Ingrid Sateré-Mawé, 36 anos, professora, bióloga e liderança indígena, é candidata a vereadora em Florianópolis pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Mulher indígena, cisgênero, pansexual e portadora de fibromialgia, Ingrid se destaca por sua trajetória de luta por justiça social e pelos direitos das mulheres e da população indígena.
Ela é a quinta candidata a responder ao questionário proposto pelo Catarinas para divulgar as candidaturas comprometidas com a agenda política feminista, antirracista, LGBT inclusiva e anticapacitista em Santa Catarina. As entrevistas são publicadas diariamente por ordem de chegada. Dado o volume de respostas recebidas, vamos publicar mais de uma entrevista em determinados dias.
O questionário foi dividido em cinco eixos temáticos, abordando questões centrais para a análise das candidaturas:
- Perfil
- Apoio e financiamento
- Propostas
- Políticas públicas inclusivas e enfrentamento de discursos reacionários
- Violência política e desinformação
Acompanhe a entrevista com Ingrid
Perfil
Resuma sua trajetória de vida/militância e o que a motivou a disputar estas eleições.
Tenho 36 anos, sou bióloga, professora, mãe de três filhos e liderança indígena. Minha trajetória de vida sempre esteve ligada à luta por justiça social, direito das mulheres e sustentabilidade.
Fui a primeira mulher indígena a concorrer ao governo de Santa Catarina, em 2018. Também atuei como assessora na Câmara Municipal e no Congresso Nacional, representando os movimentos sociais. Dedico minha vida ao combate a cultura do estupro com um projeto educacional que leva a cultura da paz para alunos e professores das escolas públicas. E também o projeto diálogos indígenas, baseado na Lei Nº 11645/2008, que visa a formação de professores no tema.
O que me motivou a disputar as eleições foi ver que precisamos cada vez de mulheres indígenas neste espaço, formulando políticas públicas para nós e para quem mais precisa, combatendo a fome, a violência contra mulher e as mudanças climáticas.
Quais personalidades políticas são suas referências?
Sônia Guajajara, Marielle Franco, Erika Hilton, Adriana Guzman, Débora Pereira, Jussara Basso e Anielle Franco.
Apoio e financiamento
Você tem conseguido verba para a campanha? Quais?
Sim: apoio e recursos do partido e através de financiamento colaborativo.
Você enfrenta desafios para arrecadar os recursos necessários para sua campanha? Se sim, quais são os principais?
Sim. Sempre é um desafio fazer arrecadação em uma campanha que não aceita ser conduzida por interesses pessoais, estar em um partido de esquerda que não recebe do fundo partidário o mesmo montante que a direita e também não ter o financiamento empresarial que estas campanhas possuem. Nosso trabalho é na maior parte militante, mas nosso grupo de trabalho se empenhou em fazer formações focadas em fazer campanhas com pouco recursos.
Qual é a importância do financiamento coletivo para a viabilidade de sua candidatura?
Ainda que possamos ter acesso ao fundo, este recurso não é suficiente para todos os desafios que temos. Com o financiamento coletivo, podemos fazer com que a campanha chegue em mais locais, com mais pessoas levando nossas ideias, nossos materiais e impulsionando nossas redes sociais.
Propostas
Quais são os principais temas a serem debatidos no município e suas propostas para cada um?
Um dos principais temas hoje em Florianópolis é a questão do meio ambiente, nossa cidade precisa de políticas públicas que prevejam as mudanças climáticas e preservem nossas belezas naturais.
Temos muitos problemas com saneamento básico e tratamento de esgoto e para resolver isso propomos um sistema descentralizado de tratamento de efluentes, o que vai fazer com que possamos viver com maior qualidade de vida, com água potável disponível e com menos doenças infectocontagiosas.
Outro ponto importante é a questão da mobilidade, cada vez mais complicada na ilha e continente. Para isso propomos um cuidado maior com pedestres e ciclistas, além de alterações na frota de ônibus.
Quem forma sua base eleitoral? Quais são suas mensagens centrais? E seu slogan de campanha?
Nossa base eleitoral é composta majoritariamente por mulheres, vindas do campo feminista da cidade, que é meu meio de atuação há alguns anos. Também compõem nossa base ambientalistas da cidade, outro espaço em que atuo, relacionando a pauta indígena com os cuidados ao meio ambiente, consideramos que todos fazemos parte deste ecossistema e preservá-lo não quer dizer cuidar apenas de animais ou plantas, mas sim da nossa existência e futuro como seres humanos.
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Outra mensagem central da campanha é a questão do cuidado, que entrelaça estas outras duas pautas e fala sobre a necessidade do estado de dividir com a sociedade as funções de suporte, trabalho doméstico e atenção aqueles que mais precisam. Minha mensagem central se sintetiza no slogan: pelas mulheres, pelo clima, pelo futuro.
Tem propostas para promover a igualdade de gênero, LGBTQIA+ e racial no âmbito municipal? Se sim, quais?
Sim. Fortalecer a rede de atendimento às mulheres em situação de violência, lutando por capacitação e estrutura nas unidades de saúde, de assistência social e nos abrigos. Combater a cultura do estupro e os ataques contra meninas e mulheres. Isso inclui prevenção nas escolas e creches, além de garantir apoio adequado às vítimas.
Fomentar a formação de lideranças comunitárias femininas, através de parcerias com a sociedade civil organizada. Trabalhar pela estruturação de uma rede de acolhimento às pessoas LGBTQIAP+, garantindo acesso à saúde, educação e suporte em situações de violência.
Você tem propostas relacionadas à política do cuidado? Se sim, quais?
Sim. Ampliar o número de vagas em creches em período integral, levando em conta as necessidades dos diferentes bairros da cidade. Criar novos espaços de convivência e lazer na cidade e fortalecer os que já existem, fazendo parcerias com projetos do terceiro setor.
Fortalecer os Centros de Referência em Assistência Social (CRAS), para que consigam promover atividades voltadas para mulheres, pessoas idosas e pessoas com deficiência. Fortalecer e ampliar a atenção à saúde mental no município: garantir atendimento nas unidades básicas de saúde, melhorar a capacidade do Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e incentivar a criação de novos.
Políticas públicas inclusivas e enfrentamento de discursos reacionários
Como pretende enfrentar discursos reacionários que comprometem a equidade de gênero e racial, especialmente na educação?
Este trabalho é cotidiano e nunca para. Enquanto vereadora, pretendo seguir combatendo os discursos reacionários, assim como fiz até hoje. Vejo o espaço das redes sociais como bastante importantes para isso, através de denúncias e de dar visibilidade aos absurdos que têm sido feitos contra os nossos professores e educadores, bem como mostrar aquilo que temos feito de positivo e impactante na vida dos jovens.
Como exemplo trago aqui o acompanhamento que tenho feito a casos de professores censurados pelo governo Jorginho e também o projeto que participo de combate a cultura do estupro nas escolas.
Como avalia a participação da sociedade civil na construção de políticas públicas municipais?
Extremamente necessária. Hoje ela é muito pouca, fazemos o possível para ocupar raros espaços que a institucionalidade nos dá e muitas vezes somos expulsas até com polícia. Por isso também estou enquanto candidata, para aumentar estes espaços de participação popular e fazer com que a população seja de fato ouvida.
Sua plataforma propõe formas de ampliar a participação da sociedade civil na construção de políticas públicas? Se sim, como?
Sim. Centro de Formação de lideranças comunitárias femininas através de parcerias com a sociedade civil organizada. Propor a participação e o controle da população, em especial das mulheres, nos recursos públicos investidos nos programas sociais.
Desenvolver, nos equipamentos públicos, políticas de comunicação permanentes, divulgando as propostas da Prefeitura, principalmente os programas sociais, para que a própria população, tendo conhecimento deles, participe no controle e na fiscalização dos recursos públicos.
Qual o papel das minorias políticas na transformação dos serviços de saúde e educação municipais?
Precisamos fazer com que estas minorias políticas se vejam como são: maiorias numéricas. Mulheres, indígenas, pretas, mães, LGBTQIAPN+, somos maioria na sociedade brasileira, ainda que queiram nos dizer que não. As políticas públicas devem ser feitas para nós que mais necessitamos delas.
Quando uma política de saúde e educação são elaboradas sem a população que irá usufruir dela, tende a ser ineficaz, pois não considera o sujeito que está do outro lado. Através da participação social é que podemos pensar o que de fato nos atinge, nossas necessidades e desejos.
Violência política e desinformação
Já sofreu ataques, incluindo intimidação, durante a sua trajetória devido à sua agenda política? Em caso positivo, pode compartilhar algum caso?
Sim. Em 2018, quando fui candidata a governadora, os vizinhos bolsonaristas jogaram garrafas de vidro na minha casa, o que fez com que eu tivesse que mudar de casa e andar com segurança armada.
Também, em 2022, houve uma tentativa de invasão na minha residência por pessoas com ligação com as forças policiais, devido à minha atuação na pauta de moradia.
Nesta campanha, sofreu ataques nas redes sociais ou nas ruas? Se sim, quais?
Sim. Dentro do próprio campo de esquerda existem tentativas de deslegitimar minha atuação, vinculando-a à política de outros homens próximos a mim. Acontecem intimidações pessoais e em grupos de mensagens.
Sua candidatura tem sido alvo de desinformação? Se sim, como?
Sim. Ainda sofro com atitudes racistas por parte de sujeitos que não compreendem pessoas indígenas como racializadas e que necessitam de políticas afirmativas próprias.
Tem ações específicas para combater a desinformação? Se sim, quais?
Sim. Tenho utilizado minhas redes para explicar conceitos como o racismo de ausência, sofrido por povos indígenas ao não serem vistos e considerados enquanto sujeitos de direitos.