Vivemos e nos inserimos em um mercado de trabalho em que a divisão sexual funciona livre e plenamente, e no qual a desigualdade nos enreda. Vivemos uma realidade em que a família e a escola nos transmitem ‘fórmulas’ e modos de agir cujas implicações nos ajudam a entender o que acontece no mercado de trabalho, mas não o explicam totalmente, pois o próprio é um produtor de diferenças e segregações. Como bem assinala Margaret Maruani, dia após dia o mercado constrói as fronteiras entre o trabalho de homens e mulheres, inventa hierarquias de competências e qualificações, define a sexualização das formas de emprego, de subemprego e do próprio desemprego. E sequer tocamos no tema da tolerância social em relação às desigualdades ainda maiores para a mulher negra.

A filósofa e cientista política Nancy Fraser desenvolveu uma teoria da justiça que defende a existência de dois fatores cruciais para o alcance do que seria uma participação paritária entre homens e mulheres na sociedade, assim como entre outros grupos. Esses fatores seriam redistribuição e reconhecimento. Para ela, uma justiça democrática requereria tanto a redistribuição de bens e riquezas sociais – alterando a estrutura econômica que gera formas de injustiça distributiva especificamente ligadas a gênero – como o reconhecimento valorativo-cultural das diferenças, eliminando códigos de gênero e padrões culturais difundidos.

Em termos práticos, ela acredita que as injustiças de gênero (de distribuição e reconhecimento) são tão complexamente entrelaçadas que nem conseguiríamos aboli-las inteiramente de forma independente. Há que realizar esforços conjuntos. Assim, qualquer tentativa de reduzir as diferenças salariais entre homens e mulheres não terá êxito se permanecer totalmente “econômica” e não desafiar os significados de gênero que codificam algumas ocupações de baixa remuneração como “trabalho feminino” e associado em grande parte a pouca inteligência e habilidade. Da mesma forma, qualquer tentativa de revalorizar os traços codificados por mulheres, como sensibilidade interpessoal e cuidado, não será bem sucedida se permanecer inteiramente “cultural” e não desafiar as condições econômicas estruturais que ligam essas características à dependência e à impotência.

Sua proposta parece bastante razoável: precisamos corrigir a desvalorização cultural do “feminino”, subtraindo os princípios machistas e substituindo-os por outros que fomentem uma participação igualitária de mulheres e homens. Mas precisamos fazer isso precisamente dentro do mercado de trabalho, da economia (e em outros lugares), para que desta forma tenhamos uma distribuição verdadeira e um reconhecimento genuíno.

As marchas de mulheres e greves gerais convocadas internacionalmente para o dia 08 de março carregam, em grande medida, componentes dessa proposta. Buscam juntar lutas contra a violência masculina com oposição à informalização do trabalho e à desigualdade salarial, visibilizando as necessidades e aspirações das mulheres que estão no mercado de trabalho formal, mas também das que trabalham na esfera da reprodução social e dos cuidados, das desempregadas e das que exercem trabalhos precários. É uma construção ampla que atenta para um feminismo solidário, no qual estão incluídos as trabalhadoras de forma geral.

Estamos prontas para marchar?

Esse é um dos três artigos da série “Mulheres no Mundo do Trabalho” que traça um resgate histórico e balanço das consequências da crise econômica para as mulheres.

*Lenina é economista, formada pela UFSC, com mestrado em políticas públicas pela UFPR. Atuou no Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e na Secretaria do Trabalho e Emprego de Curitiba.

 

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  • Lenina Formaggi

    Lenina é economista, formada pela UFSC, com mestrado em políticas públicas pela UFPR. Atuou no Departamento Intersindica...

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