No próximo sábado (18), a partir das 17h, as escolas de samba do grupo especial de Florianópolis voltam à passarela do Complexo Nego Quirido. Após dois anos sem desfile, por conta da pandemia, os ingressos das arquibancadas esgotaram dias antes do evento. Os enredos das escolas destacam as histórias, culturas e tradições que formam as comunidades de Florianópolis.

“A escolha do enredo foi uma forma que a escola teve em homenagem a todos os grandes carnavais que passaram na Nego Quirido e uma mensagem que isso não pode acabar”, cita Júlio Valmir Martins, presidente da Unidos da Coloninha, que terá como tema “Passarela Nego Quirido, Palco de Eternos Carnavais!”.

Fernando Nilson Constâncio, historiador e carnavalesco da Protegidos da Princesa relata que o enredo da escola é justamente a resistência. “O enredo da escola foi escolhido porque acreditamos que esse é o momento de falar de resistência, de colorado o Morro do Mocotó em cena, trazer isso para o Carnaval e cidade de Florianópolis, mostrar que essas pessoas existem e possuem demandas que precisam ser escutadas”.

“As maiores dificuldades de organizar o Carnaval em Florianópolis são a falta de apoio da iniciativa privada e do governo do estado na maior cultura popular deste país” afirma Martins. Constâncio reforça a afirmação e aponta que os desafios para se fazer o Carnaval em Florianópolis são diários.

“Mas a gente segue na luta, com o apoio da comunidade e da prefeitura. É importante que a sociedade compreenda a escola de samba como movimento vivo que articula trabalho, emprego, renda, cultura e lazer para muitas famílias”.

“Respeita nossa arte”

Carol Carvalho, doutoranda em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), desenvolve uma pesquisa que trata da narrativa das mulheres negras a respeito das histórias e memórias do Carnaval da cidade, cuja origem, em Florianópolis, emerge no período pós-abolição da escravidão. “O modo como eles festejavam, como os corpos estavam em movimento nas ruas, já estava se desenvolvendo uma noção do que seria esse Carnaval, ele vai mudando ao longo dos anos e tem muito forte a presença negra e feminina. A maioria das escolas de samba nasce nessas comunidades”, explica Carvalho.

A historiadora descreve o Carnaval como resultado da resistência das comunidades diante da ausência de contribuição efetiva dos poderes públicos. “O Carnaval é feito e pensado a partir das comunidades. Tem essas pessoas, que pegam junto e vivem intensamente a época do Carnaval. Sem eles, não aconteceria. É a comunidade que vai articular e participar dos ensaios, da produção das fantasias, da própria composição da escola de samba, daquilo que está no papel e vai se transformando em arte, em espetáculo”, argumenta Carvalho. 

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Durante o ensaio técnico para o desfile, a Unidos da Coloninha deixa o recado: respeite o nosso carnaval! | Crédito: reprodução.

A pesquisadora destaca que todos os anos, há questionamentos e preconceitos direcionados ao festejo. “O Carnaval é questionado, atacado e não há uma compreensão da importância dessa festa e arte. Sempre precisamos colocá-lo em um lugar de resistência. Do resistir a todo momento, todos os anos. Porque há uma preparação, há um envolvimento, dentro dessa festa, dessa arte, que é o Carnaval”, ressalta.

“Pela passarela, várias pessoas passaram e passam. Tem que respeitar o samba bailado da porta-bandeira, o samba no pé da passista, o som da bateria, a energia que pulsa, o rodado da baiana. Eu trago todos esses elementos para deixar a mensagem: respeita o nosso Carnaval, respeita a nossa arte”, finaliza Carvalho.

Conheça os enredos das escolas

Jardim das Palmeiras

Com o enredo “Ribalta Josefense: O Teatro brasileiro em cena no Adolpho Mello”, a escola descreve o desfile como uma carnavalesca produção teatral. “Onde o Açor de nosso pavilhão, vai voar cintilante pela história do teatro. Em atos no formato de peças teatrais. O palco é o Theatro Adolpho Mello, onde a arte atravessa o tempo!”, diz a escola. A escola, de São José, homenageia o teatro local, Adolpho Mello, um dos mais antigos do país.

Império Vermelho e Branco

Com a temática planejada desde 2020, a escola do bairro Pantanal, vai levar a denúncia do sofrimento causado pelo garimpo ilegal nas terras indígenas à passarela, com o enredo “Urihi: A Terra Floresta Pede Socorro!”. Indígenas de Palhoça e Biguaçu participam do desfile. “E toda maldade que vai despertar. Riquezas ao olhar da ambição. Os Ianomâmis não vão se curvar. A tribo resiste a qualquer invasão”, diz trecho do samba enredo.

Acadêmicos do Sul da Ilha

A escola homenageia o time Avaí Futebol Clube, que em 2023, completa 100 anos de história. O enredo é “Na voz de um torcedor: Avaí, a Lenda de um Campeão” e o desfile terá a participação de ex-jogadores do time. “Pintando o horizonte de inspiração. Aos olhos dos meninos na imensidão. A bola era o mundo aos seus pés”, fala trecho do samba enredo em homenagem ao time.

Nação Guarani

O enredo “Massiambu – Paraíso Místico Guarani” foi idealizado a partir de conversas com caciques  e integrantes das aldeias da região do Vale do Massiambu, em Palhoça. O sol é o elemento guia do desfile, que busca valorizar a história dos povos da região, como destaca o samba enredo: “Abrem caminhos e guiam. Kuaray traz a força e energia. É a garra de um povo que ‘vale’. Paraíso, segredo e magia”.

União da Ilha

A escola da Lagoa da Conceição homenageia a banda Dazaranha, de reggae rock, fundada em 1992 em Florianópolis. O enredo “Dazaranha e seus 30 anos de trajetória, enriquecendo e enaltecendo nossa cultura” contará a história da banda a partir das letras das músicas, que trazem referência a Florianópolis. Uma delas, “Pra Ficar”, cita a própria região da escola: “Saudades dela, daquela conversa boa. No chão do boulevard, no céu no mar. Na noite da Lagoa”.

Protegidos da Princesa

Inspirada em uma música do Racionais MC’s, o enredo da escola do Morro do Mocotó é “Mil faces sobrevivem no palco da ilusão: solte a sua voz por resistência e tradição”. Ao longo do desfile, a escola irá lembrar lutas históricas do Brasil, como a Revolta da Chibata e o combate à Ditadura Militar. “Sou a voz dos que tombaram contra a opressão. Não quero censura! É tão bom falar das flores da minha canção. Adoçar a liberdade, jamais voltar a ditadura”, diz trecho do samba enredo.

Dascuia

Com o enredo “Africanidades Catarinenses”, a escola do Maciço do Morro da Cruz irá homenagear e questionar a representatividade negra no estado. “Chegou o momento de enaltecer os personagens negros que foram importantes para a história do nosso estado, afinal Santa Catarina também é negra!”, destaca a escola nas redes sociais.

Consulado

A canção Magamalabares, composta por Carlinhos Brown, que fala sobre o poder das águas ancestrais na cultura africana, será o tema da escola do Saco dos Limões. O enredo também tratará sobre o estatuto da igualdade racial, que, em 2010, incluiu o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana no currículo das escolas. 

Unidos da Coloninha

Com o enredo “Passarela Nego Quirido, Palco de Eternos Carnavais!”, a Unidos da Coloninha irá homenagear todas as escolas que já passaram pela passarela. “Palco de sonhos imortais. E nesse chão de estrelas. Roda velha baiana e benze o gongá. Na festa da raça, cultura popular”, diz trecho do samba enredo.

Embaixada Copa Lord

A história de Gentil Camilo Nascimento Filho, um dos únicos divulgadores do orocongo, instrumento de origem africana, com o aspecto de um violino, será o tema do enredo da escola do Monte Serrat. O enredo “Orocongo do Gentil” homenageia o músico, que morreu em 2009. “Mãe negra, rezei o teu canto. Pra todos os santos da velha Bahia. Mas sei que a magia deságua. Nas águas sagradas da ilha”, fala trecho do samba enredo.

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  • Daniela Valenga

    Jornalista dedicada à promoção da igualdade de gênero para meninas e mulheres. Atuou como Visitante Voluntária no Instit...

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