A manifestação “espontânea” que estava sendo convocada há dois dias nos canais bolsonaristas (que prometiam que se houvesse gente suficiente, contaria com a presença do Bolsonaro) foi fundada na ideia de que o presidente está a ponto de sofrer um golpe e, mais uma vez, precisa ser defendido. O golpe, explicito, dessa vez não viria pela oposição de sempre, mas sim pela própria direita “soft” (leve) que tem empunhado a palavra impeachment desde a saída do Moro (Antagonista, Doria, Witzel, Janaína Paschoal, Joice Hassellman, MBL, etc), junto ao STF e à mídia, sua inimiga de sempre.

Mas, quero chamar a atenção para o caráter “espontâneo” do presidente que, desde antes de sair do planalto, acompanhado de sua filha criança, já dirigia um cinegrafista, que não se identifica durante toda a live que ele mesmo divulgou no seu perfil oficial. Temos que entender que, desde quando era deputado, Bolsonaro age para a câmera. Ele tem o costume de ser filmado em todos os atos ditos espontâneos e divulgar isso nas suas redes.

Hoje, circula pelas mãos da própria oposição o vídeo em que ele se encontra com Moro pela primeira vez na tal lanchonete, o que, diga-se, o ajuda e muito na construção do próprio discurso. O que Bolsonaro sempre fez foi jogar com a divulgação de si mesmo todo o tempo, como sujeito autêntico “flagrado” por uma câmera sempre presente (ó coincidência!).

No último domingo, como sempre, ele dirige o que vai ser filmado, abre e fecha suas falas, direcionando o câmera, indicando o que filmar e fazendo comentários narrativos sobre o filmado. Bolsonaro não fala só para os presentes, mas, principalmente, para os que o assistem pela internet. Tática antiga de quem se firmou justamente nesse ambiente virtual.

Faz o mesmo nessas cenas de “cercadinho”, no qual as pessoas presentes, quase sempre as mesmas, devem deixar tudo guardado, menos os celulares para que possam fotografar e filmar seus momentos “espontâneos”.

Ontem (3), a cena muito bem montada: ele, de mãos dadas com sua filha criança (tirando o peso que a figura de seus outros filhos criariam ali), se firmando como pai de família (a mesma alcunha que ele deu aos manifestantes), todos vestidos de azul à sua volta, convida um outro pai e suas duas outras crianças empunhando bandeiras do Brasil, todos vestidos de verde e amarelo, para que o acompanhem.

Esse pai, por vezes, empunha as bandeiras dos Estados Unidos da América e de Israel, acenando ao público neopentecostal. Por mais de uma hora, o presidente desfila com seu grupo, reafirmando sua “impaciência” com as instituições democráticas e insiste no caráter espontâneo de si mesmo e das manifestações.

Insisto, Bolsonaro sabe muito bem o que está fazendo e joga com sua imagem.

Quando achamos que estamos divulgando “flagras”, estamos justamente ampliando o alcance daquilo que ele mesmo quer divulgar. Essa foi sua plataforma de campanha quando deputado, quando candidato a presidente e tem sido agora, que se assenhora do planalto. Por vezes, ele erra a mão. Mas, na maioria das vezes, para seu público, ele acerta. E a gente o ajuda a acertar, cada vez que amplifica suas cenas, como se ele tivesse errado, assustados com sua “espontaneidade”.

*Júlia Costa é professora universitária e mestre e doutora em literatura. Atualmente, pesquisa as relações performáticas entre o dito “real” e o ficcional na literatura, no teatro e na cena política.

 

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