O Ministério da Saúde lançou a oitava edição da Caderneta da Gestante, pela qual é possível fazer o acompanhamento da gestação, além de acessar orientações sobre o período gestacional, parto e puerpério. A nova edição foi lançada em menos de um ano depois da anterior, que estimulava práticas não recomendadas pela Organização Mundial da Saúde e que poderiam levar a violência obstétrica, como a episiotomia, corte feito na vagina durante o parto para facilitar o trabalho do médico. Já no começo da nova gestão da pasta, em 17 de janeiro, a versão da caderneta lançada em maio de 2022 foi revogada

“A oitava edição contempla mais evidências científicas e é uma versão mais integral da saúde da mulher”, avalia Melania Amorim, ginecologista obstetra que colaborou com a nova edição. A entrega aos estados da nova edição está prevista para o segundo semestre deste ano e as versões eletrônicas devem estar disponíveis aos gestores locais ainda em abril. O Ministério não informou quantas unidades da caderneta devem ser impressas para a distribuição.

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Como analisou a Anis – Instituto de Bioética em suas redes sociais, a nova caderneta é um esforço de traçar uma nova rota para a política de saúde sexual e reprodutiva no Brasil. “Que o Ministério da Saúde possa enfrentar com coragem o corporativismo médico e a anticiência, que se fortaleceram no último governo, e que a vida, saúde e dignidade das mulheres, meninas e pessoas com capacidade de gestar estejam no centro das suas decisões técnicas”, diz a organização.

Criada em 2016, em substituição ao Cartão da Gestante, a Caderneta é entregue a todas as gestantes do Brasil após iniciarem o pré-natal. “A diferença da caderneta para o cartão, é que o cartão era centrado no acompanhamento médico, enquanto a caderneta, além de trazer espaço para que os profissionais de saúde anotem as informações técnicas, também traz uma série de orientações para as gestantes, como o que esperar do parto e quais são os seus direitos”, explica a ginecologista obstetra.

Conforme Amorim, a equipe do Ministério da Saúde desenvolveu a nova edição tendo como base versões anteriores, mas incorporando novas indicações na área. “Nesta edição, para agilizar o processo de entrega desse importante material comunicativo, o foco foi na revisão da atualização do conteúdo, com fortalecimento da humanização do parto e da autonomia da gestante”, informou, em nota, o Ministério da Saúde.

Valorização das doulas

Uma das mudanças entre as edições de 2022 e 2023 é a reinclusão das doulas no documento. Versões anteriores da caderneta, como a 3ª e 4ª, citavam a existência das doulas como “mulheres preparadas para lhe dar apoio e ajudar no que for preciso”, mas a nova edição reforça o papel dessas mulheres durante o trabalho de parto.

“No seu grupo de gestantes, se ainda não discutiu esse ponto, considere a importância de ter uma doula, pessoa que não é profissional de saúde, mas garante apoio emocional e pode ajudar a parturiente a caminhar, usar métodos não farmacológicos de alívio da dor e garantir uma experiência de parto satisfatória”, sugere o documento.

A participação de doulas no momento do parto é recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “Acho importante que o Ministério da Saúde reconheça a atuação da doula, para que ela, enquanto profissional da saúde, possa transitar entre os vários ambientes que a Unidade de Saúde possuí”, afirma Marcely Carvalho, que há 15 anos atua como doula e atualmente ministra aulas em Olinda (PE).

Apesar da caderneta valorizar o papel da doula durante o parto, não há uma legislação que obrigue os hospitais a garantirem a presença da profissional. “A paciente pode ter um contrato com sua própria doula e existem alguns serviços, mas não todos, que têm doulas voluntárias”, aponta Amorim.

Carvalho defende que a participação de uma doula garante que o processo do parto seja mais tranquilo.

“Trazer uma doula para um parto domiciliar ou hospitalar faz toda a diferença, independente da escolha que a mulher faz. O importante é que a doula possa atuar no lugar do acolhimento e da tranquilidade no processo do nascimento”, aponta.

Outras atualizações

A episiotomia é citada na nova versão, em uma parte do documento que fala sobre procedimentos que não devem ser realizados de forma rotineira, mas em situações específicas. “Ao contrário do que muitos pensam, não é habitualmente necessário, não ‘protege’ o períneo nem evita problemas futuros como incontinência urinária e prolapsos”, diz trecho da caderneta. A parte do documento sobre procedimentos não rotineiros é uma das que mais sofreu mudanças entre a sexta e oitava edição.

A nova caderneta amplia os espaços para o/a parceiro/a escreverem impressões sobre os processos da gravidez, como no trecho que fala sobre os meses da gestação e o que ocorre em cada momento. A 8ª edição também destaca o trabalho da equipe multidisciplinar durante o parto. Enquanto a edição de 2022 citava que durante o trabalho de parto o atendimento seria feito por equipe de médicas/os e enfermeiras/os, a nova explica que “durante o trabalho de parto e o parto você pode ser atendida tanto por um médico quanto por uma enfermeira obstetra ou uma obstetriz”. “A assistência ao parto e nascimento de baixo risco pela enfermeira obstétrica ou obstetriz favorece um parto seguro, humanizado e prazeroso”, indica a caderneta.

Na parte sobre o parto normal, a nova edição reforça que as posições para este momento são variadas: “Você está acostumada a ver as mulheres deitadas para o parto, mas as posições de cócoras, sentada ou de joelhos são melhores para favorecer a saída do bebê: o canal de parto fica mais curto, a abertura da vagina fica maior e a circulação de oxigênio para o bebê é melhor”.

Heteronormatividade 

A capa da nova edição recebeu críticas nas redes sociais por trazer apenas um casal formado por homem e mulher, representando somente o modelo hegemônico da heteronormatividade. Em resposta ao questionamento sobre a falta de diversidade, a pasta respondeu que “um projeto gráfico com a diversidade e a riqueza dos arranjos familiares já está previsto para as próximas versões da caderneta”.

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  • Daniela Valenga

    Jornalista dedicada à promoção da igualdade de gênero para meninas e mulheres. Atuou como Visitante Voluntária no Instit...

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