Entre 2001 e 2015, as mulheres saltaram de 34,8 milhões para 45,8 milhões no conjunto da população economicamente ativa no Brasil – alcançando mais de 44% do total – e com uma taxa de crescimento média superior à dos homens nesse mesmo período. Se olharmos para períodos mais longos, fica ainda mais evidente a feminização do mercado de trabalho – em 1992, por exemplo, as mulheres eram pouco mais de 25 milhões das pessoas economicamente ativas.

Também é importante notar que dentro do conjunto de pessoas ocupadas, as mulheres são proporcionalmente mais assalariadas que os homens: quase 60% das mulheres trabalham na condição de empregadas, ao passo que entre os homens essa relação é inferior a 40%. A ocupação de trabalhadora doméstica é esmagadoramente feminina, sendo exercida por quase seis milhões de mulheres brasileiras, equivalente a 14% do total das ocupadas (dentre os homens, esse percentual é inferior a 1%). Elas são, em grande medida, mulheres que trabalham nas casas de outras mulheres que também acumulam atividade profissional e vida familiar, já que as trajetórias profissionais não são mais interrompidas, em sua maior parte, quando a mulher têm filhos.

Assim, não é trivial discutir a elevada participação da mulher no mercado de trabalho, pois ela alterou de maneira fundamental a nossa organização em sociedade, começando pelas definições de ‘papel’ da mulher, não somente no que diz respeito a sua inserção profissional – especialmente porque o aumento da participação feminina não veio acompanhado por um aumento equivalente da participação dos homens na divisão das responsabilidades domésticas e familiares.

Outra característica importante do mercado de trabalho brasileiro (mas não apenas dele) é o aumento do nível de escolaridade das mulheres. Temos um perfil de mercado de trabalho em que quase 60% das mulheres ocupadas possuem mais de 11 anos de estudo (entre os homens ocupados, são 46%) e no qual 19% das ocupadas têm mais de 15 anos de estudo (entre os homens, esse percentual é de apenas 11%).

Se, por um lado, podemos traçar uma relação positiva entre aumento da escolaridade e maior inserção, há por outro um fenômeno que a contradiz: a segregação das carreiras. O trabalho da mulher concentra-se em poucas atividades: 1/3 das ocupadas exercem atividades de educação, saúde e serviços sociais e domésticos (os homens que exercem essas atividades são 5%). Ao olharmos brevemente para o mercado de trabalho formal, ou seja, para aquele em que os trabalhadores possuem carteira de trabalho assinada ou são funcionários públicos, a concentração de mulheres em poucas ocupações é corroborada: das 19 milhões de mulheres que trabalham com carteira assinada no Brasil, 6,2 milhões (ou 33%) estão agrupadas em apenas cinco ocupações – dentre as quais aparecem técnicas e auxiliares de enfermagem e professoras do ensino fundamental. Em comparação aos homens, a dispersão do segundo grupo é bastante superior: 20% do total de homens empregados com carteira assinada concentram-se nas cinco maiores ocupações.

Podemos considerar algumas hipóteses que nos ajudem a entender por que há essa segregação, e nela reaparecem a ordem de gênero e a divisão sexual do trabalho sob diversas formas. Seja por meio da sobrevalorização das capacidades masculinas (por parte de professores e familiares), seja com a antecipação das (e para as) meninas acerca de seu futuro profissional, ou os efeitos perversos da educação escolar, esses fatores se juntam a outros no mercado de trabalho, como o valor que se atribui aos títulos conseguidos por um homem ou por uma mulher, por exemplo. Como consequência – mesmo que não seja a única – as mulheres recebem aproximadamente 85% do salário médio dos homens no Brasil.

O desemprego também é superior para as mulheres brasileiras, tendo alcançado 11,3% em 2015 – enquanto a taxa de desocupação masculina foi de 7,2%. Especialmente em momentos de crise e desemprego, percebemos que a ‘inatividade’, seja ela causada pelo desemprego ou pela saída temporária da força de trabalho, permanece como status admissível para as mulheres, jamais para os homens.

Ainda que a participação da mulher tenha aumentado em termos absolutos no mercado de trabalho brasileiro (e mundial) e seja quase paritária, a desigualdade diminuiu num ritmo bastante lento e prevalece ao longo das décadas. Aguardamos por uma ‘evolução natural’, uma igualdade que chegaria ‘naturalmente’, talvez pelo aumento progressivo do número de mulheres, talvez por uma crença na modernidade, num progresso que inverteria o desequilíbrio da balança. De fato, isso não ocorreu e existem estimativas de que seriam necessários mais de 70 anos para que alcançássemos a igualdade caso continuássemos no mesmo ritmo que imprimimos até o presente.

Esse é o terceiro artigo da série “Mulheres no Mundo do Trabalho” que traça um resgate histórico e balanço das consequências da crise econômica para as mulheres.

Imagem reproduzida do portal Vermelho

Do que estamos falando quando falamos sobre mulher e trabalho?

Lenina é economista, formada pela UFSC, com mestrado em políticas públicas pela UFPR. Atuou no Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e na Secretaria do Trabalho e Emprego de Curitiba.

O jornalismo independente e de causa precisa do seu apoio!


Fazer uma matéria como essa exige muito tempo e dinheiro, por isso precisamos da sua contribuição para continuar oferecendo serviço de informação de acesso aberto e gratuito. Apoie o Catarinas hoje a realizar o que fazemos todos os dias!

Contribua com qualquer valor no pix [email protected]

ou

FAÇA UMA CONTRIBUIÇÃO MENSAL!

  • Lenina Formaggi

    Lenina é economista, formada pela UFSC, com mestrado em políticas públicas pela UFPR. Atuou no Departamento Intersindica...

Últimas