Alerta! Alerta!
Alerta quem caminha
A luta feminista pela América Latina
Que tremam, que tremam
Que tremam os machistas
a América Latina será toda feminista!

Foi esse o coro que disparam as feministas oaxaquenhas, logo após a visualização no telão suspenso ao fundo da sala onde se votava pela descriminalização do aborto no estado de Oaxaca, México. O resultado da aprovação da iniciativa que descriminaliza a prática do aborto até décima segunda semana de gestação contou com 24 votos a favor e 12 contra os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.

A emoção tomou conta do Congresso Livre e Soberano na capital da entidade federativa, com seus cartazes pintados de verde e com o punho e o pescoço coberto de pañuelos verdes, a Marea Verde triunfou na sessão ordinária na última quarta-feira (25). A aprovação da reforma Código Penal no Estado, coloca Oaxaca como o segundo lugar seguro onde a mulher pode interromper a gestação. A descriminalização da prática do aborto nos cativa enormemente e nos motiva ainda mais para as ações coletivas e autoconvocadas pelas feministas mexicanas de outros estados e de outras latitudes da América Latina previstas para este sábado, 28 de setembro, Dia de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto.

Aborto legal, seguro e gratuito: 11 anos da experiência de legalização na capital mexicana

As feministas foram cruciais para o resultado favorável da votação. Nos últimos dias, as ruas de Oaxaca deram lugar as disputas e tensões entre opositores da iniciativa. Por um lado, a defesa da vida desde a concepção por manifestantes religiosos, encabeçado pelo arcebispo Pedro Vásquez, no último sábado estiveram presentes, com seus cartazes azuis, verbalizaram: “sim a vida, não ao aborto”, além do apelo de “salvação” às feministas a favor da descriminalização.

Do outro lado, as coletivas feministas junto a apoiadorxs locais – defensores dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, marcharam em prol da vida das mulheres. Para as manifestantes a criminalização do aborto é uma falha do Estado, que a plenária agendada para esta semana seria a possibilidade de transformar esse quadro de fratura dos direitos humanos das mulheres. Já que hoje o aborto clandestino é a terceira causa de morte materna na entidade.

Além desse dado, de acordo com a Rede de Direitos Sexuais e Reprodutivos de Oaxaca são realizados por ano nove mil abortos clandestinos, dos quais 17% por jovens menores de 20 anos. E entre 2016 a 2019, 20 mulheres foram presas por realizarem um aborto e outras tantas estão respondendo ao processo penal. O tempo de reclusão previsto no Código atual que sofrerá mudanças, se estende de 6 meses a 2 anos.

No dia de ontem, momentos antes da votação o Coletivo da Cidadania de Mulheres fez um chamado axs deputadxs do Congresso. Exigiram que as representações politicas sejam “leais defensores do Estado laico, a votar a favor da interrupção legal da gestação e frear a intromissão das crenças religiosas na vida pública e política das mulheres de Oaxaca”.

Um breve histórico antecede a votação, foi em janeiro deste ano que a pauta das mulheres oaxaquenhas foi integrada a agenda pública, através da iniciativa impulsadas pelas deputadas do partido político Movimento Regeneração Nacional (Morena). Hoje as mulheres representam a maioria no Congresso local, os votos a favor da descriminalização contaram com 19 deputadas da bancada do Morena, 3 votos do Partido dos Trabalhadores e 2 votos de mulheres deputadas independentes.

Nas falas da deputada Hilda Luis que corroboraram com a proposta e aprovação da iniciativa em sessão ordinária, adverte que a descriminalização não promove o aborto, o que a reforma garante é que sua regulamentação da interrupção da gestação até a 12 semana seja feita de maneira voluntária e irrestrita com relação às causas e motivações da mulher que decide abortar. Para ela, “legalizar o aborto é reconhecer o direito pleno das mulheres”. A intencionalidade da reforma do Código Penal do estado pelas deputadas passa pelo “reconhecimento dos direitos humanos das mulheres” e pela “não criminalização da prática do aborto”.

Na voz da deputada Magaly López o favoritismo à inciativa: “Estamos a favor da maternidade livre, decidida e consciente” e fazendo menção as mortes maternas complementa “morrem por aborto as mulheres indígenas e as pobres que não podem pagar os serviços privados ou viajar a cidade (Cidade do México) e são elas julgadas, sentenciadas a morte por um sistema que considera perigoso que decidam sobre seu corpo”. Desbancando os argumentos opositores, expressados na arguição cínica da preservação da vida do feto, a deputada dispara: “podem existir razões morais, religiosas e de consciência, mas estamos no ordenamento do Estado, da ética pública e de compromisso internacionais de reduzir o número de morte das mulheres por aborto mal realizados. Não estamos dizendo que o aborto seja um método de planificação é um assunto de saúde das mulheres”.

Ontem em Oaxaca, em todo México e na América Latina presenciou-se um avanço importante para nós mulheres latinas, uma batalha que foi vencida desde os feminismos atuantes. Abriu-se um precedente importante para a luta pelo aborto legal, seguro e gratuito, não somente no contexto nacional – servindo de exemplo para as demais entidades federativas onde o aborto é criminalizado, mas também para o contexto regional, em que a Marea Verde tem se fortalecido entre todas e entre milhares de mulheres que avivam essa onda feminista.

Há poucas horas da aprovação da lei foram tuitados mais de 30 mil posts com mensagens e imagens que nos conectam virtualmente a essa onda. É na proibição, na rebeldia e no desejo de decidir sobre nossos corpos e sobre a autonomia de nossa sexualidade, que insistiremos em gritar no dia 28 de setembro “A maternidade será desejada ou não será”.

*Nicole é chilena – brasileira, atualmente vive no México, onde pesquisa temas vinculados à América Latina, gênero, feminismos e cultura política.

Nicole Ballesteros Albornoz

Nicole é feminista, latino-americana, mulher cis e migrante. Formada em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mestre em Serviço Social pela Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM). Doutoranda em Sociologia, estuda teorias feministas, luchas de mulheres e feminismos na América Latina e espacilidades.

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