Conselhos de controle social, organizações de pesquisa e de defesa dos direitos humanos reivindicam justiça à Andrielli e à filha Suzi.

Na última semana, pelo menos três organizações se manifestaram em defesa da jovem Andrielli Amanda dos Santos, 21 anos, que está há 36 dias separada da bebê Suzi com quem conviveu por apenas três horas após o nascimento. Em 28 de julho, mãe e filha foram separadas compulsoriamente após o nascimento, no Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, em Florianópolis, por ordem de uma conselheira tutelar. O Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de Santa Catarina (CEDCA/SC), a Coletiva em apoio às Mães Órfãs e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres (Cladem/Brasil) defendem o retorno imediato da criança acolhida institucionalmente. Suzi continua internada no Hospital Infantil Joana de Gusmão, conforme noticiamos.

A decisão da juíza Brigitte Remor de Souza May, da Vara da Infância e da Juventude da Comarca da Capital, em acatar o acolhimento emergencial, levou em conta o relato do Conselho Tutelar de que a mãe teria sido negligente durante a gestação por não realizar corretamente o pré-natal. Além disso, o conselho alegou que a jovem fez uso de drogas e/ou álcool e viveu em alguns momentos da gestação em situação de rua. Fatos que são contestados pelo defensor público Marcelo Scherer da Silva que atende a jovem. Como estratégia da defesa, Andrielli foi submetida a um exame toxicológico, nesta semana, para comprovar que não faz uso de entorpecentes. O teste de triagem para drogas de abuso apontou como “não reagente”.

O CEDCA expressou “profunda preocupação e repúdio à retirada compulsória de crianças, em especial recém-nascidas sob a ótica da presunção de prevenir violações de direitos sem prévio estudo e um diagnóstico, com a manifestação que ‘poderá ocorrer’ uma violação de direitos”.

Segundo aponta o conselho, ao legitimarem uma ação de afastamento imediatista que não tem base em estudo prévio e apoio antes, durante e no parto, os órgãos acabam por promover a violação que afirmam evitar. “Situações desta natureza exigem uma avaliação minuciosa envolvendo as diversas políticas públicas, caso contrário, direitos já garantidos acabam por ser violados”, afirmou o conselho.

A estratégia utilizada, conforme aponta o conselho, demonstra a precariedade e o despreparo de órgãos que compõem o Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes (SGD), da rede de atenção à mulher em situação de violência e da população em situação de rua.

“Se a proteção integral a crianças e adolescentes é garantida pelo Estado, sociedade e família, o acolhimento (familiar ou institucional) torna-se uma medida excepcional”, afirmou.

Como enfatizou, a retirada compulsória de crianças provoca danos irreversíveis e reflete em sua vida adulta. “O que nos causa perplexidade é que a Constituição Federal, em seu art. 227, garante o Direito à Convivência Familiar e Comunitária, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 4°, também vem reiterar esta garantia. Por fim, o Marco Legal da Primeira Infância também vem reiterar esta garantia, priorizando a Primeira Infância”, manifesta.

O conselho reiterou que medidas protetivas são necessárias, mas a institucionalização deve ser evitada quando os genitores têm fragilidades que resultam, justamente, de violações estruturais. “Os serviços de atenção às famílias devem proporcionar condições para o desenvolvimento da autonomia e seu protagonismo, visando o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários”.

Alvos de destituições compulsórias

A Coletiva em apoio às Mães Órfãs manifestou indignação contra a separação que considerou “perversa” e repudiou a criminalização e punição histórica de mulheres como Andrielli e seus filhos. “Se cabe aos serviços de saúde prestar cuidados e assistência para a mãe e o bebê no parto e nascimento e preservar o vínculo da mãe com seu filho, como essa Maternidade pactua com essa barbaridade?”, afirmam.

“Soma-se a essas violações o fato gravíssimo de terem submetido Andrielli à laqueadura forçada durante a execução da cesariana, sem ao menos ser consultada ou, mesmo informada do procedimento que a impedirá de gerar outros filhos biológicos”, acrescenta.

A Coletiva assinalou que o caso não é isolado e lembrou que a separação ou sequestro compulsório de bebês tal qual a esterilização compulsória de mulheres no Brasil também não é recente, “mas marcada pelo passado colonial e eugenista”. Casos semelhantes ocorreram em Belo Horizonte (MG), em 2016, quando a prática de acolhimento compulsório de bebês passou a ser indicada por meio de portaria.

“Com muita luta conseguimos suspender essa indicação, mas não erradicar a prática. Ressaltamos que tal controle dos direitos sexuais e reprodutivos possui como alvo, principalmente as mulheres negras, indígenas, periféricas, quilombolas, com trajetória de vida nas ruas, usuárias de álcool e outras drogas, com sofrimento mental, de religiões de matriz africana, em contexto de prisão, vivendo com HIV e profissionais do sexo”.

A Coletiva em apoio às Mães Órfãs é integrada pela Clínica de Direitos Humanos da UFMG, pela Frente Mineira de Drogas e Direitos Humanos, pelo Programa Polos de Cidadania da UFMG, pelo Mandato Popular da deputada Leninha e pela vereadora Bella Gonçalves.

Na última segunda-feira, o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres (Cladem/Brasil) divulgou parecer técnico sobre o caso, no qual aponta graves violações aos direitos humanos, sexuais e reprodutivos da jovem à luz da Constituição Federal, da Lei do Planejamento Familiar e dos Tratados Internacionais, dos quais o Brasil é signatário. Ao ter sido impedida de amamentar a bebê após o parto e submetida à esterilização involuntária pelo Estado, a jovem sofreu tratamento desumano e degradante, equivalente à tortura psicológica, avaliou o Comitê.

Também manifestaram apoio à jovem a Frente Parlamentar Feminista Antirracista com Participação Popular; a Comissão de Direitos Humanos Comitê de Antropólogas/os Negras/os Comitê de Gênero e Sexualidade da Associação Brasileira de Antropologia (ABA); o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (Cedim/SC); o Movimento Nacional Pró Convivência Familiar e Comunitária (MNPCFC); o Movimento da População de Rua de Santa Catarina e o Conselho Estadual das Populações Afrodescendentes.

A deputada Luciane Carminatti (PT) se posicionou em defesa da jovem e afirmou ao Catarinas que a bancada Feminina da Alesc soma-se ao movimento, acompanhando a situação e seus desdobramentos. “Reitero nossa defesa de que nenhuma forma de violência pode ser praticada pelas instâncias que existem para cuidar e proteger”.

A vereadora Carla Ayres (PT) encaminhou requerimento para a realização de Reunião Ampliada na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e da Promoção da Igualdade de Gênero, em conjunto com a Comissão de Saúde, para debater e buscar esclarecimentos sobre a atuação do Conselho Tutelar nas gestações das mulheres em situação de rua e/ou usuárias de drogas em Florianópolis.

Tentamos contato com o promotor, a juíza, a conselheira tutelar que atuam no processo, todos se negaram a contribuir com a reportagem sob a alegação de que se trata de segredo de justiça.  A mesma justificativa foi dada pelo presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, Edelvan Jesus, que é funcionário da prefeitura municipal e responsável pela gestão do conselho.

O Conselho Tutelar emitiu nota em suas redes sociais reafirmando a legalidade do procedimento, sem apontar os motivos da urgência. “A medida de acolhimento institucional aplicada, apesar de excepcional, foi considerada adequada para o momento, pelo membro do Conselho Tutelar”. 

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  • Paula Guimarães

    Paula Guimarães é jornalista e cofundadora do Portal Catarinas. Escreve sobre direitos humanos das meninas e mulheres. É...

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