Uma carta assinada por mais de 140 organizações da sociedade civil foi entregue a deputadas e deputados federais nesta semana. O documento, construído em conjunto entre as organizações, apresenta considerações, preocupações e demandas para o Congresso Nacional durante a legislatura de 2023 a 2027. Também destaca a importância das/os parlamentares atuarem na defesa dos direitos humanos.

“Queremos o compromisso deste parlamento com os direitos humanos e com a efetivação de nossos direitos econômicos, políticos, sociais, culturais e ambientais. Este parlamento precisa se comprometer, a não retroceder nas leis brasileiras e nos acordos internacionais que garantem direitos”, destaca trecho da carta.

As organizações que assinam o documento atuam em diferentes frentes, como direito das mulheres, direitos reprodutivos, raça, clima, meio ambiente, política, entre outros. A carta ressalta a importância da participação popular na tomada de decisões no Congresso. “Não há como construir a trajetória da democracia plena sem construir debates públicos efetivos e políticas públicas que garantam a participação social nos processos decisórios”, diz trecho.

Entre os temas tratados no documento, estão a defesa da democracia, a garantia do Estado laico, a responsabilização dos crimes contra a vida cometidos pelo último governo, e que esses e outros crimes não sejam anistiados.

A leitura e lançamento oficial da carta ocorreu na quarta-feira (1), no Hall da Taquigrafia da Câmara dos Deputados. A ação faz parte do Diálogos pela democracia – fortalecendo a luta pelos direitos humanos no Congresso Nacional, evento que ocorreu entre os dias 27 de fevereiro e 03 de março e reuniu organizações de todo o país. Representantes das organizações percorreram os gabinetes de parlamentares para entregarem a carta durante a semana. 

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Leitura da carta no Congresso Nacional | Crédito: Juliana Duarte.

Leia a carta na íntegra:

Carta aberta para o Congresso Nacional

Nós, organizações e movimentos da sociedade civil, abaixo-assinadas, apresentamos algumas considerações, preocupações e demandas urgentes ao Congresso Nacional legislatura 2023/27.

Somos organizações do campo da defesa dos Direitos Humanos e atuamos em diversas agendas e lutas, tais como: socioambientais, territoriais, segurança alimentar e nutricional, educação, saúde, afirmação da diversidade religiosa e cultural, mulheres, população LGBTQIA+, juventudes, população negra, quilombolas, ribeirinhos, povos originários, sem-terra, sem-teto, pessoas com deficiência, população em situação de rua, população do campo e da cidade, no combate às desigualdades, direito à comunicação e na defesa da democracia. Nossa atuação visa essencialmente a construção de um país radicalmente democrático.

Nos últimos quatro anos, sobrevivemos para resistir e resistimos para existir. Nos organizamos nos territórios para acolher o povo durante a pandemia da Covid-19. Foram tempos de terror e perversidade, pois sabemos – e a CPI da Covid comprovou – que os mais afetados pela gestão criminosa da pandemia foram as mulheres, em especial as mulheres negras, os/as profissionais da saúde, a população negra, em situação de rua, indígena e quilombola. Criamos barreiras nos territórios tradicionais para evitar a chegada do vírus e atuamos em redes de solidariedade para garantir o acesso a máscaras, materiais de higiene, remédios e comida para o povo. Trabalhamos na linha de frente pelo Auxílio Emergencial, realizamos atos inter-religiosos em memória das vítimas da Covid-19 e acolhemos a dor das famílias enlutadas. Assim, vivemos o nosso luto por mais de 695 mil mortes, a maioria evitáveis.

Na campanha eleitoral de 2022, a população negra, as juventudes, as mulheres e a população LGBTQIA+, das amplas periferias deste País, tiveram papel fundamental, tanto no enfrentamento da extrema direita, como na construção e eleição de candidaturas que expressam essas lutas, ou porque conseguiram animar a consciência social com o esperançar de um Brasil melhor. Enfrentamos a violência política com nossos corpos e a solidariedade de nossos movimentos. Verificamos, na luta, que é necessária e urgente a reforma do sistema político, visto que as alterações na legislação eleitoral têm sido realizadas para fortalecer ainda mais o poder oligárquico e econômico.

Sem menosprezar a conquista de algumas cadeiras a mais no Congresso e nas Assembleias, a representatividade de mulheres, dos negros e negras, indígenas, quilombolas e juventudes está muito aquém do desejável numa democracia. Este parlamento precisa urgentemente enfrentar o debate da sub-representação desses segmentos nos espaços de poder. Sem isso, nunca seremos uma democracia plena.

Fizemos a campanha e votamos na Frente Ampla (amplíssima) simbolizada pela candidatura Lula/Alckmin, pois sabíamos que seria a melhor opção para o Brasil. Entendemos a necessidade da construção de uma força política ampla para enfrentar os perigos do fascismo e assim assegurar um ambiente político seguro para fazermos as nossas lutas.

Na plenária que realizamos nos dias 10 e 11 de novembro de 2022, construímos o consenso de que é preciso que o novo parlamento compreenda ser a defesa da democracia um projeto, não um dado objetivo alcançado após uma eleição. Serão anos difíceis, e nós seremos a base de apoio desse projeto. Assim, consideramos que – em um processo de concertação – é fundamental demarcar o campo de negociações. Afinal, na nossa história sempre que tivemos esses processos de “concertação” os setores oligárquicos, financeiros e empresariais, com a direita e com setores fundamentalistas das igrejas, os interesses dos mais pobres, da população negra, das mulheres, da população LGBTQIA+, dos povos originários, das pessoas com deficiências e demais segmentos das classes trabalhadoras foram os primeiros a serem rifados e excluídos.

Lembramos que a retirada de direitos e a política de morte perpassa toda a nossa história. Agora basta! Queremos o compromisso deste parlamento com os direitos humanos e com a efetivação de nossos direitos econômicos, políticos, sociais, culturais e ambientais. Este parlamento precisa se comprometer, a não retroceder nas leis brasileiras e nos acordos internacionais que garantem direitos aos povos originários e às comunidades tradicionais, à população negra, às mulheres, às pessoas com deficiências, aos povos das florestas, às comunidades quilombolas e de Terreiros, às pessoas LGBTQIA+, às trabalhadoras e aos trabalhadores. Importa que assuma, também, o compromisso com o desencarceramento em massa e com a adoção de uma política de drogas mais consequente, pondo fim ao genocídio e à brutal criminalização que devasta as vidas das juventudes e das mulheres e homens negros, periféricas e empobrecidas em todo o País.

O caminho para a constituição do Estado laico e de respeito a todos os sagrados deve ser ampliado e percorrido sem privilégios nem exclusões. É preciso ter em mente que a baliza do Estado Democrático de Direito é a Constituição da República, não os textos das religiões.

Não há como construir a trajetória da democracia plena sem construir debates públicos efetivos e políticas públicas que garantam a participação social nos processos decisórios, incluindo os relacionados às finanças públicas, além de democratizar a comunicação e garantir direitos digitais a toda população. Quanto mais aberto o parlamento mais democracia temos. Por isso, impõe-se não só dar fim ao Teto de Gastos e rever as demais regras fiscais, como ainda revogar imediatamente todos os decretos e atos normativos infralegais que desvirtuam e limitam os direitos e a execução de políticas públicas de direitos. O Parlamento tem um papel fundamental nisso e por isso reivindicamos a abertura de espaços de interlocução do parlamento com a sociedade, além do que já temos. Urgente rever as práticas do parlamento durante a pandemia, inclusive a questão do acesso a casa e as votações remotas.

Ademais, urge responsabilizar todos aqueles que cometeram crimes contra a vida e a democracia nesses últimos anos de ameaças, particularmente os agentes públicos. Neste sentido não aceitamos qualquer projeto que possa anistiar quem for declarado culpado tanto pela gestão da pandemia como dos atos antidemocráticos. É necessário e urgente a desmilitarização do Estado e da política.

Não aceitaremos nenhum passo atrás nas nossas conquistas. Foram décadas de lutas, com muito sofrimento e mortes. Precisamos resgatar e construir novos direitos trabalhistas e previdenciários, bem como os meios de existência das organizações sindicais e populares. A juventude merece ter esperança no futuro, sem trabalho precarizado, sem a exaustão de empregos informais e com a garantia de uma previdência social digna e de educação de qualidade. Mulheres e homens precisam receber a mesma remuneração por igual trabalho. A saúde de todas, todes e todos deve ser garantida, por meio de medidas que incluam jornadas de trabalho decentes, investimentos no Sistema Único de Saúde e respeito aos direitos sexuais e reprodutivos. A justiça reprodutiva precisa ser uma agenda central nesta legislatura.

A democracia que queremos é inclusiva, generosa, caracterizada pela justiça social e que enfrente o racismo, patriarcado e todas as formas de opressão. Os compromissos que buscamos junto ao novo parlamento são a base para a sua construção e um aceno verdadeiro da chegada da primavera. 

Brasília, 27 de fevereiro de 2023.

Acesse aqui a lista de organizações que assinam a carta.

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