florianópolis como cabeça de chapa, ou seja, como prefeita. O fenômeno demonstra, além da falta de iniciativa dos partidos em colocar mulheres na liderança, a lacuna deixada pela legislação eleitoral na garantia de representatividade. Estudos da Ciência Política apontam que os partidos podem destinar os recursos reservados às candidaturas femininas em chapas cuja “cabeça” é um homem, desde que a vice seja mulher. 

Todas as candidatas ao executivo concorreram como vice: Ana Carolina Andrade (PSB), vice de Lela (PT); Claudia Zininha (Psol), vice de Marquito (Psol); Katia Damaceno (Avante), vice de Portanova (Avante); Maria Cláudia (União), vice de Dário Berger (PSDB); Maryanne Mattos (PL), vice de Topázio Neto (PSD) e Olindina Corrêa (PMB), vice de Mateus Souza (PMB). A eleita foi Maryanne Mattos, vereadora desde 2020. 

Maryanne foi a escolhida pelo PL para concorrer como vice de Topázio Neto (PSD), o atual prefeito que tem apoio do governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL). A indicação de uma candidata do PL para concorrer com Topázio foi uma espécie de retribuição do governador ao prefeito que, segundo Maryanne, foi o primeiro prefeito de Santa Catarina a expressar apoio a Jorginho ao final do primeiro turno das eleições para governador, em 2022. Em troca do apoio rápido do prefeito da capital, dois anos depois, em 2024, o PL não concorreria como cabeça de chapa, mas com um vice. 

Com o acordo firmado, Jorginho precisava escolher esse vice. Maryanne demonstrou interesse e foi entrevistada pelo governador, seus filhos Felipe e Bruno Mello, o irmão Juca Mello, e pelo então presidente do PL em Florianópolis, Heleno Orlandino Martins, que faleceu em 6 de outubro. A vereadora foi bem-sucedida e se tornou, então, a candidata a vice-prefeitura com Topázio na cabeça da chapa. 

Ela se filiou pela primeira vez ao PDT em 2016 e no mesmo ano foi candidata à vereança. Não foi eleita naquele momento, mas esteve na gestão. Foi Comandante da Guarda Municipal e Secretária de Segurança Pública de 2017 a 2019, no governo de Gean Loureiro (então MDB), tendo sido a primeira mulher a assumir os cargos na história da cidade. Entre 2017 e 2020, Maryanne saiu do PDT, passou pelo Novo e, por fim, se filiou ao PL, partido pelo qual concorreu em 2020 e foi eleita com 1.718 votos. 

Maryanne foi uma das cinco mulheres eleitas em 2020 e acredita que foi uma conquista histórica para Florianópolis. “A gente assumiu e os homens [vereadores] não sabiam como lidar. E é algo que a gente também não pode julgar”, defende. 

Para ela, alguns comportamentos masculinos partem da criação e não devem ser levados a mal, mas devem ser respondidos à altura. A vereadora conta que, quando foi eleita, recebeu uma ligação de um vereador que lhe parabenizou e teria dito que a Câmara ficaria mais bonita e cheirosa com o maior número de mulheres. “Vereador, agora a Câmara vai tremer”, respondeu Maryanne. 

“Meu sonho é que isso seja natural”, afirma em relação à entrada de mulheres na política institucional.

A vice-prefeita eleita de Florianópolis acredita que a sociedade está caminhando para o equilíbrio entre homens e mulheres em cargos de liderança. Referencia os atuais prefeito e governador nesse processo. “Graças a homens, porque primeiro os homens chegam lá. Se for um homem que tem essa visão, ele abre espaço para as mulheres”. 

Suas palavras indicam que, apesar das mudanças pela igualdade de gênero ainda dependerem do apoio de quem ocupa posição de privilégio, esse apoio também é uma resposta à pressão da sociedade por mais igualdade e representatividade.

A única mulher a ser prefeita de Florianópolis, Angela Amin, filiada ao Partido Progressistas, atribui ao marido, Esperidião Amin, um papel fundamental na sua formação política, mas rejeita a ideia de que dependeu e depende dele para atuar. 

“Não só os companheiros de partido como várias lideranças não acreditavam que eu pudesse comandar a administração municipal. Muitas vezes foi colocado que ele comandaria”, conta Angela.

As comparações entre os modos de fazer política do casal eram frequentes. Gestores diziam que era possível e mais fácil realizar projetos com Esperidião, mas “Contigo não dá, Angela”. 

Angela Amin foi prefeita por dois mandatos, de 1997 a 2004. Antes, se elegeu como a vereadora mais votada (pelo extinto Partido Democrático Social) em 1988 e  a deputada federal mais votada no Estado em 1990. Sua trajetória política começa com a participação na gestão municipal do então noivo Esperidião, de 1975 a 1978, quando os prefeitos eram nomeados pelo governo estadual no período da Ditadura Civil-Militar brasileira. 

Coordenou a campanha de Esperidião para deputado federal (1978), governador (1982) e prefeito (1988) — dessa vez, em eleições diretas. Em 1996, foi eleita prefeita com mais de 87 mil votos no segundo turno. Em 2000, foi reeleita em primeiro turno com mais de 100 mil votos. 

Para ela, ser gestora municipal teve dois grandes desafios. “Primeiro, se fazer respeitar. Segundo, conciliar o papel de esposa do Esperidião e de mãe”. Ambos, consequências do papel de gênero imposto à mulher. Em 2016, foi novamente candidata à prefeitura. Chegou ao segundo turno e perdeu para Gean Loureiro (então PMDB) por 1.153 votos, uma diferença de 0,5%. 

Hoje, Angela Amin é presidente municipal do Partido Progressistas e se vê com o compromisso de dar continuidade ao trabalho de inclusão de mulheres nos espaços partidários e institucionais. “Esse trabalho de envolvimento e de orientação para que realmente possam evoluir na participação política e construir uma densidade eleitoral importante para eles [candidatos e candidatas] e automaticamente para o partido”, reafirma como seu objetivo. 

Foi o candidato à prefeitura do Partido Progressistas, Pedrão Silvestre, o único entre os seis candidatos com melhor desempenho nas pesquisas a não trazer uma mulher como candidata a vice. Em debate promovido pela rádio CBN Floripa, em agosto, Pedrão foi questionado e respondeu que a escolha foi baseada em competência, independente da questão de gênero. Angela Amin reconhece a competência do vice escolhido, porém afirma que é uma demonstração da dificuldade de participação feminina e que a decisão sobre o vice foi exclusivamente de Pedrão. 

Apesar de serem poucas, as mulheres que conseguiram deixar marcas na política florianopolitana têm um traço em comum: a insistência. Angela Albino disputou as eleições à prefeitura em 2008, 2012 e 2016. Nunca foi eleita para o executivo, mas possui uma longa trajetória no legislativo. Albino se filiou ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB) em 2002. 

Antes, em 1988, ingressou no Tribunal Regional do Trabalho como servidora pública e, a partir disso, atuou no Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário Federal no Estado de Santa Catarina (Sintrajusc) e na União Brasileira de Mulheres (UBM). Em 2000, participou da campanha para vereador do colega Nildão Freire e passou a ter grande interesse pelo processo, mas ainda sem ver como uma possibilidade para si mesma. No período eleitoral seguinte, já filiada, foi colocada como uma candidata à vereança em potencial. 

Não havia aspiração pessoal, muito menos um sonho. O que houve foi uma construção, que ela vê como um aspecto positivo e resultado da sua experiência na luta sindical.

“Eu tomei um susto, porque não tinha identidade com isso, nunca tinha pensado nisso. E foi bacana porque foi um processo muito coletivo. Eu acho que o que deu certo também tem a ver com a sua origem de ter começado como um projeto coletivo”, avalia. 

“Deu certo”: Angela Albino se elegeu com 4.280 votos, a única mulher eleita para a Câmara na legislatura que teve início em 2001. Em 2006, assumiu como deputada estadual na Alesc por 60 dias e, em 2010, foi eleita para o mesmo cargo com 32.828 votos. Em 2015, assumiu como deputada federal por Santa Catarina e permaneceu na Câmara dos Deputados por dois anos. 

Albino acredita que a política, entrelaçada com a coletividade, faz parte da sua natureza. A política a qual se refere não é somente aquela relacionada ao exercício diário de cidadania, mas uma política que ela diz ser transformadora. Por isso, continua atuando de outras formas que não sejam através da sua candidatura. “É da minha natureza fazer política e essa política de desejo de transformação. Se isso vai incluir disputa de mandato, hoje não. Hoje não e só hoje eu sei responder”, conclui com saudade. 

Na sua avaliação, o processo de inclusão de mulheres é longo, difícil e causa desconforto na sociedade. “Sempre que uma mulher ocupa um espaço, ela desloca algum homem desse espaço. É matemática”. Porém, os resultados lhe parecem positivos e têm provocado uma mudança cultural. Essa mudança, acredita Angela Albino, faz com que ser mulher se torne cada vez mais um aditivo, uma qualidade, do que um obstáculo no ingresso à política institucional.

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  • Malena Lima

    Graduanda em Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina. Co-autora do Política no Desterro, podcast vencedor d...

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