O Sistema de Alertas Regional – Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (SAR) é uma iniciativa da Articulación Feminista Marcosur (AFM) para possibilitar às organizações feministas da América Latina e Caribe, uma ferramenta, entre outras, de monitoramento.  

A AFM, da qual a REDEH, entre outras organizações e movimentos brasileiros, é integrante, se define como uma “corrente de pensamento e de ação política feminista que tem como eixo central de sua estratégia, promover o desenvolvimento de um campo político feminista a nível regional e global”. 

O objetivo do SAR é dar visibilidade ao não cumprimento dos compromissos assumidos no Consenso de Montevidéu, particularmente no que se refere ao capítulo sobre os direitos sexuais e direitos reprodutivos, pelos Estados da região. É um espaço para também registrar as ações de resistência em suas defesas, aquelas contrárias à ofensiva anti-direitos. 

Entre as produções que o monitoramento possibilitou podem ser citadas e consultadas na página: o 1º informe analítico, de maio de 2018; o informe especial “A contra mobilização fundamentalista e seus esforços para retroceder a igualdade de gênero na América Latina e Caribe”, de julho de 2019; o informe especial, de dezembro de 2020, sobre “As vulnerações aos direitos sexuais e reprodutivos em tempos de pandemia – os efeitos de uma tripla cascata”.

Nos últimos meses a REDEH enviou ao SAR uma série de alertas que consideramos emblemáticos do momento paradoxal pelo qual passa o Brasil, quando há uma ação articulada de autoridades dos diversos poderes, que têm como “ponta de lança” o governo federal, no sentido de restringir e fazer regredir direitos já conquistados, quando deveriam ser suas guardiãs. 

Compartilhamos abaixo o resumo do material coletado e enviado ao SAR, que esperamos seja útil, também, para os movimentos, organizações e coletivos feministas, profissionais da área da saúde e defensoras dos direitos humanos. 

Denúncias de perseguição a defensoras de direitos humanos

Apresentamos o caso da pastora Romi Bencke, secretária executiva do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), que passou a receber ameaças após a divulgação do tema da campanha da fraternidade em 2021: “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor”. A escolha do tema ressalta uma desconformidade em relação à violência contra as mulheres, em especial as negras e as indígenas, e posição inédita em defesa da população LGBT, tendo em vista o contexto de estímulo à violência que se instaurou no país a partir do governo Bolsonaro, o que se agudizou com a pandemia de covid-19. 

Também nesta categoria a ação da organização de ultraconservadores católicos, o Centro Dom Bosco Fé e Cultura, que entrou, em 2018, com processo junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo, para impedir que Católicas pelo Direito de Decidir utilizem a palavra católicas no nome. O processo está em fase de decisão se seguirá ou não para instâncias superiores, STJ e STF. 

E ainda o caso da antropóloga e professora da Universidade de Brasília, Débora Diniz, que vive fora do Brasil por perseguição ao seu ativismo em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos.  Desta vez teve um post, em que se referia à agenda do presidente Bolsonaro no Congresso Nacional, descontextualizado por veículos de imprensa, além de compartilhado pelo próprio presidente em sua conta do twitter. O conteúdo afirma falsamente que Débora Diniz acusa Bolsonaro de perseguir pedófilos. Desde a sua propagação, ela voltou a ser alvo de discurso de ódio e ameaças de morte nas redes sociais. Os três casos são emblemáticos de como se dá a investida na intimidação à atuação de defensores/as de direitos no país. 

Cultura do estupro

O caso da jornalista Amanda Audi, vítima de violência sexual, foi arquivado pela justiça por falta de investigação e mereceu alerta porque é representativo de uma maneira de atuar das instituições policiais e jurídicas do país, o que contribui para a naturalização da violência sexual. Já no caso da deputada Isa Penna (PSOL), o deputado Fernando Cury (ex-Cidadania) – autor do assédio – não recebeu a aguardada e justa cassação de mandato, mas teve condenação inédita pela Assembleia Legislativa de São Paulo e seguirá acusado ao devido processo judicial. A violência, também denunciada como política, tem na atitude deliberada do parlamentar o contraponto em setores da sociedade brasileira não mais permissivos a ela.  

Governo anti-direitos

Alertamos para o posicionamento do governo brasileiro no sistema ONU, que nas duas situações relatadas, foi representado pelo ex-ministro das relações exteriores e pela ministra da mulher, família e direitos humanos. Em 22 de fevereiro de 2021, na abertura no segmento de alto nível do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, a ministra Damares reforçou em seu discurso a defesa da família tradicional heteronormativa e do direito à vida desde a concepção, num claro contraponto aos direitos humanos, direitos sexuais e direitos reprodutivos. Os representantes do governo brasileiro têm sido acusados de mentir e omitir, na arena internacional, no que diz respeito à realidade brasileira e o papel do governo, ao qual estão integrados, para a crise que estamos vivendo. 

No dia oito de março de 2021, em ato organizado por praticamente todas as democracias do mundo, na 46ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, se negaram a assinar a declaração que marcava a data, porque essa remetia à saúde, aos direitos sexuais e aos direitos reprodutivos. Mesmo após ter perdido o grande e poderoso aliado global, com a vitória de Biden nas eleições dos EUA, o governo brasileiro segue firme e forte na sua cruzada fundamentalista, ao lado dos países mais retrógrados do mundo. 

Restrições ao aborto legal

Representativo do ativismo anti-direitos do governo federal, registramos a emissão das portarias 2.282/20 e subsequente 2.561/20, em reação à mobilização que garantiu o direito ao aborto de garota de 10 anos do Espírito Santo, fato que já havia sido alertado ao SAR pela Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB). O intuito explicitado foi o de restringir o acesso ao aborto legal no país. Diante da reação da sociedade à primeira portaria restritiva, o governo apresentou portaria substituta, que manteve a orientação para que profissionais de saúde encaminhem para denúncia criminal os casos de violência sexual. A reação da sociedade se mantém, assim como estão em andamento processos que pedem a revogação da portaria pela justiça e pelo parlamento.

Denunciamos também a inexistência e/ou ineficácia de políticas de enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes, que apresentaram aumento no período de pandemia. Crianças vêm sendo revitimizadas por parte do Estado, e em muitos casos levadas à morte, por omissão deste. Casos de violência sexual contra meninas que perderam a vida por mortalidade materna, como o de uma menina de 11 anos e de outra de 13, no Pará, foram destacados. A violência sexual levou a gravidezes de risco que as mataram, sem que a qualquer momento o Estado interviesse para estancar a violências a que estiveram expostas. 

Ainda nesta linha, e mais recente, a apresentação do PL 5435/20, o Estatuto da Gestante, pelo senador Eduardo Girão (Podemos/Ceará), “empacotado” sob a falsa impressão de querer proteger as mulheres grávidas, quando não quer nada mais garantir que o que aconteceu com as duas meninas paraenses citadas acima, continue a acontecer livre e legalmente. A proposta traz embutida o direito à vida desde a concepção, o que eliminaria o direito aos três casos permitidos por lei no país: interrupção voluntária da gravidez quando há risco de morte da mãe, estupro e anencefalia; trata o violador como “genitor”, com direitos e deveres de pai; retoma a “bolsa estupro” como manobra convicente. Os anti-direitos, como podem ver, estão bastante ativos. 

Em defesa dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos

Por sua originalidade, informamos ao SAR sobre o Carro do Óvulo. O carro de som que circula pelas ruas de Porto Alegre divulgando informações sobre direito ao aborto e saúde reprodutiva no contexto da covid-19, uma iniciativa da Frente pela Legalização do Aborto de Porto Alegre/RS. E também do Rio Grande do Sul, no mês de março, o lançamento de uma iniciativa da Frente estadual, para ofertar um canal seguro de informação: Mulheres, o que querem saber sobre aborto?. Trata-se de mais uma linha direta de acolhimento de dúvidas, sustentada por organizações feministas e parcerias, caso das já existentes VERA, de Pernambuco,  e EU CUIDO, EU DECIDO do Distrito Federal. 

No mês de março, em uma outra iniciativa, a REDEH lançou a Série Enredando – podcast feminista antirracista, com um programa de análise da conjuntura sobre as ameaças aos Direitos Reprodutivos no Brasil. Aborto legal em risco e a luta por nenhum direito a menos, contou com a participação de Jolúzia Batista do Cfemea/DF, Helena Paro da Rede Médica pelo Direito de Decidir e Flávia Nascimento, defensora pública, e pode ser acessado aqui: https://open.spotify.com/show/4sEBAKrkieaicsZU4AzV43

A REDEH tem atuado de forma coletiva na Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) e na Frente Nacional contra a Criminalização de mulheres e pela Legalização do Aborto (FNPLA). Frente esta que tem se mantido alerta e atuante diante desse cenário passível de retrocessos, ainda que com os limites impostos pela tragédia pandêmica que assola o Brasil. 

Sabemos que há muito mais a relatar, tanto no campo da ofensiva anti-direitos, como no da resistência e ativismo em defesa dos direitos sexuais e direitos reprodutivos. O SAR está aberto a contribuições e à disposição dos ativismos.

Seguiremos colaborando para as construções de cenários, como as que possibilita o SAR, entre outras ferramentas de ação, que venham a ser instrumentos a impulsionar nossa luta cotidiana pelo fim das violências e pela garantia dos direitos humanos, dos direitos sexuais e reprodutivos.  

Acesse :
SAR: http://sistemadealertasregional.org 
Consenso de Montevidéu: http://sistemadealertasregional.org/uploads/Consenso_Montevideo_(1).pdf

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