Quando vamos parar de observar e fazer algo efetivo?
Nos últimos dias, a imprensa tem divulgado notícias sobre as famílias que, sem condições de comprar gás de cozinha, têm preparado seu pouco alimento em fogões a lenha. Muitas vezes, há apenas um fogão improvisado queimando madeira para uma comunidade inteira.
No Jardim São Luís, área pobre de São Paulo, uma líder comunitária conseguiu cestas básicas para doar e improvisou, praticamente no meio da rua, um desses fogareiros para os vizinhos cozinharem.
Enquanto a classe média e as mais abastadas discutem e planejam seu dia em home office, há quem dispute espaço no fogão improvisado. Os mais pobres, entre os pobres, disputam mesmo é uma senha ou um espaço nas filas que doam cestas básicas ou uma marmita que vai salvar o dia e ainda ser dividida.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelaram que, entre 2016 e 2019, houve um aumento no país de 30% no uso de fogão a lenha para cozinhar. No Sudeste, região em que habitualmente esse recurso é pouco usado, nos últimos meses o aumento foi de 60%.
Esses são registros incontestáveis de que há um empobrecimento da população em ritmo acelerado, pois, acreditem, esse é um dos fatores que servem para medir esse tipo de índice.
Nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que o número de pessoas em situação de rua no Brasil cresceu 140% de 2012 a 2020, chegando a 222 mil brasileiros. Os que vivem nessas condições, em sua grande maioria, são trabalhadores informais, guardadores de carros, ambulantes, entre outros, vitimados pela pandemia. Se o levantamento fosse feito hoje, com certeza teríamos uma realidade ainda pior.
O mais difícil de tudo isso é saber que, com o coronavírus sem controle e sem a perspectiva de vacina, muitas pessoas, sem renda, sem emprego e sem condições de manterem suas casas, tiveram seu destino transferido para as ruas.
Pior ainda é saber que essas não são histórias isoladas. São exemplos reais que se repetem todos os dias no whatsapp da campanha #auxilioateofimdapandemia.
A cada mensagem que entra (e são centenas), um sobressalto. Relatos difíceis de ler e mais ainda de digerir. Mães que não têm o que oferecer aos filhos, outras que compram ossos e pelanca, partes geralmente descartadas nos açougues, para cozinhar para a família, que vendem panelas para comprar pés de galinha. Estão sem luz, sem gás, sem água, sem perspectiva, sem sonhos.
Com a única possibilidade de auxílio emergencial negada, sobra, para algumas delas, a venda do corpo em troca de alguma comida para os filhos.
E ainda há a indiferença e a lentidão do governo que finge não ouvir – ou talvez não ouça mesmo tão perdido que está ao vociferar contra tudo e todos à sua volta – a voz que vem das ruas, junto com o aumento da indigência, da fome e da miséria.
Com o gás de cozinha a R$ 100, o equivalente a 10% do salário mínimo, como sobreviver com R$ 150 oferecidos como auxílio emergencial? Ou como sobreviver se alternativas de gerar renda são cada vez mais escassas, especialmente para quem tem menos qualificação?
A sociedade precisa se mobilizar e pressionar as diversas instâncias de poder para olhar seriamente para essas diferenças que não podem mais persistir. A pandemia escancarou os abismos sociais. Então, está na hora de pensar que somente uma renda básica digna e universal será capaz de resgatar essas pessoas da pobreza absoluta, devolvendo a elas dignidade e condições de sobrevivência.
Vamos deixar o conforto do nosso home office para olhar seriamente todas as questões que nos tornam ainda um país tão desigual!