• MP exige estudo social e cadastro da jovem em atendimento social antes de liberar criança para a mãe
  • Casa onde bebê está acolhida se posicionou favorável à Andrielli 
  • Juíza dá prazo de 15 dias para serviço social fazer cadastramento

Após sete meses, Andrielli Amanda dos Santos, 21 anos, espera ansiosa pela guarda da filha. Pelo menos essa é a expectativa da jovem que teve sua bebê arrancada de seus braços ainda na maternidade pelo Conselho Tutelar. Ao longo desse período, em que a pequena Suzi foi crescendo longe dela, em uma instituição de acolhimento, Andrielli lutou para reorganizar a sua vida e recuperar o direito de maternar.

Uma decisão judicial publicada nesta sexta-feira (4) atrasou por mais 15 dias o desacolhimento tão esperado. Agora, o pré-requisito para liberar a criança é que a mãe esteja cadastrada no serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI) de Florianópolis. Ela recebia o atendimento em São José, onde morava, mas mudou recentemente para a Capital. A decisão oficial será tomada após o serviço apresentar um relatório com o roteiro de cuidados que serão prestados à Andrielli.

“A casa onde estou morando é bem boa, tem dois quartos, a Suzi vai ter o espaço dela lá, estou arrecadando doações com amigos meus, como roupa e brinquedo para o tamanho dela, porque o enxoval que eu tinha era da época que ela foi arrancada de mim, então eu estou fazendo a troca. Houve um chá de bebê recentemente para arrecadar coisas de higiene”, contou Andrielli.

Andrielli recebe o benefício Auxílio Brasil e complementa sua renda com trabalhos que tem feito como cuidadora, com limpeza, produção de bolos e outras atividades. Ela também tem procurado emprego de carteira assinada e conta com o auxílio da mãe e dos irmãos que estão morando próximo a ela.  

“A minha família está super angustiada porque não sabe o dia exato que a Suzi vai voltar para casa, está com muita saudade, mas a gente espera que no mês de março aconteça essa liberação de a Suzi voltar para o seu lar, de onde ela nunca deveria ter saído”, completou.      

Embora na certidão de nascimento a menina esteja registrada como Susi, nós optamos pela grafia defendida pela mãe, que também desejava um segundo nome para a menina (Suzi Rebeca), mas não teve a sua vontade atendida.

“Nem o direito de escolher o nome da minha filha eu tive”. 

Nós procuramos a advocacia da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e a Defensoria Pública para saber quem foi responsável pelo registro da criança no cartório, mas ninguém soube responder. A Defensoria, no entanto, explicou que o registro é feito por meio de ofício expedido pelo juiz seguindo a certidão de nascido vivo. A Vara da Infância e Juventude, por sua vez, disse que não poderia responder em decorrência do segredo de justiça que envolve o caso.  

Até pouco tempo, Andrielli podia ver a filha apenas por videochamada, o que tornou o distanciamento ainda mais doloroso. Nos primeiros quatro meses de vida da bebê, nem isso era possível. 

Foto: arquivo pessoal

Em fevereiro, porém, a juíza Brigitte Remor de Souza May reconheceu que houve uma “mudança positiva” no contexto de vida da mãe da Suzi e que ela tem se mostrado “protetiva em relação à filha durante os contatos com a instituição de acolhimento”. 

Mas antes de determinar o desacolhimento, permitindo que a menina retorne aos braços da mãe, a magistrada decidiu liberar as visitas presenciais por um período de 10 dias. O objetivo, segundo a decisão, era de que Andrielli pudesse receber “orientações sobre os cuidados com a menina” da casa de acolhimento, para “adaptação da criança ao convívio da genitora e da avó materna”. 

O décimo dia de visitas terminou nesta quarta-feira (1º de março). A casa onde a criança está institucionalizada, já enviou um parecer à justiça favorável à Andrielli, sugerindo o desacolhimento da pequena, uma vez que a mãe e a avó materna demonstraram “elementos de protetividade que garantem os cuidados do bebê”. 

Segundo o parecer, Andrielli se mostrou “extremamente cuidadosa e educada com toda a equipe, muito carinhosa e preocupada com a filha e aproveitou a semana de visitação para sanar todas as dúvidas que tinha”.

Obstáculos

Ainda assim, o Ministério Público se posicionou contrário ao desacolhimento da menina. O parecer do MP foi publicado nas vésperas do feriadão de Carnaval (25 de fevereiro). A justificativa do promotor Marcelo Wegner foi a de que Andrielli ainda não está sendo acompanhada pelo serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI) de Florianópolis. A jovem recebia esse atendimento em São José — onde morava, mas vai precisar fazer novo cadastro em Florianópolis — para onde se mudou recentemente. 

Só que o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) em Florianópolis, responsável pela prestação do serviço, solicitou um prazo de 45 dias para inseri-la no atendimento. O serviço municipal alegou que a demanda está alta e houve redução no quadro de servidores. Nós procuramos a Secretaria Municipal de Assistência Social para entender a situação do Creas, mas não recebemos retorno. 

O Ministério Público solicitou à Justiça que o prazo para inserir Andrielli no serviço seja de 30 dias e não de 45 como pediu o Creas e deu o mesmo prazo para que o serviço faça um estudo social “para comprovar a mudança na dinâmica familiar”. O MP também quer que a instituição onde Suzi está acolhida faça mais um parecer sobre a situação da criança. 

“Tendo em vista o não acompanhamento da genitora pelo PAEFI de Florianópolis, é precipitado, por ora, o desacolhimento institucional da criança. Ademais, é de suma importância tal acompanhamento, em razão do histórico de vida que Andrielli possui, com o objetivo de verificar a mudança em sua dinâmica familiar”, argumentou o MP. 

O relatório de desligamento de Andrielli do PAEFI de São José traz o histórico exposto pelo MP. No documento fala sobre a dificuldade que a jovem teve de comparecer nos primeiros atendimentos por não dispor de valor para pagar o transporte público. Mas a equipe fez um atendimento domiciliar à Andrielli na época. Ela havia alugado uma casa com auxílio financeiro de sua rede de apoio. 

Segundo o relatório, durante a trajetória da gestação, teriam ocorrido” passagens pela situação de rua”, “sequenciais mudanças de endereço e descontinuidade do pré-natal por causa dos horários de trabalho”. Mas a jovem fez questão de lembrar que não se encontrava em situação de rua quando a filha nasceu.

Naquele momento, Andrielli já havia se movimentado para dar condições de cuidados à bebê. Não bastasse a retirada surpresa da criança após o parto, ela também foi alvo de uma laqueadura sem o seu consentimento (cirurgia para esterilização definitiva, na qual as trompas são amarradas ou cortadas).  

O psicólogo que atua junto ao movimento da população de rua e que acompanhou o caso desde o início, Gabriel Amado, afirma que Andrielli não chegou a ficar em situação de rua durante a gestação, o que ocorreu foi que ela passou cerca de um mês na Casa de Passagem na Passarela Nego Quirido, que acolhe pessoas em situação de rua. “Foi bem no começo da gestação”, afirmou.

Logo depois, segundo Amado, ela foi para a casa da mãe e, em seguida, para a casa de uma amiga. Havia um conflito entre ela e a mãe, mas que foi resolvido, o que colaborou para que Andrielli pudesse restabelecer a rede de proteção familiar.   

O defensor público Marcelo Scherer da Silva, que atua em favor de Andrielli, protocolou parecer solicitando à juíza que não atenda o pedido do Ministério Público. Ele ressaltou que respeita o trabalho do PAEFI, mas entendeu que não é justificativa para adiar o desacolhimento da criança. Na avaliação do defensor, a equipe da casa é a que mais “conhece a dinâmica familiar” e em nenhum momento “condicionou o desacolhimento ao acompanhamento prévio do PAEFI”.  

“Esse posicionamento não se trata de sugestão descompromissada, mas sim de uma análise pormenorizada da evolução do contexto familiar e social de Andrielli que a Equipe testemunhou a partir da abertura das visitas ainda na época em que Susi enfrentava problemas de saúde”, descreveu Silva.

Na avaliação do defensor, os relatórios juntados aos autos apontam “uma superação das dificuldades e fragilidades de Andrielli” e considerou que diante do contexto atual é “desnecessário, senão cruel” fazer com que Suzi aguarde mais 45 dias para estar junto de sua mãe.  

Mas a magistrada Brigitte Remor de Souza May levou em conta o histórico de Andrielli e os cuidados de saúde exigidos pela condição da menina que precisou de algumas internações nos primeiros meses de vida. Na avaliação dela, o desacolhimento “sem um acompanhamento robusto da rede” pode “comprometer o trabalho de reforço feito com a jovem até o momento”.

May, porém, não concordou com o prazo de 45 dias solicitado pelo PAEFI para fazer o cadastro e determinou a intimação do serviço público para incluir a família nos seus atendimentos no prazo de 15 dias, além de encaminhar um relatório com o roteiro de atividades que serão realizadas. A Casa de Acolhimento onde a criança está abrigada também foi intimada a providenciar um roteiro de cuidados que devem ser tomados com a criança para repassar à mãe. A instituição tem 10 dias para elaborar o documento. A decisão acerca do desacolhimento só será tomada após a magistrada receber os relatórios.

Violência obstétrica 

Andrielli entrou com uma ação contra o Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago, por violência obstétrica. Ela está sendo representada pela Defensoria Pública da União. O psicólogo, que também a acompanhou no hospital, presenciou várias violências desde o parto até a retirada da criança. 

“Não a deixaram ver a criança na hora do parto, tive que botar a máscara de oxigênio nela, pois ela quase apagou de tanta anestesia que deram, ocorreram algumas falas de descaso e a própria violência do Conselho Tutelar de ordenar o afastamento. Eu presenciei as piores cenas, quando tiraram a criança do lado dela e depois quando ela saiu correndo e chorando no corredor querendo ver a criança e o hospital negando acesso. Foi uma tortura atrás da outra”, contou Amado. 

O psicólogo também critica os obstáculos enfrentados por Andrielli para reconquistar o direito de cuidar da filha. Além de se estruturar financeiramente, ela precisou cuidar da saúde mental para se manter firme ao longo da trajetória de recuperação da guarda. Segundo Amado, a jovem tem feito uso dos medicamentos recomendados pelo médico e tem feito acompanhamento psicossocial.

“Foi muito perverso, porque o Estado dilacera a saúde mental da pessoa e depois cobra sanidade. É muito difícil a mãe se reconstruir depois de uma violência dessa e que continua ainda, agora vem esse parecer do MP que sacode tudo. Tirei um horário pra ir falar com ela, para ela se fortalecer para mais uma etapa”, concluiu.    

Contrapontos

Tanto o Poder Judiciário, quanto o Ministério Público e a Defensoria Pública não se manifestaram sobre o desdobramento do caso por conta do segredo de justiça da ação de destituição do poder familiar.

O Hospital Universitário informou por meio de nota que “não repassa informações sobre procedimentos relacionados ao prontuário de pacientes” em respeito ao sigilo das informações, afirmou que “todos os procedimentos realizados pela maternidade são pautados na segurança do paciente com base na legislação” e que “o caso tramita na Justiça e o HU vai prestar todos os esclarecimentos solicitados”.

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  • Schirlei Alves

    Repórter da Gênero e Número. Atua com jornalismo investigativo orientado por dados e sob a perspectiva dos direitos huma...

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