Na quinta-feira (23), mesmo dia em que foi revelado que 12,5 mil crianças menores de 14 anos foram mães em 2023 no Brasil, organizações em defesa da justiça reprodutiva organizaram um ato em frente ao Conselho Federal de Medicina (CFM). A manifestação ocorre após médicas serem suspensas pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) e o CFM publicar resolução que restringia o acesso de vítimas de violência sexual ao aborto legal.
Assim como no ato realizado em frente a sede do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) no dia 17, em Brasília também foi entregue uma coroa de flores, onde se lia na faixa “em luto pelas mortes de mulheres e crianças causadas pelo CFM que quer impedir o aborto legal e seguro”. Além de uma carta que descreve a atuação do CFM como “retrógrada, desumana, antiética e anticiência”.
O protesto foi organizado pelo Comitê Onda Verde no Congresso Nacional, que integra Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto (FNPLA), Frente Parlamentar Feminista Antirracista no Congresso Nacional e um grupo de organizações que atuam em defesa da justiça reprodutiva: Anis – Instituto de Bioética, Campanha Nem Presa Nem Morta, Associação Portal Catarinas, Católicas pelo Direito de Decidir, Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Cepia Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, Coletivo Margarida Alves, Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), Criola, Cunhã – Coletivo Feminista, Grupo Curumim, Rede Feminista de Saúde, e Redeh – Rede de Desenvolvimento Humano.
Em 17 de maio, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, suspendeu liminarmente a resolução do CFM que restringia o aborto legal resultante de estupro após 22 semanas.
O ato já estava sendo articulado anteriormente à decisão do STF e foi mantido porque organizações em defesa da justiça reprodutiva seguem em alerta em relação às ações do CFM.
“O Conselho já está se reorganizando para derrubar a decisão do STF. O ato mantém o estado de denúncia e mobilização da sociedade, informando sobre o que significa o impedimento dos médicos de realizarem o procedimento garantido por lei”, expõe, ao Catarinas, Joluzia Batista, articuladora política do Cfemea e integrante da FNPLA.
Participantes do ato enfrentaram dificuldades para entrar na sede do CFM para entrega da carta, mas a médica Ana Maria Costa conseguiu protocolar o documento. “Eu exigi minha entrada porque sou uma médica registrada no CFM, pago minhas anuidades e, portanto, tenho o direito de entrar. O protocolo é importante porque formará um processo e, a partir dele, as entidades que assinaram a carta podem pedir audiência para debater o assunto”, relata, ao Catarinas, Costa, que também é professora universitária e diretora do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes).
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Em nota enviada à Agência Brasil, o CFM informou que vai encaminhar ao STF “argumentos em defesa da manutenção da resolução” e que não pretende “fazer oposição ao chamado aborto legal”.
Movimentos por mudanças no CFM
Integrantes do grupo “Médicas e Médicos em Movimento” e “Muda CFM” participaram do ato em Brasília.
“Há uma parcela enorme de profissionais indignados com essas posturas do CFM, não apenas em relação às mulheres, mas em negação às vacinas, em negação à Ciência e sendo efetivamente um braço do fascismo presente no Brasil. Essas médicas e médicos criaram o movimento ‘Muda CFM’”, compartilha Costa.
Em 29 de abril, o Movimento Muda CFM lançou um manifesto em que expressa a preocupação com o distanciamento do CFM da ciência e da ética e pedem “o resgate da dignidade e ética” e “a independência e autonomia do CFM em relação a partidos políticos e governos”. O movimento irá apresentar chapas alternativas na eleição para o Conselho, que ocorre em agosto deste ano.
Para Costa, ações como a de perseguição ao direito aborto são táticas da atual gestão para tentar se reeleger. “A atual direção do CFM tem sido arbitrária, autoritária e misógina quando emite essas recomendações estapafúrdias, violando o seu papel de garantidor das boas práticas médicas para prevalecer valores retrógrados e ilegais em relação às mulheres”, descreve.
Hospital Vila Nova Cachoeirinha
Além da tentativa de limitar o acesso ao aborto em casos de violência sexual pelo CFM, o Cremesp suspendeu médicas que trabalhavam no serviço de Aborto Legal do Hospital Vila Nova Cachoeirinha, São Paulo. A prefeitura também suspendeu o serviço na unidade.
“Precisamos visibilizar, mobilizar e sobretudo denunciar para a sociedade as situações de violações e de extrema vulnerabilidade que são expostas as meninas e mulheres com esses retrocessos e esforços de retirada de direitos”, destaca Batista sobre a importância do ato em Brasília.
Para barrar parte desses ataques, o Sindicato dos médicos de São Paulo (Simesp) criou um formulário para receber denúncias de profissionais da saúde que foram intimidados por realizar seu trabalho e garantirem o acesso ao aborto legal.
Em nota, o Simesp explicou que desde o final de 2023, recebe denúncias sobre dificuldades enfrentadas por profissionais e usuárias da rede no acesso aos serviços de aborto legal em São Paulo, além de relatos de contratações terceirizadas de médicas e médicos, sem garantia de estabilidade e outros direitos trabalhistas.
“O Simesp reafirma seu compromisso com a defesa do direito ao aborto legal e seguro à todas as pessoas com útero e a existência deste serviço na rede pública de São Paulo. O fechamento do serviço pela Prefeitura é uma manifestação da sistemática negação de direitos fundamentais”, ressalta a nota.
Entramos em contato com o CFM e Cremesp para solicitar o posicionamento em relação aos atos. O CFM não retornou o pedido até o momento.
O Cremesp respondeu que “respeita o direito da mulher ao aborto legal e ressalta que, como autarquia federal, tem a prerrogativa de fiscalizar o exercício ético da Medicina em qualquer instituição hospitalar no Estado de São Paulo”.