O ministro do STF, Marco Aurélio Mello, rejeitou recurso do presidente Jair Bolsonaro e manteve a decisão que havia determinado a indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil  à deputada federal Maria do Rosário (PT/RS), conforme publicação no Diário Oficial nesta terça-feira (19). O presidente foi condenado por declarar em 2014, quando deputado federal, que Maria do Rosário não merecia ser ‘estuprada’ por ser ‘muito feia’. Além do valor da indenização a ser revertido a alguma entidade que cuida de mulheres vítimas de violência, a condenação determina a publicação de retratação em jornal de grande circulação, na página oficial do réu e no seu canal do YouTube.

Em sua decisão, Marco Aurélio apontou para os efeitos traumáticos da violência de gênero afirmada na fala do então deputado, agora presidente da república. “A imagem do estupro recupera o julgamento social frequente de como as mulheres são retratadas com base em estereótipos e status de gênero. Esse fato causa eventos potencialmente traumáticos em qualquer mulher. No caso, entretanto, de uma ex-ministra da Secretaria de Direitos Humanos, o discurso gera efeitos devastadores em razão do ativismo da vítima, exatamente no respeito aos direitos fundamentais”, argumentou.

Ao responder à repórter sobre por que a deputada Maria do Rosário “não merece” ser estuprada?”, Bolsonaro declarou: “Ela não merece porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece”.

Segundo defendeu o ministro, a fala do réu invadiu a esfera do direito à inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem da autora da ação. “Por conseguinte, violou o núcleo essencial da garantia fundamental a que o texto constitucional deixou assegurado. Uma vez demonstrada a violação dos direitos de personalidade, a  sentença deve ser mantida”.

“Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”, determinou o ministro recorrendo a jurisprudência já consolidada. “O recurso nem foi apreciado pelo Supremo porque não tem sequer as condições de admissibilidade de um recurso extraordinário. O que Marco Aurélio fez e que está dentro das competências de fazer sozinho é aceitar ou não o recurso. O STF não aceita recurso para reexaminar as provas do caso, porque já são avaliadas pela primeira e segunda instância, depois disso as cortes superiores não avaliam mais prova, a única situação possível é analisar alguma violação da Constituição ou da legislação federal”, explica Eloísa Machado de Almeida, advogada e coordenadora do Supremo em Pauta, da Escola de Direito de São Paulo – Fundação Getúlio Vargas.

Decisão inédita
Segundo Almeida, a decisão é capaz de encerrar o processo e o presidente será obrigado a cumprir a condenação mantida pelo tribunal de segunda instância.

“Não lembro de outra hipótese onde um presidente da república em exercício tenha sido obrigado a se retratar por uma manifestação sua. É algo inédito, uma decisão importante, ressignifica a imunidade parlamentar ao que fala ou deixa de falar. Desde a decisão da primeira instância, o judiciário passou a balizar o que é aceitável ou não no discurso parlamentar e que essa imunidade serve para proteger a função e não para proteger alguém que eventualmente se sinta autorizado para falar barbaridades para suas colegas de parlamento ou para qualquer outra pessoa”, analisou a advogada.

Marco Aurélio aumentou o valor que Bolsonaro deve pagar como honorários à defesa da deputada petista de 10% para 15% do valor da indenização.  O presidente da República virou réu no Supremo pela mesma declaração, mas a ação criminal foi suspensa na semana passada porque devido a imunidade, como chefe do Executivo Federal, ele não pode responder por fatos anteriores ao mandato.

Em agosto de 2017, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a condenação. Bolsonaro recorreu no mesmo ano ao Supremo argumentando que a decisão da Justiça contrariava o princípio da imunidade parlamentar. De acordo com o que afirmou, o fato aconteceu porque havia um “antagonismo ideológico” entre ele e a parlamentar.

Ao negar o recurso, Marco Aurélio lembrou que, conforme a Constituição, o dispositivo da imunidade só é válido no âmbito criminal, não se estende a ações judiciais que busquem responsabilidade civil, em processos instaurados por prática de infrações político-administrativas ou em procedimentos destinados a apurar a sua responsabilidade tributária.

“Há dos tipos de imunidade, a temporária em relação à presidência da república e a parlamentar para as posições dos parlamentares. No caso da imunidade quanto ao que se fala, esta tem sido afastada desde a primeira instância no caso do Bolsonaro, porque uma pessoa que xinga a outra e comete inclusive condutas que podem vir a ser tipificadas como crime não está amparada pela imunidade parlamentar”, detalhou a advogada.

Segundo o ministro, além de ausência de foro privilegiado, a sentença deve ser mantida porque Bolsonaro admitiu nos autos que exerceu sua “liberdade de opinião” fora do ambiente de atuação legislativa, “em uma situação pessoal.” “O próprio deputado quebra o nexo de causalidade com a atividade legislativa quando, de acordo com os autos, emite uma nota com o seguinte título: ‘jamais pedirei desculpas à deputada Maria do Rosário’.”

Em sua defesa, o deputado havia afirmado: “Racionalmente é possível entender as palavras ditas à Deputada Maria do Rosário como uma reação à ofensa inicialmente dirigida a mim. E só”.

“Antes da eleição, o réu Bolsonaro dizia que ‘ninguém deveria estar acima da Lei’, mas sempre buscou se acobertar sob o foro privilegiado de deputado e impedir a ação da justiça contra seus atos, acreditando conquistar mais uma vez a impunidade. Depois de eleito e no poder, tenta usar da presidência da república, mas não obteve o arquivamento que desejava. De minha parte, seguirei defendendo as mulheres e crianças de todas as formas de violência”, afirmou a deputada em nota “Bolsonaro quer se livrar, mas não levou”, publicada um dia após a decisão do Ministro Luiz Fux que suspendeu o julgamento das duas ações penais.

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