Por Joanna Burigo e Izabel Belloc*

Em  agosto deste ano foi lançado o site da campanha Ministra Negra no STF, coordenada por  múltiplas organizações dos movimentos negros da sociedade civil1 que, confiando na capacidade de escuta e compromisso com a diversidade demonstrados pelo Presidente Lula, o pedem para que nomeie uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal.

Segundo dados da PNAD Contínua 2022, o percentual da população brasileira composta por mulheres (51,1%) é superior ao de homens (48,9%), e o de pessoas negras (56%) superior ao de brancas (42,8%). Nos  215 anos de existência da Corte (contando o período anterior ao nome “STF”, em que a função e prerrogativas, inclusive a forma de indicação de Ministros, eram as mesmas), a casa teve 165 ministros homens brancos, 3 ministros homens negros, e 3 ministras mulheres brancas. A sociedade brasileira é composta por uma maioria numérica de mulheres e pessoas não brancas, mas nossa mais alta Corte Judicial caminha lenta e timidamente na direção de refletir esta realidade. 

Desde que a campanha teve início, uma série de objeções foram e continuam sendo apresentadas por muitos sujeitos e grupos, de diferentes origens e composições, exceto por um critério: raça. Evidentemente, nem todas as pessoas brancas são contrárias à nomeação de uma magistrada negra – dentre outras ações que reforçam isso constam as mais de mil assinaturas coletadas num manifesto de mulheres brancas em apoio à campanha, que foi coordenado pelas autoras deste texto. Mas as evidências também apontam para o fato de que a maioria dos que se opõem à campanha é composta por pessoas brancas. 

O machismo e o racismo são elementos estruturantes da sociedade brasileira, e a concepção de interseccionalidade, como formulada pelo feminismo negro desde o século 19 e articulada por Kimberlé Crenshaw e Patricia Hill Collins, demonstra como ações que visam combater o machismo ou o racismo, sem levar em conta as intersecções entre eles, acabam por conferir acesso a direitos e oportunidades a mulheres brancas e homens negros em detrimento de mulheres negras. Os números listados acima, e a ausência histórica de uma Ministra negra no STF, materializam este enquadramento teórico.  

“Longe de ser uma querela, a campanha por uma ministra negra progressista para o STF – ênfase em progressista, porque há conservadores de todas as etnias e identidades de gênero – está afinada com os valores defendidos pela frente super ampla que elegeu Lula, que assumiu reiterando um compromisso de governar para todo o Brasil. Mulheres pretas e pardas não podem mais ser vistas apenas como votos. Desde a campanha, Lula tem feito escolhas pragmáticas. É hora de fazer uma por princípios.”, escreveu a cientista política Dra Fhoutine Marie em Lula, queremos uma mulher negra no STF, texto publicado em 2 de outubro, na revista AzMina.

A nomeação não deve tardar, pois a aposentadoria compulsória da Ministra Rosa Weber foi em 2 de outubro, por ocasião de seu 75o aniversário. A Ministra presidiu a Corte de 22 de setembro de 2022 a 28 de setembro de 2023, e deixou voto favorável à descriminalização do aborto no julgamento da ADPF 442, ainda sem data marcada para continuar. Como apontado pela ensaísta e escritora Juliana Borges, a campanha reflete o exercício do direito justo e democrático de incidir por uma presença feminina e negra no STF, e não é preciso recuar. 

Em 30 de setembro um grupo de 25 Deputadas Federais da base aliada ao Governo, lideradas por Benedita da Silva (PT-RJ), enviou carta aberta ao Presidente Lula pedindo por uma ministra negra no STF . Érika Hilton (PSOL-SP), com a clareza mental costumeira, em seu Instagram declarou estar organizada com esta campanha por ela ser importante, por ser um movimento simbólico, bonito, de representatividade e reconhecimento da contribuição das mulheres negras na construção democrática do Brasil. “Eu sei que [a escolha] é uma competência do Presidente da República, cabe somente a ele. Respeitaremos sua decisão, até porque não tem o que fazer, nos cabe apenas respeitar. Mas não posso deixar de me somar à sociedade, aos movimentos sociais, ao dizer que, enquanto mulher negra, acho importante, significativo, e um recado: aí nós estamos falando de uma Corte poderosa, representativa do nosso País, que nunca teve naquele lugar uma mulher negra.”

Listadas abaixo estão objeções recorrentes à campanha #MinistraNegraNoSTF, e respostas embasadas pela realidade das relações raciais de poder no Brasil, visando abrir caminhos e pensamentos sobre esta questão.

1. “A bandeira identitária é estreita”

Mulheres negras são 28% da população brasileira – o maior segmento demográfico do País. O percentual da população brasileira composta por mulheres é superior ao de homens (respectivamente 51,1% e 48,9%), e o de pessoas negras (56%) superior ao de brancas (42,8%). 

A nomeação de outro homem branco cis-heteronormativo é ainda mais estreita, e exclui um número ainda maior de grandes nomes do direito Brasileiro. Gênero e raça, como mostram os dados supracitados, historicamente definiram a escolha por magistrados da casa. Os homens têm gênero. Os brancos têm raça. 

De forma geral e ampla, homens brancos não são excluídos nem marginalizados pelos critérios “gênero” e “raça”. É o contrário, como a composição do STF materializa: historicamente, entre as 171 pessoas indicadas para o cargo de Ministro do STF, há 165 cujo gênero é homem e a raça é branca, representando 96,5% das indicações.

2. “Cor não importa”

Em seu Instagram a intelectual do feminismo negro brasileiro Winnie Bueno explica que “Daltonismo racial ou racismo colorblindness é um tipo de discurso racista que mira na ideia de igualdade racial, mas acerta na manutenção da supremacia branca. Cada vez que uma pessoa diz que não vê cor, ela literalmente está dizendo que não vê pessoas negras.”

A jornalista Flávia Oliveira disse na GloboNews, em 30 de novembro de 2022, que via a eleição de Lula como resultado de um eleitorado composto por “parcelas da sociedade brasileira que jamais arredaram o pé (…) de muita lealdade, e eu diria que com muita identidade”, ela falou, complementando: “identidade nordestina, identidade feminina, identidade negra, parda, indígena”.

Oliveira avaliou ser importante reconhecer essa vitória popular, tão marcada por raça: “Sem dúvida alguma, a mensagem há de ser a de reunificação, de compreensão mútua, mas é a vitória de um campo que foi incessantemente menosprezado nos últimos anos”. 

Por outro lado, se a cor não importasse, como se explicaria o fato de que a grande maioria das pessoas ocupando cargos da magistratura são brancas, quando a maioria da população é negra? Como se explicaria o fato de que historicamente apenas 3 indicações (1,75%) para Ministro do STF das 171 totais recaíram em homens negros e nenhuma em mulheres negras, num país de 56% de população negra e sendo as mulheres negras a maior parcela populacional (28%)? Não há outra explicação a não ser a de que a cor importa, sim, e a cor branca é privilegiada nessa e em outras escolhas.

3. “A próxima pessoa ministra do STF tem que ser progressista”

A campanha também exige uma ministra progressista. Na página principal do site Ministra Negra no STF consta: “A próxima indicação para o STF será crucial para o Brasil. Não podemos aceitar mais um ministro conservador. Queremos uma ministra negra e progressista para ocupar a Corte pela primeira vez em 132 anos de história.” (Ênfase das autoras)

4. A popularidade de Lula será afetada negativamente por uma escolha “identitária”

Em 4 de outubro, o pesquisador Michael França publicou em sua coluna na Folha de São Paulo o artigo Indicação para STF afetaria popularidade de Lula?, no qual analisa a pesquisa realizada por organizações da sociedade civil sobre a possibilidade da indicada para a vaga recentemente aberta no STF ser uma mulher negra. O autor refere que “como conclusão, o estudo encontrou evidências mostrando que os brasileiros apoiam a nomeação de uma mulher negra para o Supremo e que ao fazê-la, a popularidade do próprio Lula aumentaria”.

A Coalizão Negra por Direitos, uma das organizações sociais responsáveis pela pesquisa, publicou em seu perfil no X (antigo Twitter), em 5 de outubro, alguns dos resultados do estudo, dentre os quais: “a maioria dos brasileiros apoia fortemente a nomeação de uma mulher negra para o STF, com uma média de apoio de 65,4 em uma escala de 0 a 100”; “entre aqueles que se identificam como de direita na política, a nomeação recebe um apoio considerável, atingindo 56,1. O apoio é ainda mais expressivo entre os que se identificam com a esquerda, atingindo impressionantes 78,7”; “o estudo sugere que a indicação de um homem branco para o Supremo Tribunal Federal, pode diminuir a aprovação do presidente em 4,1 pontos”; “com a nomeação de uma mulher negra, os brasileiros inclinam-se para um aumento ao apoio a Lula de 7,4 pontos”.

5. A responsabilidade não é só do Lula por haver poucas mulheres negras no poder.

De fato, não é. As organizações sociais que assinam a campanha #MinistraNegraNoSTF são formadas por agrupamentos de pessoas com tradição e experiência na organização de ações pelo aumento da participação de mulheres negras no poder institucional. Isto não é coincidência.

Os movimentos sociais, durante estes anos e como antes e depois, são parte intrínseca da construção de candidaturas progressistas e representativas das identidades marginalizadas para estar à frente de cargos públicos. A imagem de Lula subindo a rampa do Palácio do Planalto, no dia do início de seu terceiro mandato como Presidente da República, com um entorno diverso, não foi tomada pelos movimentos sociais como meramente ilustrativa.

Em vários de seus discursos como Presidente da República, ao longo dos últimos meses, Lula tem se manifestado expressamente no sentido de que é necessário enfrentar o racismo e extinguir as desigualdades a que a população negra está submetida, especialmente as mulheres negras.

Como bem citou Ìyá Sandrali Bueno, em artigo publicado no Portal Geledés, em 4 de setembro: “É hora de colocar o discurso em prática, em coerência com o que o Presidente manifestou, por exemplo, em seu discurso em 21 de março, por ocasião da cerimônia alusiva ao Dia Internacional da Luta pela Eliminação da Discriminação Racial: 

‘Esta é a hora de virarmos definitivamente a chave da discriminação, do preconceito e da exclusão. O povo negro não será tratado por este governo apenas como “público beneficiário” de políticas sociais, mas como protagonista da sua própria história.

Chega de limitar os papéis na sociedade que a população afrodescendente pode ou não ocupar. Vocês podem ser o que quiserem, como quiserem e onde quiserem. Cabe ao Estado garantir oportunidades iguais para todos e todas.

Meus amigos e minhas amigas.

A crença na capacidade de todos os homens e mulheres determinarem os rumos de seu destino é o cerne da democracia. E se algum dia não houver mais essa possibilidade, a democracia perde a razão da existência.

Muito se falou sobre democracia nesses últimos anos, em que ela esteve efetivamente ameaçada. A verdade é que nenhum país do mundo será uma verdadeira democracia enquanto a cor da pele das pessoas determinar as oportunidades que elas terão ou não ao longo da vida.

Sem cidadania plena não há democracia plena. Sem equidade de raça e gênero, tampouco haverá democracia. Direitos, oportunidades e justiça para todos e todas – essa é a verdadeira democracia.

O racismo está na raiz das desigualdades. Por isso, precisa ser combatido como uma praga na plantação. Só assim teremos colheitas cada vez mais fartas.

Pois é com a vida abundante que as pessoas conquistam aquilo que sonham. Todo mundo – não importa raça, gênero ou crença – quer apenas ser feliz. Vamos então viver juntos, felizes e em paz.’”

É o Presidente da República quem tem o poder, é função do seu cargo realizar a indicação para a composição do STF e outros órgãos que compõem a República. Neste aspecto, nos juntamos e seguimos a opinião de Ìyá Sandrali Bueno, no sentido de que nada é mais coerente do que passar do discurso e dos símbolos à prática, nomeando a primeira mulher negra Ministra do STF.

Foto: AP Photo/Eraldo Peres via g1

6. “Lula nomeou Joaquim Barbosa e olha no que deu…”

O argumento de que Lula não deveria indicar uma mulher negra ao STF, agora, porque “Lula indicou Joaquim Barbosa e olha no que deu” é um argumento racista em muitos sentidos e podemos citar pelo menos duas razões para isso:

  1. É um argumento que tenta interditar a luta histórica dos movimentos negros por um espaço legítimo, do qual a população negra é alijada também de forma histórica, utilizando a generalização de todo um grupo social, como se as pessoas que o compõem fossem todas iguais, como se não tivessem suas características individuais, personalidade própria;
  2. Esse argumento é utilizado apenas para pessoas que não se encaixam no sujeito universal, não sendo utilizado para contrapor escolhas de homens brancos para cargos ou posições de poder, quando há muitos exemplos de homens brancos que, nessa posição, não atuaram corretamente ou conforme as expectativas deste ou daquele setor da sociedade. O apontamento disso como argumento de discussão pública nunca é cogitado a cada vez que se escolhe mais um homem branco para ocupar uma posição de poder ou de destaque.

7. “Pedir publicamente para o Presidente Lula que nomeie uma ministra negra para o STF significa:

  • Constranger o presidente”: não é verdade. Em primeiro lugar, numa democracia, não é função dos movimentos sociais concordar cegamente com tudo o que o governo faz ou deixa de fazer; quanto mais autônomos forem os movimentos sociais em suas opiniões e ações, maior e melhor é a democracia, o que deveria ser de conhecimento de qualquer pessoa que se considere “progressista”. Em segundo lugar, o próprio Lula, em 22 de dezembro de 2022, às vésperas da sua posse para um terceiro mandato como Presidente da República, postou o seguinte em sua conta pessoal no X (antigo Twitter):”Não deixem de cobrar do nosso governo. Um governo não precisa de tapinhas nas costas. Precisa ser cobrado todos os dias, para aprimorarmos nossa capacidade de trabalho. Cobrem para que a gente faça. Boa noite e até amanhã”. E, em terceiro lugar, presidentes da República recebem pedidos para que se indique esta ou aquela pessoa para os mais variados cargos; o que significa que muito provavelmente todas as pessoas que compuseram os Tribunais Superiores ou chefiaram os Ministérios Públicos (uma imensa maioria de homens brancos cis-heteronormativos) foram escolhidos dessa forma, na base do lobby. Uma diferença importante entre esse lobby e a campanha #MinistraNegraNoSTF é que esta é realizada de forma pública e transparente.
  • Acusá-lo de racista ou machista”: isto tampouco é verdade. Em primeiro lugar, apontar racismo e machismo não é o mesmo que acusar alguém de ser inexoravelmente uma coisa ou outra. Em segundo lugar, quando os movimentos sociais, como movimentos negros e feminismos, apontam ações e atitudes racistas e/ou sexistas, o que se espera de pessoas que discordam do racismo e do sexismo, e acham que lutam contra, é a atitude que reflete, revisa e aprende com setores da sociedade atingidos por essas discriminações; e não a atitude da teimosia intransigente ofendida.
  • Não acreditar em sua capacidade política”: é por reconhecermos a capacidade política de Lula que agimos no nosso direito à participação democrática;
  • Golpismo”: golpismo é o que aconteceu recentemente quando corremos sérios riscos de assistir a um governo eleito democraticamente ser derrubado junto com parcela importante das instituições públicas; comparar a campanha #MinistraNegraNoSTF a golpismo, ao mesmo tempo em que tenta interditar uma ação legítima organizada pelo movimento social negro, absolutamente dentro do jogo democrático, também banaliza a própria noção de golpismo e, por consequência, os acontecimentos antidemocráticos mais recentes.

8. “A campanha é genérica e não apresenta nomes”

A campanha não impôs nomes, e apresentou três: 

Adriana Alves Cruz – Juíza Titular da 5a Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro; doutora em Direito Penal pela UERJ, mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela PUC-RJ, onde atua como professora de Direito Penal. Integra os Comitês Executivos do Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário e do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Equidade Racial no CNJ.

Lívia Sant’Anna Vaz – Promotora de Justiça, atua no Ministério Público da Bahia desde 2004. Lïvia é mestre em Direito Público pela UFBA e doutora em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa.

Soraia Mendes – Pós-doutora em Teorias Jurídicas Contemporâneas pela UFRJ, é jurista, escritora e advogada com atuação e obras reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. É também Doutora em Direito, Estado e Constituição pela UnB, Mestre em Ciência Política pela UFRGS e pós-graduada em Direitos Humanos pelo Instituto de Filosofia Berthier, e colunista no Portal Catarinas

9. “Por que não um ministre trans/indígena/PcD/LGBI+?”

A campanha #MinistraNegraNoSTF, além da legitimidade e pertinência, também tem um fator simbólico muito importante: nenhum outro grupo social chega aos quase 30% da população brasileira total, e as mulheres negras sim, o que, por si só, aponta e denuncia a injusta ausência de quase ⅓ da população na mais alta Corte de Justiça do país em que a composição sempre foi escolhida por uma avassaladora maioria de homens brancos.

É urgente o aumento da representação de sujeitos cujas identidades foram sistematicamente marginalizadas ao longo da história do País. Assim que a ministra negra for apontada, lutaremos por ainda mais ampliação da diversidade e representação, no STF, e em outras instituições, organizações e esferas.

10. “Esta é uma luta vã/uma disputa equivocada”

As lutas por justiça social nunca são em vão, nem equívocos políticos. Tampouco deveriam ser lidas como disputas, afinal tratam de reparações históricas. Basta uma pesquisa relativamente rápida para se perceber que todos, absolutamente todos os direitos de cidadania, em todas as áreas, só foram conquistados após muita luta organizada pelos movimentos sociais. Para cada artigo da Constituição Federal de 88, lei ou decreto reconhecendo e viabilizando um direito, há uma luta social prévia.

11. Ninguém pediu ministras negras para Bolsonaro ou Temer

Não, assim como também não se pediu que as indicações ao que quer que fosse, nesses períodos, recaíssem em pessoas progressistas, justamente porque nos anos Temer-Bolsonaro a interlocução entre a sociedade civil e o governo era outra – ou melhor, não existia. E, obviamente, as demandas dos movimentos sociais, qualquer deles, não só do movimentos negros, não seriam ouvidas, como efetivamente não foram. 

Nesses períodos, os movimentos sociais e a parcela mais progressista da população concentrava suas energias, primeiro, em denunciar e tentar reverter o golpe sofrido pela presidenta Dilma e, logo após, em se defender dos efeitos nefastos e, em muitos casos, até mortais dos desmandos do último período. Inclusive, é bom que se lembre, as organizações do movimentos negros não só sempre estiveram nessas lutas como, muitas vezes, as encabeçaram.

Nos anos de sua presidência, Jair Bolsonaro nomeou Nunes Marques e André Mendonça. O ex-vice-presidente Michel Temer, em seu tempo no cargo, nomeou Alexandre de Moraes.

12. “A esquerda festiva/cirandeira/identitária enfraquece o Lula”

Muitas esquerdas fizeram campanha e celebraram a eleição de Lula. A esquerda que democraticamente pede por uma ministra negra no STF para Lula o faz por saber que na democracia deve haver liberdade de expressão e o direito à escuta. 

Consensos são difíceis de encontrar. A maioria das pessoas que compõem a campanha #MinistraNegraNoSTF também foram ativas para eleger Lula. A eleição de Lula se deu apesar da ausência de diversos consensos. É um alívio poder exigir de um presidente mais do que decência mínima. A demanda por uma ministra negra no STF é justa e democrática, e o próprio presidente manifesta com frequência sua disponibilidade para acomodar os interesses da população brasileira.

As tentativas da extrema direita fundamentalista, reacionária, machista e racista de promover retrocessos no país segue firme – sabemos que o parlamento atual é profundamente conservador. Todos os embates postos desde janeiro de 2023, contra os atentados aos direitos dos brasileiros e brasileiras e à nossa democracia, têm sido notoriamente travados por mulheres. 

Destacamos a atuação das Deputadas Federais feministas e de esquerda: Célia Xakriabá (PSOL-MG), na luta contra o Marco Temporal; Sâmia Bomfim (PSOL-SP), na defesa do MST durante a CPI cuja intenção era criminalizar o maior movimento social do país; Érika Hilton (PSOL-SP), por seu PL por uma política nacional de trabalho digno à população em situação de rua, aprovado pela Câmara de Deputados; Daiana Santos (PCdoB-RS) pela solicitação de sessão plenária e comissão geral sobre políticas de combate ao trabalho análogo à escravidão; Talíria Petrone (PSOL-RJ) na defesa do direito ao casamento para pessoas LGBTI+; Fernanda Melchionna (PSOL-RS) no combate à PEC da anistia, proposta que diminui a representatividade parlamentar de gênero e raça; e da Senadora Eliziane Gama (PSD-MA), cuja atuação como relatora da CPMI dos atos de 8 de janeiro tem sido exemplar.

Não vamos desperdiçar energia desconstruindo o aviltamento contido no uso dos adjetivos “cirandeira” e “festiva” para (des)qualificar setores de esquerda. Mas vamos reiterar que: “ao usar a expressão ‘identitarismo’ de forma derrogatória e sem situar o significado do termo, o sujeito ou está agindo de má-fé ou, sem querer, revela não entender que pesquisar, estudar e desvelar e identidade é abordar as relações entre identidade e desigualdade. (…) Brandir que questões de identidade são secundárias ou que atrapalham a política é irresponsável, e objetivamente falso, visto que o corpo e o entendimento que temos das nossas identidades são centrais à experiência humana em sociedade.” (Identidades risíveis, Joanna Burigo, em Catarinas, 2022)

“Nem vou entrar na discussão sobre o conceito de confiável ser sinônimo de homem branco. Ou como essa falsa dicotomia entre o pragmatismo político e questões identitárias tende a desqualificar problemas concretos. Passamos quatro anos ouvindo que não era o momento de criticar Lula e a esquerda, porque isso ‘fortaleceria o fascismo’ e eu francamente não aguento mais explicar que o que fortalece o fascismo não é a cobrança por coerência, e sim o silêncio diante das injustiças.” (Lula, queremos uma mulher negra no STF, Fhoutine Marie, em AzMina, 2023).

***

*Izabel Belloc é advogada, mestra em Gênero e Políticas de Igualdade pela FLACSO/UY, doutoranda do Doutorado em Ciências Sociais da FLACSO/AR, e integrante da Red de Politólogas #NoSinMujeres

NOTA

1. Via Mundo Negro: Movimentos negros lançam site de campanha para pressionar Lula: “Queremos uma Ministra negra no STF”. Conforme o site da campanha Ministra Negra no STF, as organizações são: Mulheres Negras Decidem, Coalizão Negra Por Direitos, Organização Nossas, Instituto de Defesa da População Negra, Instituto de Referência Negra Peregum, Observatório da Branquitude, Utopia Negra Amapaense, Girl Up, Movimento de Advocacia Trabalhista Independente – MATI, Lamparina, Instituto Marielle Franco, movimento negro Evangélico, #aOABtáON, Defemde Rede Feminista de Juristas, Juristas Negras, Instituto da Advocacia Negra Brasileira, Perifa Connection e Geledés Instituto da Mulher Negra.

O jornalismo independente e de causa precisa do seu apoio!


Fazer uma matéria como essa exige muito tempo e dinheiro, por isso precisamos da sua contribuição para continuar oferecendo serviço de informação de acesso aberto e gratuito. Apoie o Catarinas hoje a realizar o que fazemos todos os dias!

Contribua com qualquer valor no pix [email protected]

ou

FAÇA UMA CONTRIBUIÇÃO MENSAL!

  • Joanna Burigo

    Joanna Burigo é natural de Criciúma, SC e autora de "Patriarcado Gênero Feminismo" (Editora Zouk, 2022). Formada pela PU...

Últimas