Proposição tem inspiração em projeto de autoria de Marielle Franco, ex-vereadora do Rio de Janeiro pelo PSOL
Foi sancionada a Lei 10.715/2020 que cria o Dossiê Mulher Florianopolitana, projeto que prevê a sistematização dos dados de violência contra as mulheres em um único documento que agrupe todos os casos do município. Os objetivos são facilitar a criação e a fiscalização de políticas públicas voltadas às mulheres, bem como ampliar a proteção dos direitos das mulheres através da apresentação da origem e da natureza dos casos. A Lei Mulher Florianopolitana é de autoria da vereadora suplente Carla Ayres (PT).
“A proposição do Dossiê é motivada pelo movimento social de mulheres e feministas, então, é uma percepção do mandato, mas também do sujeito político que eu sou que sempre se relacionou com essas demandas. É um misto da militância, na qual ocupação do Legislativo é parte dela”, conta Carla Ayres.
A falta de transparência, de confiabilidade e de qualificação dos dados relativos à violência contra mulher é um problema histórico apontado pelo movimento feminista no Brasil, que prejudicam uma compreensão do fenômeno da violência e, consequentemente, impedem a formulação de políticas públicas mais efetivas. Recentemente, numa investigação sobre a violência doméstica contra as mulheres durante a pandemia de Covid-19, a equipe do Portal Catarinas lidou com esses desafios como narra a reportagem “Um vírus e duas guerras: cinco mulheres sofrem violência doméstica a cada hora em SC”.
Para o Dossiê previsto na Lei, os dados serão extraídos das bases de diversas secretarias e serviços de atendimento municipais, tais como: Secretarias Municipais de Saúde, de Assistência Social, Trabalho e Renda, e de Educação; Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (CREMV); Conselhos Tutelares; Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (DPCAMI); Disques 100 e 180.
Leia mais
Após sancionada, um dos desafios é a operacionalização da Lei que fica a cargo da gestão da Prefeitura Municipal de Florianópolis. É preciso pensar como se dará a articulação dos diversos setores ligado a coleta dos dados, como se estruturará a equipe, entre outros. Outra possível dificuldade é a troca de gestão em decorrência do ano eleitoral. De acordo com Carla Ayres, segue em curso uma tentativa de construção coletiva da metodologia junto ao Executivo e aos movimentos sociais.
“Eu conversei com o Fábio Braga (PSD), que é o presidente da Câmara e que nesse aspecto da tramitação do Dossiê Mulher Florianopolitana foi muito parceiro e receptivo e fez, provavelmente, um bom trâmite para que o Gean Loureiro (DEM) sancionasse a Lei, me coloquei à disposição para construir essa metodologia conjuntamente entre o Executivo e os movimentos sociais. Na semana que vem, se não houver nenhum retorno, vamos encaminhar um ofício para Casa Civil e prefeitura, nos colocando à disposição para essa construção coletiva da metodologia, para que no início do ano que vem já possamos ter um levantamento sobre os dados de 2020”, explica.
Embora não haja uma metodologia prevista para coleta e tabulação dos dados, a Lei obriga a criação de uma codificação própria e padronizada para todas as Secretarias do Município e demais órgãos. Outra obrigação é que os dados sejam divulgados, no Diário Oficial Eletrônico do Município e no site da Prefeitura Municipal de Florianópolis, no máximo de um em um ano.
Tentativa similar de um sistema integrado de informações sobre a violência contra a mulher foi realizada, através da Lei 16.620, de autoria da ex-deputada estadual Ana Paula Lima (PT). Sancionada pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina (ALESC) há 5 anos, em 7 de maio de 2015, a Lei previa a criação de um Observatório da Violência em Santa Catarina e, infelizmente, ainda não saiu do papel.
Em junho deste ano, em ação coordenada pela deputada estadual Luciane Carminatti (PT), a Bancada Feminina da ALESC decidiu compor um grupo de trabalho para materializar o Observatório Social da Violência Contra a Mulher no Estado. Além da Bancada Feminina, devem integrar o grupo a Secretaria de Desenvolvimento Social, a Polícia Civil, o Tribunal de Justiça, o Ministério Público, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher.
De acordo com Carla Ayres, o modelo do projeto da Lei Mulher Florianopolitana tem inspiração tanto na proposição do Observatório Estadual, como de um projeto de autoria de Marielle Franco, ex-vereadora do Rio de Janeiro pelo PSOL, cujo assassinato segue sem resolução há mais de 2 anos. Apesar de inspirada na Lei do Observatório Estadual, a Municipal não apresenta obrigatoriedade de coleta de importantes pontos para análise dos dados estatísticos de violência contra a mulher, tais como: raça/etnia e classe. A Lei do Observatório Estadual obriga (tanto para as mulheres em situação de violência, quanto para seus agressores) que entre os dados coletados estejam: idade, etnia, raça, profissão e escolaridade.