Atos marcam o avanço dos movimentos críticos ao governo Bolsonaro às ruas do país; em Florianópolis a manifestação #ForaBolsonaro foi a maior desde o início da pandemia.

Entrevistas Paula Guimarães e Morgani Guzzo.

Multidões saíram às ruas em todas as capitais do país e no Distrito Federal, no último sábado (29), uníssonas no grito de #Forabolsonaro. Levantamentos dão conta de que cerca de 200 cidades aderiram à mobilização. Em Florianópolis, a estimativa é de que 10 mil pessoas tenham participado, o que faz do ato o maior em número de manifestantes desde o início da pandemia. A manifestação, que teve concentração às 10h, no Largo da Alfandega, centro da capital, terminou depois de duas horas e meia de marcha. Protestos estavam previstos para ocorrer em pelo menos oito cidades de Santa Catarina.

Foto: Bianca Taranti

Foi um ato de expressão da indignação diante da deliberada ação de morte do governo Bolsonaro durante a pandemia, mas também de encontros, que mesmo a certa distância, marcam o retorno do protagonismo dos movimentos sociais de forma unificada e massiva às ruas. Pois, como avaliou a pesquisadora e professora de Comunicação da UFRJ, Ivana Bentes em suas redes: “O monopólio da rua pela extrema-direita foi quebrado! Os processos também avançam correndo riscos e por contradição”.

Foto: Bianca Taranti

Diferentemente, no entanto, dos protestos que apoiam o governo Bolsonaro e contam com a participação dele, esse foi um ato por respeito à vida, por vacina, por comida na mesa, pelo fortalecimento dos serviços públicos de saúde e de educação, pela valorização da ciência. A mobilização foi articulada pela Frente Fora Bolsonaro, a UNE (União Nacional dos Estudantes), a Coalizão Negra por Direitos, a CUT (Central Única dos Trabalhadores), o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) e outras organizações.

As faixas, que aos poucos surgiam entre as alas, traziam as pautas de uma mobilização marcada pela vontade de viver e pela alegria da resistência em confronto com a política de morte do governo fascista. Estudantes, professoras/es, profissionais de saúde, sindicalistas, ativistas feministas, artistas, representantes do povos indígenas, militantes do movimento negro, pessoas refugiadas, entre outras traziam a unidade e a pluralidade da luta.

“Estou aqui pelos meus, pelos nossos, porque todo dia morrem jovens negros. Estou aqui porque os meus das comunidades são os que mais sofrem, são aquelas e aqueles que não conseguem fazer distanciamento social, que não pararam de trabalhar […] porque temos um governo que é genocida e que tem um projeto político escravagista […] somos a maioria, somos nós que morremos todos os dias […] Não podemos esperar até 2022, queremos política de vida agora, e o que esse governo tem é uma política de morte”, protestou Luciana Freitas do Movimento Negro Unificado (MNU).

Foto: Bianca Taranti

A denúncia contra o extermínio da população indígena também esteve presente, representada por integrantes dos povos Xokleng e Kaingang. Entre outras pautas, eles trouxeram a reivindicação histórica da construção de uma Casa de Passagem que abrigue a população vinda de outros estados para vender artesanato na capital. São vozes que trazem a memória da resistência ao que representa a política do governo atual. “Estamos na luta há mais de 520 anos para continuar existindo enquanto povos originários do país e o governo Bolsonaro representa o extermínio dos nossos povos. Desde que ele assumiu a presidência, os povos indígenas têm sido vítimas de agressão e extermínio, nós como jovens e lideranças indígenas estamos aqui para dizer que somos contra esse governo”, declarou uma liderança Kaingang.

Representantes do Coletivo Colombianos em Floripa também posicionaram suas bandeiras de luta, denunciando a violência estatal contra a população durante as mobilizações que ocorrem há um mês no país. “No dia de ontem [28] fez um mês da revolta social na Colômbia e a resposta do governo foi triplicar as forças armas e exército nas ruas para fazer a repressão do povo e de quem está na resistência. Hoje, estamos aqui acompanhando as denúncias contra Bolsonaro e mandando mensagens de apoio à Colômbia, fora Duque, fora Bolsonaro”, manifestou a estudante Vanessa Ardila, integrante do Coletivo Colombianos em Floripa.

Foto: @odaracris

Grupos de arte e cultura levaram percussão, maracatu, coco e outros ritmos brasileiros para o ato. Durante o trajeto, encontramos várias manifestantes em uso de lenços verdes, os pañuelos, símbolo da luta pelo direito ao aborto na América Latina, que foram distribuídos pela Frente Catarinense de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto. “Aborto legal, #Fora Bolsonaro” dizia a faixa da Frente. “A frente está aqui porque esse governo genocida ataca os direitos sexuais e reprodutivos das meninas, mulheres e pessoas com útero, inclusive os direitos que já existem atualmente […]. Esse governo não se importa com a nossa vida”, afirma Jennifer Hartmann, integrante da Frente.

Foto: Bianca Taranti

Para Tatiana Zimmermann, da Marcha Mundial de Mulheres, a manifestação revelou a força de um grito contido durante o período de isolamento. Diferente das manifestações do #EleNão, anteriores às eleições, desta vez a tragédia é nominada. “O pessoal se encorajou em vir às ruas, porque já estamos indo para as ruas para trabalhar, e neste momento tão trágico não dá mais para segurar, estamos com um grito preso na garganta, a gente precisa tirar esse cara do poder. Estamos desde o #EleNão avisando, a gente não queria, então vem o sofrimento de passar por isso tudo, vem essa pandemia, a incompetência e falta de vontade de lutar pela vida das pessoas. Estamos morrendo de uma doença que já tem vacina e eles [governo] fazendo brincadeira com as nossas vidas, sobretudo com as pessoas mais vulneráveis que não podem fazer quarentena, home office. As pessoas estão trabalhando, os ônibus estão lotados, era hora de ir para às ruas, com todos os cuidados, mas já era hora”, analisou a marchante.

Foto: Bianca Taranti

Em frente ao Morro do Mocotó ocorreu uma parada para denunciar que a comunidade tem sido alvo de forte violência policial. “É extremamente importante estar nas ruas tanto pelo fora Bolsonaro, pela vacina e contra o genocídio da população negra que vem sendo massacrada no país. Precisamos colocar as pautas nas ruas, lutar pela vacinação do povo e pelo direito de viver. É ato também contra as execuções policiais, o que aconteceu no Jacarezinho acontece aqui também”, afirmou Joice Santos, da Frejuna (Frente da Juventude Negra Anticapitalista), e do Coletivo Negro Magali da Silva Almeida.

Já no início da mobilização, do alto do carro de som o aviso de que o uso da máscara, do álcool em gel, e a manutenção do distanciamento social seria parte do acordo político do ato. É possível dizer que quase a totalidade das pessoas usaram máscaras e a organização cuidou a todo o tempo para manter as três colunas de pessoas enfileiradas, formato que tem sido aplicado em atos com esse caráter político. Ainda que o ato tenha sido marcado pelos cuidados, o risco de contaminação existe e não foi negado, o chamado às ruas ganhou força justamente pelo entendimento de que “o governo é pior que o vírus”.

Foto: Bianca Taranti

“Estamos aqui lutando por vacina no braço, comida no prato e para que a água e a energia não sejam mercadorias, contra a privatização da Eletrobras, a MP 1031, MP do apagão, vai faltar luz para o povo brasileiro. Lutamos para que a energia não seja mercadoria, mas sim seja voltada ao bem-estar e desenvolvimento social do povo brasileiro”, pontuou Raquel Rohden, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Enquanto parte do movimento bolsonarista tem expressado o estímulo à aglomeração, ao não uso de máscara, e toda a carga política de negacionismo e desprezo à vida durante os atos que realizam, a mobilização fora Bolsonaro mostrou que as pessoas se preocupam com a vida a ponto de se colocarem em risco, mesmo que sob cuidados, para lutarem por ela.

Foto: Bianca Taranti

“A avaliação é bastante positiva, a quantidade de pessoas, hoje, na manifestação surpreendeu a todos que organizaram o ato. Não estavam somente representantes de frentes sindicais, movimentos sociais, mas a população como um todo, que saiu para pedir que o presidente saia do poder, para que a gente tenha uma política que valorize a vida e que sustente as necessidades reais do povo”, analisou Livia Guilardi, que integra o 1º mandato coletivo de Florianópolis pelo PSOL.

Foto: Bianca Taranti

Cruzes brancas em memória as vítimas da Covid-19, fincadas em canteiros da região do Largo da Alfândega, foram avistadas durante o trajeto. Já são mais de 461.000 óbitos desde o início da pandemia. Especialistas alertam para uma terceira onda de contaminação em breve no país, o que deve levar novamente a crises agudas na assistência à saúde. Epidemiologistas e infectologistas, que se pautam por rigorosos estudos científicos, apontam que somente a vacinação em massa e os cuidados para conter a proliferação do vírus podem frear a pandemia. Somente 10% da população está vacinada com a 2ª dose da vacina no Brasil. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado tem relatado e produzido provas contra o descaso do governo na resposta à pandemia, ou ainda pior, contra a ação deliberada dele para a proliferação do vírus. A marcha #ForaBolsonaro não tem data para terminar no país.

Foto: Bianca Taranti

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  • Paula Guimarães

    Paula Guimarães é jornalista e cofundadora do Portal Catarinas. Escreve sobre direitos humanos das meninas e mulheres. É...

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