Grupos reunidos na Terra Indígena Guarani Morro dos Cavalos fecharam a BR-101 durante a tarde desta quarta-feira (30); julgamento no STF foi remarcado para o mês de agosto.
Ao longo desta quarta-feira (30), ocorreram diversas mobilizações indígenas em todo o Brasil para pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) pela votação de um recurso com repercussão geral que decidirá se as terras indígenas devem ser demarcadas ou se deve ser aplicado o marco temporal. Porém, o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, que ocorreria na mesma tarde, foi remarcado para o mês de agosto, ainda sem data marcada.
Em Santa Catarina, indígenas das etnias Kaingang, Xokleng e Guarani se mobilizaram na Terra Indígena Guarani do Morro dos Cavalos, em Palhoça, na Terra Indígena Tarumã, em Araquari, e no Ponto de Cultura Goj Ty Sá, em Florianópolis, localizado no Terminal de Integração do Saco dos Limões (Tisac), onde estão alojadas famílias indígenas Kaingang, enquanto aguardam a Casa de Passagem. Atos também ocorreram durante a semana na Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, em Ibirama, no Alto Vale do Itajaí.
Durante a tarde, indígenas da Terra Indígena Guarani do Morro dos Cavalos bloquearam a rodovia BR-101 na altura da aldeia, em mobilização contra o marco temporal, tese que abre brecha para que grande parte do territórios indígenas de Santa Catarina e do Brasil possam ser revistos.
Defendido pela bancada ruralista e outros setores interessados na exploração, o marco temporal estabelece que os povos indígenas só têm direito a reivindicar terras que já estavam ocupadas em 5 de outubro de 1988, dia em que a Constituição foi promulgada.
O recurso votado no STF tratou de uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem indígenas Guarani e Kaingang.
O processo discute a definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena. O colegiado discutirá o cabimento da reintegração de posse requerida pela Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (Fatma) de área administrativamente declarada como de tradicional ocupação indígena, localizada em parte da Reserva Biológica do Sassafrás (SC).
Atualmente há 28 territórios indígenas em Santa Catarina. “É uma luta que não é fácil, mas espero que as pessoas entendam que essa luta também é delas”, afirma Ingrid Sateré Mawé, dirigente da ConLutas e representante do movimento indígena.
O julgamento, iniciado em 11 de junho no Plenário Virtual do STF, foi interrompido naquela data por um pedido de destaque do ministro Alexandre de Moraes. Na ocasião, o ministro Edson Fachin, relator do processo, divulgou seu voto contrário à determinação de um marco temporal. “A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988 (data da promulgação da Constituição), porquanto não há fundamento no estabelecimento de qualquer marco temporal”, afirmou.
De acordo com a liderança indígena Kerexu Yxapyry, do Povo Mbyá-Guarani, a decisão tomada hoje pelo STF terá repercussão geral, isto é, vai valer para todas as terras indígenas que estão com esse mesmo questionamento sobre o marco temporal. Por isso, a importância desse julgamento efetivamente ocorrer.
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“No artigo 231 da Constituição fala que são os territórios originários. Então, a gente não teme por isso. Mas todas as ações que estão dentro do Supremo se arrastam por muitos anos, até 30 anos. Agora os povos indígenas estão dizendo: ’vote, Supremo, nós queremos que vocês votem’. E aí a mobilização nacional, porque se a decisão for favorável para a questão indígena, derrubando a tese do marco legal, todos os demais processos e projetos de lei baseados nessa tese caem por terra. Então é muito importante essa votação de hoje”, avalia.
Os atos desta quarta-feira também fazem eco às mobilizações nacionais contra o Projeto de Lei 490/2007, que altera o Estatuto do Índio e estabelece o marco temporal. O PL, considerado inconstitucional, facilita o contato com povos isolados, proíbe ampliação de terras demarcadas e abre margem à abertura desses territórios a grileiros e garimpeiros para a exploração de minérios e construções de hidrelétricas. “Isso significa que todos os territórios indígenas podem sumir”, afirma Ingrid Assis.
Representantes indígenas de todos os cantos do país estão em Brasília há mais de três semanas contra o PL e a favor do julgamento de repercussão geral. O protesto também reforça o pedido de proteção aos povos Yanomami e Munduruku e a retirada de invasores.
“Esses projetos genocidas e ecocidas se utilizam da pandemia da Covid-19 como cortina de fumaça, fazendo aumentar a violência contra povos indígenas, e os conflitos em nossos territórios, inclusive entre parentes. Esses conflitos são alimentados pelo Governo com objetivo de dividir, enfraquecer e desmobilizar os nossos povos, organizações e lideranças”, escreve a Comissão Guarani de Caciques e Cacicas Guarani de Santa Catarina em manifesto decretando estado permanente de mobilização.
Todos os atos foram organizados pelas lideranças indígenas, com a pauta do Impeachment do Bolsonaro.
Falta de atuação da Funai motiva decisão da Justiça para proteção de Terra Indígena
De acordo com Kerexu, desde o início da pandemia, a Terra Indígena Morro dos Cavalos tem sido invadida e os indígenas discriminados pela mídia na tentativa de provocar retrocessos no processo de demarcação da Terra.
“Desde que começou a pandemia nós começamos a sentir algumas sutis invasões às terras indígenas. E aí, quando a gente corre para a Funai para chamar o Departamento de proteção territorial, a Funai alega que existe um decreto da vigilância sanitária determinando que não entrem dentro das terras indígenas, então eles não fazem, eles se negam, usam também muito essa questão da vigilância sanitária para agir contra os territórios indígenas”, relata Kerexu.
Esse contexto motivou ação do Ministério Público Federal, de autoria da procuradora da República Analúcia Hartmann, denunciando os ataques à comunidade indígena do Morro dos Cavalos. Entre as ameaças está a recente tentativa de desconstituição da portaria do Ministério da Justiça por meio da pressão de grupos políticos e econômicos, que também buscam a anulação da demarcação da terra indígena em ações judiciais.
A ação teve resposta nesta semana. Decisão da Justiça Federal em Santa Catarina deferiu tutela de urgência, em ação civil pública do Ministério Público Federal (MPF), determinando à União a manutenção dos efeitos da portaria do Ministério da Justiça que reconheceu a ocupação tradicional e os direitos dos indígenas Guarani sobre as terras do Morro dos Cavalos.
Também foi determinado à União e à Fundação Nacional do Índio (Funai) providências administrativas e judiciais para impedir ataques, obras, intervenções danosas e invasões na área, em toda a sua extensão (portaria do MJ), inclusive por meio da identificação e penalização de pessoas ou entidades que cometam a ação ou façam apologia ou crime de discriminação racial.
“Para nós aqui do Morro dos Cavalos, essa determinação é muito importante também nesse processo da demarcação. Porque além de exigir que a FUNAI dê o prosseguimento na demarcação da terra, ela ainda cobra que a FUNAI faça a proteção territorial, que ela proteja os indígenas das invasões, que ela proteja os indígenas de ataques, inclusive esses ataques que saem nas mídias contra os povos indígenas. Ataques verbais, discriminação, racismo”, diz Kerexu.
A Justiça também determinou à União a finalização do procedimento de demarcação, com a assinatura da homologação pelo presidente da República, no prazo máximo de 30 dias, e a consequente publicação oficial e registro.
[Editado] no dia 01/07/2021 – correção na data de remarcação do julgamento pelo STF.