Domingo, 17 de maio de dois mil e vinte. Preciso dizer: está difícil. Não, não estou em uma clausura entre paredes nuas de um monastério. Pelo contrário: aqui no interior, na companhia de minha mãe, entre verdes e animais domésticos, perto de familiares e num clima bucólico, posso dizer que estou bem. Todavia, uma aflição se infiltra na minha pele, no peito que aperta, e eu sei que são saudades e vontades… ah, a liberdade de ir e vir, de entrar e sair, dançar tango, amar, sexuar, viajar, encontrar minha filha, as amigas e amigos sem o medo de que o oleoso invisível e medonho adentre nas mucosas.
A semana também não foi tranquila: minha mãe caiu e machucou o joelho, requerendo mais cuidados, e a cada dia percebo mais suas limitações, o que me dói fundo. Também estive nas lides de podas de árvores enormes perto de casa acompanhando o jardineiro Aires, e me deu uma canseira de ficar com o corpo moído. Mas choveu nessa semana – água imprescindível para o reservatório da cidade, as plantas da horta, do jardim e para as árvores, que até verdejaram, felizes. O tapete de folhas outonais está em toda parte; gosto das cores e andar nele com liberdade.
O cotidiano, se tem os ardumes das coisas que se repetem nos dá outras, às vezes inusitadas. Nunca tive animais de estimação, até porque na infância vivia rodeada deles, soltos e lépidos. Acontece que na casa da mãe tem dois gatos que me conquistaram e por onde ando se enroscam nas minhas pernas; já tropecei neles, pisei sem querer, mas eles continuam a me cercar. “Não dê tanta comida prá eles!” diz minha mãe; mas eu penso que quando miam e se enroscam estão com fome, então os alimento. Os batizei de Guevara e Tchê, e lhes falo e repito que se não atenderem pelos nomes não ganham comida – são pretos e iguais, um é macho e outra é fêmea, mas como não os distingo, chamo-os sempre pelos dois nomes – e eles já me entendem!
Tenho participado de reuniões on-line, e uma delas foi com as amigas da Confraria de Mulheres: novidades, risos, estratégias de cuidados consigo e com os outros nas preocupações com o seboso nojento, conversas sobre o sexo e sugestões de leituras, documentários, filmes, séries entre outros assuntos que só nos entendemos. Ah, as amigas, que seria de nós sem elas? Ouvindo as suas preocupações, há cerca de um mês publiquei uma crônica sobre o sexo em tempos de pandemia, ouvindo mulheres e suas experiências nas relações do cotidiano e com a sexualidade.
Desde então, fui tomada pela curiosidade sobre experiências, estratégias e táticas dos homens no quesito sexualidade na pandemia. Os amigos, os dançarinos, os amores, como estarão passando esta miséria de isolamento forçado? Por onde andará a libido, o erotismo e a imaginação? Alguns relatos me davam conta que não estava sendo fácil também para eles. Assim, resolvi fazer as mesmas questões que fiz para as mulheres, a saber: “Como você está lidando com a sexualidade nesses tempos de isolamento, medo e cuidados, tendo ou não parceira fixa? O que mudou, se mudou? Sobre o tesão, como está lidando?”
Enviei para homens com os quais senti que essa abordagem não seria vista como invasão da intimidade. Recebi vinte e duas respostas, sendo quinze de solteiros e sete de homens numa relação estável (casados), e em média com quarenta e cinco anos. A grande maioria reside em Florianópolis; outros, de outras cidades e Estados.
Não vou me deter em comparações com a enquete feita com mulheres, todavia, elas no geral reclamaram de trabalho com a casa e filhos, do estresse com os maridos e namorados em casa o tempo todo e os cuidados da família, ou seja, um cotidiano modificado e com acúmulo de atividades domésticas, e discussões por estas questões. Algumas falaram da solidão e da falta de sexo e afeto, e duas delas disseram que estavam vivendo no maior love, sem preocupações com o contágio.
Já os homens foram mais enfáticos na sexualidade e de como se resolvem. Dentre os casados, a maioria está com numa relação estável por muito tempo, e que não houve diminuição das relações sexuais. Pelo contrário, o isolamento atiça o desejo:
“Em tempos de pandemia, exercitamos sem ‘pressa de acabar o mundo’, as coisas que nos unem. Quanto ao sexo, gostamos mais do que o normal e por isso gozamos, até a perder a conta. Deve ser coisa da idade dos lobos…”, conta-me um homem.
Noutro depoimento: “Nosso sexo nunca foi morno. Sempre com carinho e muito afeto. Com a pandemia, o sexo não mudou em nada. Ele intensificou em sentidos. Fazemos sexo o dia todo. Algo mudou? Os horários. O ato propriamente acontece em qualquer horário”.
Seguindo, um depoente, casado com a mesma companheira há mais de três décadas, fala do bom relacionamento: “A qualidade de nosso sexo sempre foi muito boa. Passados mais de cinquenta dias fechados em casa, nada mudou de como era antes. Obviamente existe uma dose enorme de amor, carinho e admiração mútuas para dar prosseguimento a uma relação. O desejo e apetite sexual são determinantes”; e, cita Drumond: “o sexo não acaba, ele muda de forma”. O tesão persiste. Afinal, “sem tesão não há solução”, referência ao título da obra publicada pelo psiquiatra Roberto Freire, no fim dos anos 1980 – de fato, nestes tempos pandêmicos, continua mais atual do que nunca a expressão ‘sem tesão não há solução’.
A ansiedade interfere na sexualidade, mesmo para um homem que está num relacionamento fechado há seis anos, e ambos tomam todos os cuidados possíveis para não serem contaminados: “Em relação à vida sexual, não mudou particularmente, acredito que a frequência e a qualidade tenham permanecido as mesmas do mundo pré-pandemia”, mas que tem sentido “diminuição da libido”, referindo-se à “ansiedade gerada pela aproximação eminente do vírus, pelo descaso da população em relação às formas de contágio e pela nossa situação política catastrófica que só tende a agravar tudo. Isso tem ocupado bastante espaço na minha cabeça e tem dias que tenho que me isolar pra não surtar com a realidade.” Embora tenha atritos, “toda essa loucura nos aproximou muito como casal”. Cita ainda que: “toda essa incerteza quanto ao amanhã me tem feito ser mais afetuoso e querer aproveitar ao máximo a companhia dele”, sentindo-se privilegiado “por ter um companheiro pra navegar esses tempos tão sombrios”.
Outro depoimento conta que “Ser casado e morar junto em tempo de pandemia tem proporcionado uma experiência nova que nunca havíamos passado,” sendo “a primeira vez que passamos tanto tempo juntos. Acordar e passar 24 horas em casa ao lado do seu parceiro tem seus altos e baixos, não por conta da relação em si, mas pelas tensões do medo da pandemia, do medo em sair de casa, por ficar semanas sem ver outra pessoa presencialmente, sem poder conversar e ter interações sociais acaba abalando nossas emoções e isso impacta na pessoa que está ao nosso lado.” Disse também que “é nesse momento que o sexo se torna fundamental, é o momento em meio às angústias e preocupações que nos conectamos enquanto casal e deixamos de lado os problemas externos. Assim, a vida sexual tem até aumentado, seja pelo tempo disponível ou como uma forma de satisfação em tempos difíceis,” embora expresse que
“a rotina cotidiana” faz com que “a vida sexual entre em uma fase corriqueira que serve como necessidade fisiológica ou emocional, sem muito espaço para aumento de tesão”.
Numa outra narrativa, o depoente diz: “A sexualidade melhorou, uma vez que a correria do dia a dia diminuiu e, por estar em home office, tenho mais proximidade com minha esposa. Na verdade, a relação melhorou como um todo, inclusive com mais momentos em família. O trabalho e a ditadura do relógio faz com que muitas coisas cotidianas sejam atropeladas. Com essa ‘pausa’ a vida melhorou, inclusive em termos criativos. O tesão nunca muda, sempre firme”.
Observo que, no cotidiano em tempo de pandemia, estes homens relatam terem tesão e estarem bem com a sexualidade. São relatos do cotidiano de alguns homens dos quais eu desconhecia suas relações; só os sabia casados ou em união estável. Eles não citaram sobre trabalhos domésticos, cuidado com filhos, e outras atribuições do cotidiano da reprodução, ao que posso inferir às estruturas de gênero, que ainda cobram das mulheres estas tarefas.
Teriam eles mais tempo para o sexo? A cabeça mais leve?
Alguns teceram crônicas narrando o que lhe apraz no sexo com a parceira. Ou, porque os homens não costumam falar de si, e quando instigados, revelam-se na sua intimidade e afeto? Mas, como é certo, também tem problemas: “como sou casado faz 35 anos e tenho um parceira só, tenho que pensar bem nessa pergunta… pois já em virtude de anos de casamento, menopausa e outras coisas mais, a gente já vem diminuindo o tesão, e a quarentena tende a aumentar essa questão, por todos os outros motivos.”
A sexóloga Carla Cecarello sugere aos casais em quarentena que estabeleçam novidades no sexo, propondo novas brincadeiras na cama, bem como fazer tarefas da casa juntos, cooperar e estar disponível para reinventar-se. “A medida em que a libido se manifesta, se o casal estiver bem, sem nenhum tipo de sintoma, nenhum tipo de suspeita que possa atrapalhar a dinâmica sexual deles não há problema nenhum”, reforça, o que coaduna com alguns relatos. Todavia, ao contrário, se estiver mal em algum aspecto, o isolamento a dois pode ser catastrófico
Os solteiros ou separados/desquitados foram mais econômicos nas narrativas, em geral citando a pandemia como um tempo de “sofrimento” para aqueles que não têm uma namorada com encontros regulares. Uma parte citou que tem “parceira eventual” embora diminuiu a frequência do contato real – “Uma a cada 15 dias com a namorada ficante e, no mais, sexo virtual e muita masturbação”.
Noutra resposta, disse um dos homens: “Mas o tesão continua o mesmo! Tenho um parceiro fixo semanal. Delicia! E de vez em quando descasco a banana”. Ou, como disse outro: É uma parceira fixa a cada 15 dias, tesão baixo e o resto dos dias na punheta”. Também mostram as dificuldades: “Está difícil… nada de sexo, nada de abraços, nada de nada. Bebo para dormir e me viro assim. Às vezes gozo com uma parceira ex-namorada por telefone”, disse um deles.
E, os medos: “E quem tem tesão com esse medo de pegar o vírus? Vai saber se ela tem, se não vai me passar? E eu também posso ter, né, e não sei… Que merda isso, que tragédia, é, foderam com a gente…”
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Alguns responderam repetindo a pergunta: “O que eu faço? Assisto vídeos, coisa que eu não fazia antes, sempre saia com namoradas, casos por ai… Agora elas não querem transar, e eu entendo, né? Eu também tenho medo… Me masturbo, e vou levando…” Noutra narrativa: “Eu não consigo ficar muito tempo sem sexo. Sou médico, ainda por cima… Combino que faremos as normas de biossegurança. Cabide na entrada, entra de cueca, toma banho, pinga soro fisiológico no nariz…”. Ou ainda: Sou um homem pacato, mas gosto demais de sexo. Daí que está sofrível esta pandemia. Me viro, né? Sem namorada, me pegou assim, desprevenido… mas tem o telefone, os vídeos, o sexo virtual com amigas e ex-namoradas, também uso o Tinder e sites, e assim vai. Espero que passe logo essa coisa frustrante”.
Os homens, a partir destas narrativas, não ficam sem sexo; ou recorrem a ficantes, ex-namoradas, amigas para sexo virtual ou por telefone/áudio/vídeo. A masturbação é regular, embora alguns enfatizam que já estavam sós antes da pandemia, e continuaram na rotina. Por outro lado, alguns demonstram um cuidado de si, ciente dos riscos: “Acho que a falta de sexo é o problema mais fácil de enfrentar durante o isolamento, sei também que muitas pessoas vão usar o isolamento para justificar a falta de sexo, mas na verdade já está frustrado faz tempo. Não me preocupa esse problema neste momento, pelo menos por enquanto, né, não sei até quando vai durar isso. Mas, aos 55 anos, a gente tem uma outra preocupação, como de ser uma pessoa de risco, e, então, isso é o que mais me preocupa agora. Tenho outros interesses importantes, questões como sempre se levou nesta situação quando não se tem uma parceira, um parceiro.”
Ainda, associam a problemas com a política: “Sobre as questões relativas à sexualidade, com a quarentena, as coisas se tornaram um pouco mais complicadas, para satisfazermos nossos desejos temos que confiar que a pessoa que estamos nos relacionando está tomando todos os cuidados. Essa pandemia e a política bolsonarista nos põe tensos.” Este depoente conta que está namorando: “Estamos nos encontrando regularmente, isso tem ajudado a passar este período. Mas, diante do horror que é a política, a peste e os acontecimentos tristes da vida, o amor nos redime, o amor em tempos de cólera nos dá esperança, nos torna melhores, fortalece, e me faz confiante. E penso que sem tesão não há solução”.
Noto que dois autores importantes são novamente retomados: ao que parece, Gabriel Garcia Marques e Roberto Freire deixaram marcas importantes em gerações de sujeitos que agora os citam para darem sentido às suas experiências em tempos de reclusão, seja ela parcial ou total.
E, homens que sublimam a sexualidade com outros prazeres. “Não mudou nada para mim na sexualidade. Já estava antes sem parceira sexual nenhuma, por um bom tempo, então continuo igual… O desejo sexual acredito que não mudou com a pandemia… A resposta continua sendo o auto prazer.” Outro moço se disse totalmente resolvido e está só faz tempo: “Já há anos me dava bem e me resolvo bem com a internet, e já era autossuficiente. Gosto de contato com a mulher, adoro as mulheres…
Nos últimos anos tenho feito cursos de tango que libera serotonina; é onde tenho contatos que têm afetos e amizades. Estou tranquilo, mas claro, sempre olhando para a lua…”
Outros falam de como se adaptam: “Tenho me virado bem, surpreendo-me com minha capacidade de adaptação” com o trabalho diário intenso no jardim, as preocupações com netos e nos esportes: “Voltei a surfar e jogar tênis com restrições, o que fez muita diferença. Sexo, sim, adoro ver sexo lésbico e a masturbação é inevitável. E o tempo passa e o saldo me parece positivo. Sexo real? Só se me chamam…”
Outros filosofaram, com propriedade, como este: “A privação da liberdade é o fator mais angustiante do isolamento. Nisso se enquadra também o exercício da sexualidade que se limita à masturbação. Como essa prática é usual aos homens desde a mais tenra idade, sinto falta mesmo do sexo a dois, dos afetos. Há tempos estou sem parceira e só curtindo a solteirice. A libido está em alta. Sexo para mim é essencial. Consigo manter uma serenidade através da ginástica e meditação. Mas tem dias que a cama arde e deixo as memórias fluírem. Não sou muito adepto de pornografia, sem conotação alguma de preconceito.
Em contrapartida, a alma busca outros tesões na leitura, na escrita, no porvir de um mundo mais livre e generoso. Não vejo a hora de poder sair e encontrar pessoas, dançar, amar.”
Um dos homens fez referência aos desejos e a uma saída para a situação: “Sexo durante a quarentena não tem acontecido. Os desejos estão mais intensos, mas existe um certo pânico no ar. A masturbação é uma opção mas quando algo que é opcional, vira obrigação, quebra um pouco da vontade de fazer. Fico pensando, qual será a saída para uma situação que parece que terá uma longa duração? Os desejos continuam. Então, em plena pandemia, o sexo com a devassidão e o pecado perdeu o seu impulso, simplesmente, porque estamos preocupados com o outro e com nós mesmos. Ficam então as conversas picantes no WhatsApp, e os desejos de que quando tudo voltar ao normal, se isso ainda for possível, que possamos tornar nossa imaginação, situações reais de prazer.” Esperamos que sim, que voltem os encontros reais e prazerosos.
A imprensa em geral tem falado sobre sexo na quarentena/isolamento devido à pandemia, inclusive com dicas para sexo seguro. Alguns países tem feito protocolos, a exemplo de Nova York que distribuiu um manual com recomendações de sexo virtual e masturbação como a forma mais segura de transar durante o afastamento social. Na Argentina, órgãos governamentais recomendam, como medida de prevenção, sexo virtual e masturbação para solteiros durante pandemia. O sexo virtual aliado à masturbação está mexendo no cotidiano das relações na quarentena, readequando comportamentos. Ou seja, a preocupação com a sexualidade existe e faz sentido: sexo é vitalidade, aumenta a imunidade e a autoestima.
A prática da masturbação ou a ação de estimular os órgãos sexuais para provocar prazer, seja a si mesmo ou a um terceiro, foi transformada em pecado pelos religiosos medievais que a consideravam coisa do demônio – onanismo, segundo o mito bíblico de Onan. Nesta visão, era uma doença abominável e um mal moral, uma vez que o espermatozoide veio a ser considerado como um bebê em miniatura. Aplicavam-se castigos físicos para quem a praticasse esse pecado grave sujeito à pena de morte por conta do desperdício do esperma que só tinha a função de procriar.
Ouvi de um professor, ex-seminarista, que no seminário onde estudava havia rígida vigilância sobre os corpos dos jovens, inclusive nos banheiros, onde estava afixada uma placa com o olho e a frase “Deus tudo vê”. Das mulheres pouco se falou, já que eram educadas para ter vergonha do corpo e do sexo, consideradas frágeis e assexuadas. A medicina transformou a masturbação em patologia nos últimos séculos, ou histerias e doenças que atacavam principalmente os jovens libidinosos, os tornava impotentes e consumia seu vigor juvenil, motivo de sangrias e intervenções cirúrgicas para amornar o calor dos hormônios.
Até poucas décadas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificava a masturbação como transtorno da sexualidade; hoje, a sugere como a mais segura forma de fazer sexo. Com a pandemia da Covid-19, organizações médicas e governamentais recomendam a prática, dando-lhes outro sentido. Aliás, Maio é o mês da masturbação desde 1995. Érica Lust, diretora e produtora sueca de filmes eróticos viu o movimento de filmes adultos crescer trinta por cento:
“Isoladas, as pessoas estão procurando formas de entretenimento, e o auto prazer pode ajudar a aliviar parte das tensões que estamos vivendo com a pandemia, além de aumentar autoconfiança.”
A produtora reinventou o jeito de dirigir filmes, embora já havia mercado antes da pandemia, cresceu depois dela. A situação nova – sem bares, baladas, casas de massagem, prostíbulos, bailes, shows – revela-se de descobertas de outras formas no exercício da sexualidade, do erotismo e do desejo. A internet facilita os contatos virtuais, e a que já foi considerada vilã, a masturbação, passou a ser recomendada para manter o distanciamento e evitar contaminar-se com o oleoso grudento.
O Tinder, popular no Brasil, apresentou um aumento de usuários que interagem, embora a maioria tenha se mantido no virtual, e na imaginação. As garotas e garotos de programa têm migrado para contatos virtuais, oferecendo inclusive promoções. A ministra da goiabeira também recomendou – e nem precisava, dado que a masturbação sempre foi e continua sendo a forma mais segura, barata, satisfatória de obter orgasmos – mas ela não é religiosa? É pecado! Ora, pois.
As narrativas dos homens são muito elucidativas ao mostrar como estão enfrentando, no cotidiano, o cerceamentos da sexualidade como quase sempre o fizeram, a dois. Todavia, fica evidente que a masturbação sempre foi, e continua sendo, agora mais ainda, um lugar de buscar prazer com satisfação e imaginação: nas redes sociais, internet, sites e vídeos, dentre outras tecnologias. Se eles sentem falta dos afetos, dos encontros reais, também sentem medo do medonho invisível. Portanto, se cuidam.
A maior parte dos homens que respondeu está separado/desquitado faz tempo; é curioso que não citou um tempo de estar com os filhos ou atividades domésticas – esse foi o foco das respostas das mulheres. Os atributos de gênero para homens e para mulheres continuam sendo vivenciados, mesmo a par das sutilezas em algumas respostas. Há relatos de piadas feitas de homens para homens, como esta narrada por um depoente: “Tenho recebido de alguns amigos homens via watts mensagens dizendo que com a quarentena os homens finalmente terão que ser obrigados a “comer” a própria mulher.” Dispenso comentários.
As preocupações sobre quando vai acabar são visíveis. E se não passar? E se não passar em breve? E se não passar e se tornar endêmica? Eles desconfiam, tem receios. E eu, sofro se pensar nisso, porque estou assim, vendo a lua cheia… Sexo solitário, ou virtual, como disse um depoimento, tem uma hora que também cansa – o que era opcional agora é quase obrigação. Bem agora, que as mulheres podem fazer escolhas, são livres para amar e sexuar sem medo de ser feliz, vem esse oleoso invisível graxento e inútil quer nos colocar de volta para dentro de casa? Não mesmo!
O que parecia fácil de administrar no cotidiano, começa a ficar broxante. Cito um poema de Sandro Silva, de ontem, publicado no facebook, que me tocou:
Porta emperrou
Não fecha, nem abre
Você não sabe se entra ou se sai
Eu não sei se saio ou se fico
E ficamos aqui, entalados nessa fresta,
Engripados em nós
Nem prisão, nem liberdade
Nem desejo, nem vontade
Nem carinho, nem tesão.
Oh, poderosa Santa Rosália, nos livre da pandemia, e nos devolva os orgasmos a dois, três, pele na pele, na boca…
Marlene de Fáveri, 17/05/2020, Turvo