“Hoje, a Comissão das Mulheres tem o potencial de construir ações que coloquem o poder institucional a serviço do poder popular e do levante feminista”, Cíntia Mendonça (Coletiva Bem Viver).

Com cinco vereadoras eleitas, as eleições de 2020 foram históricas em Florianópolis. A abertura do ano legislativo em 2021 (1º de fevereiro) já mostra a potência dessa conquista. Pela primeira vez, a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e Igualdade de Gênero (CDDMIG) será composta por quatro mandatos de mulheres eleitas, sendo dois deles declaradamente feministas, anticapitalistas e antirracistas. Compõem a Comissão das Mulheres as vereadoras: Carla Ayres (PT), Pri Fernandes (PODEMOS), Maryanne Mattos (PL) e a mandata Coletiva Bem Viver (PSOL) – formada por cinco covereadoras. 

No Brasil, uma democracia representativa, a representatividade na política remete à conquista de grupos sociais historicamente excluídos dos espaços de poder político. Isto é, a ocupação de cargos do Poder Legislativo (vereadoras, deputadas estaduais, distritais e federais, e senadoras) e do Executivo (prefeitas, governadoras e presidenta) tradicionalmente destinados aos homens, brancos, heterosexuais e cisgêneros. 

A Comissão das Mulheres foi criada no legislativo municipal de Florianópolis em 2013, entretanto, somente em 2017 a pasta foi ativada. É importante lembrar que apenas homens se tornaram membros da Comissão desde o início das atividades. Anteriormente a 2021, Carla Ayres teve oportunidade de presidir três vezes a CDDMIG como suplente no mandato do vereador Lino Peres (PT). 

Ampliar o sentido da democracia a partir do olhar feminista

Em entrevista ao Portal Catarinas, Carla explica que o avanço dos corpos de mulheres nesses espaços coloca em discussão pautas que precisam ser visibilizadas, colaborando para que o debate sobre os direitos das mulheres e de outras maiorias vulnerabilizadas avancem. 

“Há um entendimento de que nós enquanto mulheres, e também mulheres feministas, não queremos pensar só sobre os nossos direitos específicos. Nós entendemos que enquanto metade da população mundial brasileira, nós também pensamos sobre todos os temas que dizem respeito à cidade. A importância da gente ocupar esse espaço é que a partir do nosso olhar, da nossa vivência ampliamos o sentido de democracia”, explica Ayres. 

A covereadora Cíntia Mendonça, em entrevista ao Portal Catarinas, destaca que a Comissão das Mulheres é importante ponte entre o povo e os poderes institucionais.  “Nosso desejo é uma dinâmica diferenciada para essa Comissão. Queremos realizar, por exemplo, audiências públicas fora da Câmara Legislativa, nos territórios, para que possamos ampliar o debate sobre políticas públicas na sociedade e fortalecer a Comissão como um lugar de conexão das mulheres com o Poder Executivo através da Casa Legislativa”, diz. 

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Ela também pontua que um dos desafios é legitimar a Comissão das Mulheres como comissão de mérito. “Todo o projeto de lei que entra na casa vai para Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde se julga a constitucionalidade, em seguida, deve ir para as comissões correlatas. Ou seja, os projetos sobre as mulheres e população LGBTQI+ devem passar pela Comissão das Mulheres para que possamos fiscalizar e emitir parecer se, de fato, eles colaboram com a defesa dos direitos humanos, com a luta feminista. No momento, precisamos trazer legitimidade para isso”, explica Mendonça. 

Ayres completa narrando que, nos últimos anos, projetos que tramitaram na Câmara não foram enviados à Comissão mesmo quando falavam diretamente da vida das mulheres. “Enquanto presidenta nesse primeiro ano da Comissão, nesta legislatura, tendo a fazer uma discussão com as companheiras para que façamos uma regulamentação sobre isso”, afirma.

Para a presidência, as vereadoras acordaram em reunião nesta quinta-feira (04) revezamento para que todas assumam o cargo durante os quatro anos de legislatura. Mendonça apontou a decisão como um salto na forma de fazer política, já que compartilhar coletivamente os cargos num espaço político hierárquico não é o esperado. 

“Já demos o exemplo de largada. Dialogamos até chegar nessa composição de revezamento na qual todas nós possamos ocupar esse espaço de poder. Somos cinco mandatos com mulheres e cinco vagas na Comissão. A Manu (referindo-se a Manu Vieira, vereadora eleita pelo NOVO) não quis ficar e entre nós quatro escolhemos uma forma mais coletiva”, pontua Mendonça. 

Em 2021, Carla Ayres e Coletiva Bem Viver (representada pelas covereadoras Cíntia Mendonça e Marina Caixeta) assumem presidência e vice-presidência da Comissão, respectivamente. Os próximos anos terão como presidência e vice, respectivamente: Pri Fernandes e Maryanne Mattos (2022),  Maryanne Mattos e Pri Fernandes (2023), Coletiva Bem Viver e Carla Ayres (2024). Ricardo José de Souza, o Diácono Ricardo (PSD), também é integrante da  Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e Igualdade de Gênero (CDDMIG). 

A covereadora Cíntia Mendonça apresentou que entre as pautas prioritárias a serem debatidas pela Mandata na Comissão estão: legalização do aborto, creche noturna, violência contra as mulheres, encarceramento feminino, e mulheres mães periféricas que sofrem cotidianamente com a morte de seus filhos jovens. Já a vereadora Carla Ayres elencou a construção do 8 de Março e do Plano Plurianual (PPA) orçamentário municipal – para garantir que haja orçamento destinado para execução de políticas públicas voltadas às mulheres. 

“Precisamos pensar ações conjuntas de diálogo com os movimentos sociais e com as estruturas da cidade, por exemplo, a Coordenadoria da Mulher e o próprio Conselho da Mulher. Além disso, nesse semestre estará em discussão o PPA – que são as prioridades orçamentárias que o prefeito encaminha para Câmara. Temos uma função de olhar para esse PPA alterando, incluindo, modificando para garantir orçamento para as políticas públicas das mulheres”, conclui Ayres. 

Todas as pautas e ações ainda serão debatidas coletivamente pela Comissão da Mulher. Nesses 302 anos de Câmara Municipal, apenas 12 candidaturas de mulheres foram eleitas. Se acrescentado as suplências, foram 18 corpos de mulheres ocupando o espaço do Legislativo em Florianópolis. As mulheres negras, indígenas e trans são ainda mais sub-representadas. Em 2021, com as covereadoras da Coletiva Bem Viver, Lívia Guilardi, Mayne Goes e Joziléia Daniza Kaingag, a Casa Legislativa municipal é ocupada por mulheres negras e indígenas. As covereadoras ainda lutam pelo reconhecimento da mandata coletiva. Nenhuma mulher trans foi eleita. 


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  • Inara Fonseca

    Jornalista, pesquisadora e educadora. Doutora (2019) e mestra (2012) em Estudos de Cultura, pela Universidade Federal de...

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