Na linha de frente mulheres negras, indígenas e quilombolas abrindo caminho para as manifestantes de diversas partes do mundo que seguiam em marcha pelas ruas do centro de Florianópolis. Traziam no protagonismo a necessidade de um feminismo cada vez mais plural, que respeite as diversas possibilidades de ser, existir e produzir conhecimento.

“Nós mulheres negras, de terreiro e axé, e as mulheres indígenas somos as primeiras a serem violentadas pelo Estado. Falam muito em violência individual, mas a real violência é a estrutural desse Estado racista, machista, preconceituoso que nunca nos quis. A proposta foi esta: estarmos à frente para mostrar para o Estado brasileiro que o mundo é feito de mulheres: indígenas, brancas, amarelas”, diz Sandra Li, ialorixá.

Mulheres negras, indígenas e quilombolas: a linha de frente da Marcha Internacional Mundos de Mulheres por Direitos. Foto: Catarinas/Chris Mayer.

Segundo a organização do 13º Congresso Mundos de Mulheres (MM) e do Seminário Fazendo Gênero 11 (FG), cerca de dez mil pessoas participaram da Marcha Internacional “Mundos de Mulheres por Direitos”, que aconteceu nesta quarta-feira (2), em Florianópolis, Santa Catarina. Ecoando suas principais pautas em gritos de ordem, batuques e cartazes, múltiplas vozes tomaram o entardecer da ilha em defesa dos direitos das mulheres. Foi a primeira vez que uma manifestação como essa integrou a programação do FG.

Assista o vídeo: “Moçambicanas puxam a ‘largada’ para a Marcha Internacional de Mulheres por Direitos”

“Nem recatada e nem do lar, a mulherada tá na rua é pra lutar”, gritavam as manifestantes. A concentração começou no Terminal Integrado do Centro (Ticen) e seguiu pelas ruas centrais até ao Mercado Público, próximo ao ponto de partida. No retorno, foram recebidas por batidas de tambor do bloco de canto e percussão Cores de Aidê.

A luta pela demarcação de terras recebeu destaque entre as reivindicações. “As pessoas precisam saber primeiro que existimos. A sociedade precisa perceber todo mal feito contra nós, reconhecer e devolver parte do que nos foi retirado. Estamos ocupando espaços. Hoje há cotas na academia, mas não há acesso efetivo. Não sentimos nossos saberes acolhidos. Nosso povo evade porque não consegue estar nesse espaço com qualidade, não tem casa, bolsa”, afirmou Jozileia Daniza Jagso, representante do grupo Kaingang e pesquisadora da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL).

Assista o vídeo: 

Estações contra as violências
A cada parada, uma forma de protesto contra violências direcionadas às mulheres. A primeira estação aconteceu em frente a uma agência bancária do grupo Santander e representou a opressão do sistema financeiro. Às 18h, o sino tocou bem no momento em que as mulheres chegaram em frente à catedral, onde ocorreu a segunda parada de protesto contra a violência sobre os corpos de mulheres trans, travestis, lésbicas, bissexuais e trabalhadoras do sexo.

“Marcho por querer andar com a minha companheira de mãos dadas na rua sem medo”, fala a ativista lésbica Natasha Olanda, do bloco Cores de Aidê.

Raíssa Grimm em protesto na segunda estação da marcha que pediu respeito às mulheres trans. Foto: Catarinas/Rafaela Martins.

A terceira ocorreu em frente a um prédio da prefeitura para representar a necessidade de públicas públicas e o debate de gênero na educação. A quarta foi em frente à agência da Previdência Social para lembrar a violência das reformas previdenciária e trabalhista.

Mulheres trabalhadoras urbanas e do campo também marcaram presença na marcha internacional. Atiliana Brunetto, ativista do Movimento de Trabalhadores e Trabalhadoras sem terra (MST) diz que as camponesas querem unidade contra o avanço da crise capitalista que atinge mulheres campesinas e da cidade.

“Nós levamos para a marcha a bandeira de maior participação das mulheres, de reconhecimento e visibilidade das mulheres do campo. Nós trabalhamos, nós produzimos alimentação saudável, nos produzimos aquilo que nao é reconhecido como renda. E queremos a unidade, nesse momento no mundo e no Brasil, de avanço da crise do capitalismo. O que nos atinge no campo, nos atinge na cidade, então queremos construir essa aliança de trabalhadoras”.

Mulheres campesinas exigem igualdade de direitos entre homens e mulheres. Foto: Catarinas/Dieine Gomez.

A onda feminista brasileira
Para Maria Pia López, ativista e fundadora do movimento “Ni Una a Menos”,  este é um encontro de vitalidade e que parece surpreender todas com a combinação entre ativismo cultural e vida acadêmica, ideias culturais e também da aparição do feminismo interseccional. “Eu estava numa das mesas sobre feminismo negro e aparece aí a luta contra o racismo que se articula muito bem ao feminismo contemporâneo. O feminismo tem uma enorme potência e um enorme desafio. Me parece que as mulheres estão demonstrando em todo o mundo uma capacidade de ação democrática”, defende.

Ela complementa que o movimento demonstra estar no primeiro plano da linha das lutas pela democracia na América Latina, contra as mudanças trabalhista, contra as ditaduras e contra as repressões.

“Então me parece que o desafio do feminismo é seguir trabalhando para construir um sujeito multidisciplinar capaz de dar conta de todos esses debates das agendas sociais”.

#NenhumaAMenos. Fotos: Catarinas/Chris Mayer.

Pela primeira vez no Fazendo Gênero, Maria do Mar Prada, professora de estudos de gênero da universidade de Warwick na Inglaterra, falou sobre a força do movimento feminista do Brasil. “Há uma energia, uma vitalidade em torno do feminismo. Não se encontra em outro país da Europa uma vitalidade como essa do Brasil. Foi uma experiência inspiradora. Fiquei contagiada com a energia daqui”.

Marca da edição de 2017 do MM e do FG, a interlocução entre os movimentos de mulheres e a produção acadêmica cria conexões plurais à luta das mulheres. É o que aponta Nayara de Lima Monteiro, advogada e professora de direito internacional. “É uma energia que só quem está na marcha sabe como a gente sente a força das mulheres e dos que acompanham com a gente. O mais legal do momento é a mistura da academia com os movimentos sociais na rua. É uma energia da pluralidade desse encontro”.

#SomosMuitas. Foto: Catarinas/Chris Mayer.

Lilian Silvia de Sales, professora da Universidade Federal do Pará (UFP) conta que participou do seminário em duas oportunidades, mas que desta vez sentiu o encontro mais próximo dos movimentos. “Faço parte de um grupo chamado Zoé, de militantes e estudiosas feministas. As pessoas que muitas vezes não estão na universidade, mas também produzem conhecimento estão sendo valorizadas. Há lugar para outros saberes e falas, num espaço que também é delas”, argumentou.

14º Congresso “Mundos de Mulheres”
As moçambicanas Marilú Námoda e Leonilde Lumbela também trouxeram para a marcha sua contribuição à agenda das mulheres. É o que afirma Marilú, ativista do movimento feminista. “Por que eu vim? Para fortificar a luta. Para encontrar outras mulheres. Para perceber a diversidade dentro desse movimento de descolonização, para partilhar a nossa experiência também com essa questão. Então, sobretudo isso: para encontrar outras mulheres e fortalecer a luta. É a minha primeira vez no Brasil. E tem assim, um sabor especial estar aqui, porque o Brasil tem uma relação muito forte com Moçambique. Em Moçambique nós também sofremos um golpe. O nosso governo anterior fez um grande roubo. Então o que estou dizendo aqui (com a manifestação da representação em papel da minha boca), é que não vamos pagar as dívidas. Porque eles estão querendo transformar a dívida que contraíram em uma dívida pública. O custo de vida está muito alto. Então, esta é uma das nossas agendas”, conta.

Delegação moçambicana na concentração para a marcha “Mundos de Mulheres por Direitos”. Foto: Catarinas/Rafaela Martins.

Moçambique foi convidado para receber o 14º Mundos de Mulheres. Leonilde Lumbela, ativista de direitos humanos, diz que ela e as companheiras de seu país vieram aprender como o encontro se organiza para  replicar em Moçambique.

“Como ativista dos direitos humanos, vim aprender também que novas formas podemos ter para defender os direitos humanos das mulheres. Porque eu trabalho no Fórum Mulher, uma rede de organização que trabalha em prol dos direitos humanos das mulheres em Moçambique. Então, quanto mais experiência pudermos colher para defender os nossos direitos… nós sabemos que Brasil é similar ao nosso país, em termos de perda de direitos que nós já havíamos adquirido. E nós queremos lutar para manter e conseguir mais do que ansiamos. Temos uma lei contra a violência doméstica, mas essa lei não foi aprovada como nós tínhamos proposto. Portanto, foi um ganho sim, mas continuamos a lutar para que possa incorporar mais daquilo que são os nossos objetivos para que a mulheres não sofram mais violência em Moçambique”, explica.

O que vai rolar na quinta-feira (2) no MM/FG
No penúltimo dia do 13MM e do FG11, uma programação intensa está reservada a visibilizar a causa LGBTI que deve ocupar, no início da noite, o palco principal do evento. Durante o dia, uma série de atividades está programada para acontecer  na tenda “Mundos de Mulheres”. A partir das 18h, haverá um sarau cultural, protagonizada por artistas trans. As 19h, o grupo realiza uma mística trans/LGBTI que seguirá até o auditório Garapuvu.

A tenda de educação popular em saúde “Maria Theresa de Medeiros Pacheco”, também tem programação específica. O tema de diálogo hoje é obesidade e gordofobia. A tarde acontece um Fórum sobre Saúde. A tenda trouxe ao 13MM e ao FG11 as discussões que permeiam os eixos temáticos da II Conferência Nacional de Saúde das Mulheres que acontece em Brasília do dia 17 a 20 de agosto.

Estão programadas também uma série de seminários temáticos, mesas redondas, oficinas e apresentações culturais que movimentarão o campus da UFSC/Florianópolis ao longo no dia. O aplicativo do MM/FG é uma ferramenta que ainda pode ser utilizada para a organização das atividades deste dois últimos dias de evento.

O tema da conferência da noite desta quinta-feira (3) é “Uma política feminista da ambivalência: lendo com Emma Goldman”, que terá como conferencista a americana Clare Hemmings, professora de Teoria Feminista na London School of Economics and Political Science e integrante do Instituto de Gênero da mesma universidade. A pesquisadora tem desenvolvido trabalhos nas áreas de epistemologia e metodologia feminista, teoria feminista, estudos transnacionais sobre sexualidade, anarquismo e o ativismo de Emma Goldman.

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