Não baixaremos a cabeça. Basta de tanta arbitrariedade. Fora, Bolsonaro! Bolsonaro e seus asseclas (seguidores) não calaram a nossa voz!”, Luiza Erundina em discurso na Sessão para eleição da Mesa Diretora da Câmara

Fevereiro iniciou com a eleição na Câmara dos Deputados. Figura central, cabe ao presidente da Câmara – entre outras funções – analisar processos de impeachment e controlar a pauta de votações. Num cenário no qual mais de 60 protocolos de pedidos de impedimento contra Jair Bolsonaro (sem partido) aguardam para serem deferidos, a eleição poderia alterar os rumos do país. Uma guinada necessária frente aos mais de 14 milhões de desempregados e aos 224 mil mortos pela pandemia de Covid-19 no Brasil. Importante destacar que recentemente uma pesquisa revelou que o Governo brasileiro promoveu  estratégia institucional de propagação do vírus.

Se Rodrigo Maia (DEM) deliberadamente decidiu não analisar os pedidos de impeachment, se fazia necessário eleger uma parlamentar que o fizesse, ou seja, alguém de oposição. E a candidatura da deputada federal Luiza Erundina (PSOL) representou isso. Com slogan “Tirar Bolsonaro, salvar vidas!”, Erundina se candidatou à presidência da Câmara Federal com manifesto em favor da luta das mulheres, da população negra, LGBTQI+ e contra as políticas de austeridade. Mulher declaradamente anticapitalista, feminista e antirracista, a parlamentar tem uma longa trajetória de ações favoráveis ao povo brasileiro. 

No entanto, o candidato do presidente, o deputado federal Arthur Lira (PP), venceu a disputa no 1º turno com 302 votos – maioria absoluta. Erundina teve apenas 16 votos. Com discurso populista, ao final, Lira falou de Deus, harmonia, união, autonomia e agradeceu a bancada feminina. “Às mulheres que coordenaram, lutaram, dialogaram, trabalharam pela minha campanha”, afirmou.  Saiu ovacionado.

 Placar da votação na Câmara dos Deputados. Foto: Najara Araujo/Câmara dos Deputados.

Em seguida, fazendo resistência à candidatura de Lira, a deputada federal Luiza Erundina (PSOL) assumiu a fala na tribuna. Em poucos minutos de discurso, Erundina puxou um “Fora Bolsonaro!” e denunciou o caráter genocida do governo. “Não obstante as enormes resistências, ainda acredito ser possível despertar as consciências e tocar mentes e corações para juntos começarmos os alicerces da construção de um país justo”, disse. Não houve palmas. 

Lira, o deputado que parte majoritária do Congresso achou digno de palmas e de votos, não é apenas o “homem do Bolsonaro”, é também acusado de violência doméstica pela ex-esposa Jullyene Lins, com quem foi casado por dez anos e teve dois filhos. Em entrevista publicada pela Folha de São Paulo, ela contou que o parlamentar a agrediu fisicamente, fez ameaças para que ela mudasse um depoimento contra ele e usou seu nome como laranja para abrir uma empresa. Em outubro passado, Lins solicitou à Justiça de Alagoas medidas protetivas contra o deputado.

Além de potencial agressor, Lira também é dono de propriedades rurais; recebeu um total de R$ 257 mil em doações de empresas autuadas pelo IBAMA; votou favorável a projetos de leis ou emendas que prejudicam a sociedade brasileira, tais como: a reforma trabalhista que reduziu direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, e a PEC do Teto de Gastos que congelou orçamento do governo impedindo investimentos por 20 anos em educação, saúde, entre outros.

Alinhado à bancada ruralista e aos conservadores, a vitória de Lira é claramente um retrocesso para a maioria da população marginalizada pelo governo bolsonarista, ou seja, mulheres, negros, indígenas, pobres, trabalhadores, LGBTQI’s. Em entrevista ao Portal Catarinas, a deputada federal Talíria Petrone (PSOL) analisa que são esses os corpos que justamente mais sofrerão com as políticas públicas embasadas nas ideologias de extrema-direita e conservadora.

“Infelizmente, mais uma etapa de retrocesso está em curso. O desafio já existia antes, agora ele cresce. Pois possivelmente o que será aprovado são políticas que avançam sobre os corpos mais vulneráveis, como das mulheres e negros”, afirma Talíria. E continua: “Esses são os corpos que representam a grande maioria desprivilegiada do Brasil”. 

Documento com as pautas prioritárias. Foto: Congresso em Foco.

Dois dias após eleito (03/02), Arthur Lira se comprometeu junto ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM), com o andamento de um conjunto de pautas principais para o governo Bolsonaro que justamente confirmam os retrocessos. Entre os projetos prioritários estão: reforma tributária, privatização da Eletrobrás, mineração em terras indígenas (pautas econômicas); comercialização de armas de fogo, ensino em casa – homeschoolling (pautas de costume); reforma administrativa, licenciamento ambiental, concessões florestais (outras pautas). 

A Câmara é composta hoje por 513 parlamentares (77 mulheres e 436 homens), desses 132 ligados a partidos considerados de esquerda (PSOL, PT, PSB, PDT e PCdoB). Representando 25% dos votos, o bloco de esquerda teria força para, pelo menos, conduzir as eleições ao 2º turno. A articulação de uma Frente Ampla contra o governo Bolsonaro foi o indicativo. No entanto, o apoio deu-se a Baleia Rossi (MDB) que declaradamente afirmou que os pedidos de impedimento não eram uma bandeira de sua candidatura. 

Conciliando com o inimigo

“As campanhas de Arthur Lira e Baleia Rossi funcionam como sublegendas a serviço do governo Bolsonaro. Há pouca diferença entre eles”,  Luiza Erundina em discurso na Sessão para eleição da Mesa Diretora da Câmara

Quando o PSOL declarou que lançaria a candidatura de Erundina foi duramente criticado e acusado de sectário, inclusive por parte da esquerda que apostava na aliança da Frente Ampla. A crença era que uma conciliação com o candidato “menos pior” da direita reduziria os danos do governo Bolsonaro. Dias antes da votação, parte da direita da Frente Ampla mudou sua intenção de voto, aliando-se ao candidato de Bolsonaro, Arthur Lira.

No mesmo período, Bolsonaro liberou R$ 504 milhões para parlamentares. Segundo pesquisa da Oxford sobre o presidencialismo de coalizão, no Brasil as ações giram justamente em torno de liberação de verbas orçamentárias (budget control) e nomeações (cabinet authority). Tais fatores são lidos como prejudiciais ao país, já que enfraquecem a democracia. 

Lana de Holanda, mulher trans e travesti, comunicadora e militante, em entrevista ao Portal Catarinas aponta que a conciliação é mostrada historicamente como um erro. “A direita promoveu o golpe contra Dilma, apoiou a eleição de Bolsonaro. Não podemos ter ilusões com essa direita que é conservadora e vai preferir estar ao lado do fascismo, do que da esquerda – por mais moderada que ela seja”, alerta.

“Não podemos conciliar com quem tem um projeto de austeridade. A austeridade é racista e misógina, porque o povo é mulher e preta. Precisamos apresentar um programa popular com renda básica, vacina para todos. A saída para enfrentar o bolsonarismo não pode ser liberal”, Talíria Petrone. 

A conciliação colabora indiretamente com o genocídio de mulheres, negros, indígenas, pobres e LGBTQIs que já ocorre, conforme lembra a deputada Talíria Petrone. “Não temos problema em compor com setores amplíssimos, entretanto, apostar na conciliação com setores que têm ampliado a austeridade de forma muito contundente é um caminho equivocado. Já estamos com salário mínimo congelado, o quilo do arroz elevado, a miséria e a fome crescendo. Isso afeta diretamente o povo periférico”, pontua.

A militante Lana de Holanda ressalta que a falta de apoio à candidatura de Erundina por parte de esquerda também é uma questão de gênero. O que revela um desafio entre o discurso e a prática para incorporação das críticas feministas. “Erundina foi a única candidata de fato da esquerda e recebeu 16 votos. Para mim, demonstra que a esquerda não acredita em si mesma, principalmente quando sua possível representação é feminina”, analisa. 

Mulheres no Poder

Talíria Petrone ergue placa em homenagem a Marielle na Câmara dos Deputados. Foto: AFP.

Esta foi a terceira vez que Erundina ocupou a tribuna como candidata a presidenta da Câmara dos Deputados. Desde 1826, quando iniciou, nunca houve uma mulher na presidência da Câmara. Ao todo, foram 112 homens presidentes, a maioria brancos, conforme levantou o projeto Elas no Poder.  A deputada Talíria Petrone lembra que caso se elegesse, Erundina não seria apenas a primeira parlamentar a ocupar a cadeira, mas também uma mulher socialista, nordestina, que enfrentou a seca e a fome, e cuja trajetória na política institucional é irretocável. 

“Por mais que tenha havido um crescimento expressivo de mulheres eleitas, nós ainda temos uma lógica nos espaços de poder que desfavorece as mulheres. Não estamos nas comissões mais importantes. Dificilmente, uma mulher será presidenta da Câmara. A lógica capitalista, racista e patriarcal funda o Estado brasileiro e está enraizada nas instituições”, afirma Petrone. 

“A Câmara Federal é o retrato da visão ideológica que o Brasil tem de si mesmo. Uma representação branca, cisgênera e masculina”, Lana de Holanda. 

A subrepresentação de mulheres na Câmara é ainda mais problemática quando vista de maneira interseccional, ou seja, combinando raça/etnia, sexualidade, classe, entre outros marcadores de diferença. Como lembra a militante Lana de Holanda, a discussão ainda está voltada para a representação de mulheres cisgêneras. “A menor parte das mulheres na Câmara são negras e as pessoas trans (homens e mulheres) são ainda mais subrepresentadas. Na questão indígena, por exemplo, temos uma deputada federal que foi a primeira mulher indígena eleita no Brasil”, conclui. 


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  • Inara Fonseca

    Jornalista, pesquisadora e educadora. Doutora (2019) e mestra (2012) em Estudos de Cultura, pela Universidade Federal de...

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