O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes suspendeu liminarmente, nesta sexta-feira (17), a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que restringe o aborto legal resultante de estupro após 22 semanas. 

A ação acontece no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 1141) apresentada pelo PSOL em conjunto com Anis – Instituto de Bioética, Cravinas – Clínica de Direitos Humanos e Direitos Sexuais e Reprodutivos da Universidade de Brasília e Coletivo Feminista, Sexualidade e Saúde.

A norma proíbe que médicos de todo o país realizem a assistolia fetal, procedimento que consiste na injeção de produtos químicos para interromper os batimentos cardíacos do feto, assegurando que seja retirado do útero sem sinais vitais. 

O procedimento visa ainda prevenir o desgaste emocional e psicológico tanto das pacientes quanto das equipes médicas envolvidas e é recomendado pela Organização Mundial de Saúde, pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e pelo Ministério da Saúde. 

“O aborto legal no Brasil está sob ataque de conservadores, de fundamentalistas, e o CFM é parte dessa cruzada contra a vida das mulheres. Eles tinham inclusive atuado fora do escopo legal das suas atribuições para tentar através de uma canetada modificar uma lei que garante esse direito no Brasil desde 1940. Felizmente o Supremo Tribunal Federal, através do ministro Alexandre de Moraes, teve a compreensão justa, correta e necessária e fez um ato de justiça, de reparação”, afirma a deputada federal Sâmia Bonfim (PSOL-SP).

Para Amanda Nunes, advogada da Anis e co-coordenadora do Cravinas, mesmo que resoluções não tenham força de criar direitos e obrigações, a atuação abusiva do CFM e dos conselhos regionais promove medo e insegurança em torno da garantia do aborto legal, gerando danos para a saúde de mulheres e meninas que passaram a ter esse direito negado. 

“Com essa decisão, o STF contribui para eliminar esse cenário ao reconhecer que isso não pode acontecer, tomando como base a constituição, a previsão do Código Penal e as recomendações da OMS”, acrescenta. 

Na decisão, Moraes diz que a resolução permanecerá sem validade pelo menos até o julgamento final da controvérsia. Ele também determinou que o CFM seja comunicado e que envie informações em até dez dias para, na sequência, ouvir a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República no prazo de cinco dias para a devida manifestação definitiva.

“Ao limitar a realização de procedimento médico reconhecido e recomendado pela Organização Mundial de Saúde, inclusive para interrupções de gestações ocorridas após as primeiras 20 semanas de gestação  o Conselho Federal de Medicina aparentemente se distancia de standards (padrões) científicos compartilhados pela comunidade internacional, e, considerada a normativa nacional aplicável à espécie”, escreveu o magistrado na decisão.

Segundo a advogada da Anis, com a decisão, o STF contribui para eliminar esse cenário ao reconhecer que isso não pode acontecer, tomando como base a Constituição, a previsão do Código Penal e as recomendações da OMS. “Ao contrário, o CFM deve contribuir para a certeza e segurança em torno de direitos, cumprindo sua função de ente responsável apenas pela execução da lei, conforme o princípio da separação de poderes”. 

“Devemos nos perguntar nesse momento por que o CFM, em vez de restringir o aborto legal, não promove as recomendações da OMS e investiga o descumprimento do direito ao aborto legal? segundo a lei, seria esse o seu papel”, acrescenta. 

Resolução gerou impasse jurídico

Em abril, a norma chegou a ser derrubada pela juíza federal Paula Weber Rosito, da 8ª Vara da Justiça Federal de Porto Alegre (RS) por meio de decisão liminar (temporária). A magistrada afirmou que “a lei que rege o CFM, assim como a lei do ato médico não outorgaram ao Conselho Federal a competência para criar restrição ao aborto em caso de estupro” e que “não pode o CFM criar, por meio de resolução, proibição não prevista em lei, excedendo o seu poder regulamentar”. 

O CFM recorreu e, pouco depois, ela voltou a valer após decisão do Tribunal Regional da 4ª Região.

O desembargador Cândido Alfredo Silva Leal Junior alegou que a questão deveria ser melhor debatida e que o tema já é objeto de outras ações judiciais ainda sem desfecho, ao se referir à ADPF 989/2022 e a ADPF 1.134/2024 que tramitam na Justiça.

A publicação da resolução em 3 de abril gerou diversas críticas de entidades médicas e jurídicas que destacam que ela vai contra a legislação vigente no País e que impõe barreiras no acesso ao aborto legal, especialmente para meninas e mulheres em situação de vulnerabilidade social. 

“Durante a vigência dessa portaria muitas mulheres e, sobretudo, meninas já estavam tendo o seu direito ao aborto legal violado. Muitas médicas e profissionais de saúde estavam sendo e ainda estão sendo perseguidas também pelo Conselho de Medicina. Agora, segue a nossa luta para que as mulheres e meninas efetivamente consigam acessar esse serviço. Em defesa da reabertura desse serviço no Hospital Cachoeirinha, em São Paulo, por exemplo, bem como a ampliação dos direitos reprodutivos no Brasil” enfatiza Sâmia Bonfim.

O jornalismo independente e de causa precisa do seu apoio!


Fazer uma matéria como essa exige muito tempo e dinheiro, por isso precisamos da sua contribuição para continuar oferecendo serviço de informação de acesso aberto e gratuito. Apoie o Catarinas hoje a realizar o que fazemos todos os dias!

Contribua com qualquer valor no pix [email protected]

ou

FAÇA UMA CONTRIBUIÇÃO MENSAL!

  • Kelly Ribeiro

    Jornalista e assistente de roteiro, com experiência em cobertura de temas relacionados a cultura, gênero e raça. Pós-gra...

Últimas