Na última quarta-feira, 31 de maio, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou o projeto de lei 1085/2023, proposto pelo governo Lula, que torna obrigatória a igualdade salarial entre homens e mulheres que exercem atividades de igual valor ou mesma função. Agora, o texto segue para votação no Plenário do Senado.

A iniciativa é um importante passo rumo à equidade de gênero, pois de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, uma mulher ganha, em média, 78% dos rendimentos de um homem. No caso de mulheres pretas ou pardas, o percentual cai para menos da metade dos salários dos homens brancos (46%). 

Conversamos com Miriam Knopik Ferraz, advogada especialista em Direito do Trabalho, que nos explica de que forma a matéria deve impactar a vida das trabalhadoras que vivem no Brasil, se aprovada. A especialista também oferece caminhos para as mulheres exigirem seus direitos, após a sanção da lei. Acompanhe.

Catarinas: Com o projeto de igualdade salarial aprovado, o que muda no dia a dia das mulheres no mercado de trabalho?

Miriam Knopik Ferraz: As mulheres poderão exigir mais transparência das empresas quanto à igualdade salarial, já que diversas obrigações às empresas estão dispostas no projeto, como a divulgação de relatório de transparência salarial e remuneratória, no caso de empresas com 100 ou mais empregados.

Além disso, todas as empresas deverão adotar políticas de: estabelecimento de mecanismos de transparência salarial e remuneratória; ampliar a fiscalização de discriminações; disponibilizar canais de denúncia; fomentar a capacitação de mulheres para ingresso, permanência e ascensão nos cargos. 

Vale para mulheres cis e trans?

O Projeto de Lei não traz disposições específicas quanto a isso, então, caberá às empresas adotarem essas políticas de forma clara em seus regulamentos. O direito à equiparação da mulher trans à cis está sendo timidamente reconhecido nos tribunais, como por exemplo um processo do TRT 15ª região que reconheceu que o intervalo destinado a mulheres (cis) deveria ser aplicado às mulheres trans.

Em casos de descumprimento das regras, como essas mulheres devem proceder para garantir seus direitos sem serem retaliadas?

Caso seja visualizada alguma discrepância salarial e remuneratória, veja que isso inclui não somente o salário bruto, mas sim a remuneração em geral, como comissões, por exemplo, essa funcionária tem várias alternativas: entrar em contato com seus supervisores/gerentes; fazer uma denúncia no canal de denúncias da empresa (se houver); fazer uma denúncia no sindicato da sua categoria; fazer uma denúncia para o Ministério Público do Trabalho ou, ainda, ajuizar uma Reclamatória Trabalhista requerendo a equiparação salarial. 

Ressalto que o ajuizamento de ações é um mecanismo importante, mas envolverá a contratação de uma advogada, provar todos os fatos da equiparação e em alguns casos em que o vínculo de emprego permanece durante as ações, pode acabar gerando mais discriminações e até demissões (estas indevidas). Então as melhores formas de denúncia dessas situações são por meio de canais de denúncia internos das empresas, que geralmente são anônimos; denúncia ao sindicato e denúncia ao Ministério Público do Trabalho. Em regra, o anonimato é garantido nessas situações. 

Existe a possibilidade de empregadores continuarem atribuindo as mesmas funções para homens e mulheres sob títulos de cargos diferentes? A que tipo de movimentos dos empresários as mulheres devem ficar atentas?

A regra geral é que para iguais funções deve ser paga a mesma remuneração. Além desta regra é preciso observar as normas previstas na CLT sobre em que casos é possível equipar a remuneração de dois empregados (sejam  dois homens, sejam duas mulheres, seja um homem e uma mulher): devem prestar serviço no mesmo estabelecimento;  ter igual produtividade e perfeição técnica; a diferença de tempo entre eles não deve ser superior a 4 anos de vínculo com a empresa; a diferença de tempo entre eles no cargo não pode ser superior a 2 anos; os dois empregados devem ser contemporâneos no cargo e função. Veja que vários critérios são objetivos, ou seja, devem ser provados pela empresa de forma técnica, não se relacionando com características pessoais. 

Todos esses critérios não precisam ser provados pela empresa se ela tiver um quadro de carreiras. É esse o ponto perigoso: se a empresa tiver um plano de carreira, na mesma função deve haver a mesma remuneração, ou seja, sem os critérios de tempo que eu citei anteriormente. Nesse caso, se ocorrer de a empresa criar funções diferentes para alterar a remuneração será necessário provar que as duas pessoas exercem a mesma função e que há uma discriminação.  

Então, as mulheres devem estar atentas a dois pontos: se a empresa não tiver plano de carreiras, todos aqueles critérios precisam ser observados para que seja ilegal a diferença remuneratória; se a empresa tiver plano de carreiras, é a prova da diferença remuneratória e o exercício da mesma função que em regra deverão ser demonstrados. 

Como comprovar a discriminação por motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade, como prevê o texto?

A comprovação ocorrerá em cada caso, mas há diversas situações que infelizmente são comuns: diferença no recebimento de tarefas; passar somente tarefas simples ou complexas para determinadas pessoas; não realizar promoção de determinado grupo de forma intencional; remunerar de forma diversas pessoas que exercem a mesma função etc.

As provas utilizadas são: documentos da empresa (como relatórios, manuais) disponibilizados a todas; falas de supervisores e gerentes; conversas no WhatsApp, e-mails, etc. Todos esses documentos podem ser utilizados como prova para uma denúncia ou Reclamatória Trabalhista. Ressalto que a empregada só pode ter acesso a folhas de pagamento e holerites se os donos dos respectivos disponibilizarem.

Obrigada, Miriam. Caso queira comentar qualquer outro aspecto que diz respeito à lei, fique à vontade.

Há uma grande expectativa com o Projeto de Lei 1085/23, que absorveu as disposições da Constituição Federal e das Normas da Organização Internacional do Trabalho e trouxe medidas concretas para fiscalização, transparência e punição. Se aprovado exigirá ações concretas imediatas das empresas. As empregadas deverão ficar atentas, então, às políticas de remuneração e de cargos, para caso visualizem alguma discrepância possam tomar alguma medida, em especial uma denúncia no canal de denúncias interno, ao sindicato ou ao Ministério Público do Trabalho.

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  • Jess Carvalho

    Jess Carvalho é jornalista e pesquisadora da bissexualidade. Atua como editora, repórter e colunista no Portal Catarinas...

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