Manifestantes de várias partes do mundo saem às ruas no próximo 8 de março, sexta-feira, na Greve Internacional das Mulheres. Neste terceiro ano do 8M  — movimento que reforçou a motivação política do Dia Internacional de Luta das Mulheres  — o caráter internacionalista da greve se afirma na luta comum contra as violências machistas, econômicas e institucionais e na reivindicação da soberania dos corpos, desejos e decisões das mulheres. Ainda que haja maior participação de países da América Latina, América do Norte e Europa, há também confirmação de mobilizações na Turquia e Índia.

Verónica Gago, integrante do Ni Una Menos da Argentina e da coordenação internacional da greve, conversou com o Catarinas sobre as manifestações que vão percorrer o mundo e as pautas que nos unem diante da contraofensiva fascista em nível regional e global. No final do ano passado a feminista lançou no Brasil o livro “A Razão Neoliberal: Economias barrocas e pragmática popular”.

De acordo com a entrevistada, Marielle Franco é na atualidade o símbolo maior das lutas que mobilizam o 8M no mundo. “Neste ano também é importante recordar e pedir justiça pelo assassinato de Marielle Franco, e isso vai acontecer não somente no Brasil como em todo o mundo, e pelo assassinato de outras lideranças territoriais que foram assassinadas brutalmente por causa do seu protagonismo em lutas concretas”, afirma.

Catarinas: Você pode falar um pouco da organização da greve internacional de mulheres deste ano?
Verónica Gago:
A greve está cada vez mais intensa em alguns lugares como Argentina, Itália, Espanha, Chile, Uruguai e sabemos que também há iniciativas muito fortes no Brasil, Equador, Peru, México e neste ano muito fortes também na Alemanha. Importante dizer que se afirma o caráter internacionalista da greve feminista que vai sendo construída com um acúmulo de forças em nível global. Cada 8 de março está sendo a oportunidade e a chance de visibilizar um poder feminista nas ruas, mas é um poder que se constrói no dia a dia.

Por que mulheres do mundo param no próximo 8 de março?
Estamos reivindicando, por um lado, o direito ao aborto legal, seguro e gratuito e, por outro, estamos nos opondo à contraofensiva fascista em nível regional e global. Vemos que esta contraofensiva é militar, econômica e religiosa, é uma resposta direta ao poder feminista empregado nas ruas, nas camas, nas famílias, bairros, universidades, lugares de trabalho. Estamos dizendo basta às violências machistas, ao feminicídio: às violências machistas em todas as suas formas. Estamos dizendo basta às políticas de ajuste, de pauperização, de austeridade. Também estamos reivindicando autonomia e soberania pelos nossos corpos, sobre nossos desejos e decisões.

Como sempre o movimento feminista elabora uma agenda múltipla de demandas e, ao mesmo tempo, um horizonte de desejo e transformação dizendo que queremos mudar o todo e essa articulação entre demandas concretas e transformação radical é o que justamente dá uma novidade política importantíssima a esse movimento, a essa maré em nível global.

Verónica é integrante do Ni Una Menos da Argentina e da coordenação internacional da greve/Foto: arquivo pessoal

Quais as pautas comuns que unem os países da América Latina?
As pautas comuns tem a ver com o repúdio a políticas de governos fascistas, a ultradireita e políticas neoliberais, mas também tem a ver com o rechaço que distintas companheiras e comunidades têm feito contra os megaempreendimentos extrativos, da mineração ao petróleo e me parece que o rechaço às violências machistas é outra pauta comum. Comum também é a visibilização do trabalho historicamente não reconhecido por parte das mulheres, como o trabalho comunitário, de cuidados, de afetos e de produção de vínculos sociais, um trabalho que repõe as estruturas sociais que foram privatizadas e restringidas por parte do Estado.

Qual o aprendizado desses três anos de 8M, o que essa nomenclatura trouxe à luta das mulheres, ao dia internacional?
Nestes três anos vimos crescer um movimento mundial, um movimento que vai se complexando, vai pensando formas de articulação e que vai pensando formas de internacionalismo prático. E nesse sentido me parece importante o intercâmbio de experiências, das formas de pensar, de ressonâncias e coordenações de lutas bem diversas pelas quais vamos encontrando e sentindo forças de uma luta em relação à outra. Por exemplo, a luta das companheiras indígenas contra a criminalização da defesa de seus territórios e a luta pelo aborto legal, seguro e gratuito, a luta das trabalhadoras sindicalizadas tanto contra as reformas neoliberais como contra o interior das hierarquias patriarcais em  seus sindicatos, a luta dos estudantes, lutas de entidades dissidentes, lutas das trabalhadoras da economia informal e popular, lutas contra o racismo institucional e todas essas maneiras que vamos nos encontrando, articulando e construindo feminismos muito diversos, heterogêneos, porém com uma força comum.

Como ocorreu o diálogo, o trabalho de coordenação entre os países?
O diálogo vai se dando porque houve durante esses anos coordenações, redes e encontros de distintas vozes. Estamos em contato com companheiras de vários países da América Latina e Europa, em uma coordenação entre grupos e experiências. Ademais há um tipo de coordenação pelas redes, há diversos canais e segue sendo bem importante.

O que podemos esperar deste 8M ante o desafio de enfrentar o avanço do conservadorismo no mundo?
Podemos esperar seguir fortalecendo a resistência em cada lugar porque estamos falando de lutas situadas, arraigadas que têm capacidade justamente de responder ao avanço neoliberal fascista, e ao mesmo tempo, uma pergunta que nos fica aberta é: como cuidamos dessa força feminista que se desperta em tantos lugares e ao mesmo tempo?

Qual o desafio dos feminismos destes tempos. Como chegar a mais mulheres?
Creio que 2019 nos deixa aberta a pergunta de como vai seguir se desenvolvendo esse movimento depois de tantas greves. Como seguir cuidando de nossas forças e como ir construindo poder feminista em cada um dos lugares em que estamos, porque como sempre dizemos, essa é uma revolução que é vital, existencial, política, cultural, econômica. Esse diagnóstico sobre a complexidade das violências que implica o capitalismo e necessidade do capital de cada vez requerer mais violência para a sua acumulação, nos impõe um desafio de como seguir nos coordenando e como expressar essa acumulação de forças. Neste ano, também é importante recordar e pedir justiça pelo assassinato de Marielle Franco e isso vai acontecer não somente no Brasil como em todo o mundo, além de outras lideranças territoriais que foram assassinadas brutalmente por causa do seu protagonismo em lutas concretas. Creio que justamente o desafio que podemos destacar neste ano é como se continua construindo a greve feminista como processo político de longo prazo.

 

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