Nesse domingo (21) houve um ato convocado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em Copacabana, Zona Sul do Rio de Janeiro. Bastante gente foi. Mas bastante gente, em Copacabana, num domingo de sol, sempre tem. Botar milhões em Copacabana quem vai fazer é a Madonna, no show gratuito que apresenta lá no próximo dia 4 de maio. Mas essa é outra conversa.

Verdade seja dita, as imagens da Globo e do UOL que eu vi mostram que flopar não flopou. Tinha gente, não podemos negar essa realidade. Não se pode negar também que muita mentira foi dita em cima e ao redor do carro de som

O público presente era o de sempre: pouca diversidade, pessoal paramentado em verde e amarelo, camisas da CBF, bandeiras do Brasil de adereço, punho em riste para a selfie. É diferente das manifestações da política, que são feitas por comunidades, associações, sindicatos. Pelo movimento estudantil, movimento negro, agricultura familiar. Por coletivos feministas, quilombos, aldeias. 

As manifestações dos patriotas não parecem exatamente políticas, mas sim performance de manifestação política. Parece gente esperando por um show. Uma micareta. Um culto onde ver o líder de perto. Nesse também tinham muitas bandeiras de Israel e dos EUA, e até umas com o rosto do dono do X, Elon Musk, fazendo o L, com a legenda “Faz o Elon”, uma coisa bizarra. Patriotas brasileiros reunidos em torno de um bilionário estrangeiro e um sujeito inelegível. Medo e delírio em Copacabana.

E as mensagens, todas distorcidas. Um e outro cartaz na multidão até teve, e um deles me fez rir muito. De nervoso, mas muito. O cartaz da moça dizia assim: “Estamos de luto por nossa liberdade de expressão! Em (sic) da democracia no Brasil. 21/04/2024″. (Você pode ver aqui, aos 00:30.) A moça, com sua cartolina branca escrita à mão em canetinha preta, expressa luto pela liberdade de expressão e pela democracia, enquanto se expressa livremente na democracia. Ai, que loucura! – como diria uma das mais famosas residentes de Copacabana, Narcisa Tamborindeguy. 

O Deputado Gustavo Gayer, do PL de Goiás e autoproclamado patriota em defesa da democracia brasileira, fez seu discurso em inglês, porque na sua cabeça o ídolo estrangeiro Musk estava de olho. 

O deputado mineiro Nikolas Ferreira, que estava no ato, postou uma selfie verde e amarela em seu X, onde escreveu (assim mesmo, em inglês): “Freedom for Brazil – Rio de Janeiro. If not for 𝕏, you wouldn’t know this is happening.” (“Liberdade para o Brasil – Rio de Janeiro. Se não fosse pelo 𝕏, você não saberia que isso está acontecendo.”). 

É uma mentira ridícula, não foi somente no X que o evento apareceu. Os principais veículos de mídia e comunicação nacionais fizeram cobertura, e algumas redes bolsonaristas transmitiram em tempo real no YouTube. 

O Valdemar Costa Neto também mentiu pra plateia, dizendo “Vocês fizeram do PL o maior partido do Brasil.” Sabe qual partido continua sendo o maior do Brasil, em número de filiados? O MDB. Depois vêm, nessa ordem: o PT, o PRD, o PSDB e o PP. O PL aparece só em oitavo lugar. Isso está no site do TSE, que tem uma ferramenta de estatísticas ótima, todo santo mês eles atualizam, inclusive o número de filiados por partidos

Esse delírio, essa paranoia, esse Brasil paralelo é criado com mentiras toscas, que não resistem à verificação. 

Agora, presta atenção: mentiroso não é burro. O Costa Neto não subiu no palanque ao mesmo tempo que o Bolsonaro. Nem ele nem o General Walter Braga Netto. Sabe por quê? Porque eles sabem que não podem desrespeitar a decisão do STF, que proíbe o contato entre os investigados pela tentativa de golpe. Os três são investigados. 

Outra batelada de mentiras veio da Michelle, que foi a primeira a falar no carro de som. Todos os partidos agora falam em mulheres e política, já notou? Isso não é ruim, teve muita batalha e ainda há, por mais mulheres e mais diversidade na política. Desde a bancada do batom à renovação, a história é que estamos aumentando a participação feminina na política. E o voto feminino é maioria, né? Quase 53% do eleitorado nacional. Quando eu digo que esse povo mente, mas não é burro.

A extrema direita sabe bem que é importante falar com as mulheres, e a Michelle está lá, fazendo a frente de sujeita universal para esse discurso dentro do PL. No palanque em Copacabana ontem, para quem julga que só existe um tipo de família, um tipo de mulher, um tipo de Deus, ela disse: “Uma mulher sábia edifica sua casa. Mulheres sábias edificam a nação.” 

E, olha, mentira isso não é. É verdade que mulheres e homens e pessoas sábias edificam seu entorno. A sabedoria edifica casas, amizades, famílias, trabalho, nações.

Mas Michelle mente quando apaga a história e perverte a realidade. Ela disse estar no ato “para fazer uma política feminina e não feminista”, inflando uma polarização desnecessária. É histórico que avanços políticos e sociais para mulheres, femininas ou feministas, foram conquistados com muita luta, organização e diálogo, inclusive com homens.

Michelle falou isso uns minutinhos antes de rezar um Pai Nosso. Nem a Ave Maria, que é feminina, ela puxou. 

Outro que chegou e saiu mentindo foi o Senador Flávio Bolsonaro. Entrevistado na chegada, voltou a acusar Alexandre de Moraes de ter desequilibrado a livre concorrência nas eleições de 2022. Vamos lembrar que já foram divulgadas provas de que Bolsonaro, mesmo sabendo que não tinha fraude nenhuma, instruiu os seus ministros a disparar desinformação sobre o sistema de votação no Brasil. Além da grave ação de fiscalização de ônibus em estados do Nordeste pela Polícia Rodoviária Federal para impedir eleitores de chegarem aos locais de votação. 

Ninguém merece uma política baseada em mentiras e conflitos. O Silas Malafaia estava no ato também, para bater nas instituições. Chamou Rodrigo Pacheco (PSD-MG) de “frouxo, covarde e omisso”, chamou Alexandre de Moraes, de ditador. Nem Chefe de Estado Moraes é. Mas o pastor ecoa essa mentira de que existe no Brasil, hoje, um ditador da liberdade de expressão

Tal qual a moça da cartolina, que mentiu sobre não ter liberdade de se expressar, enquanto obviamente se expressava livremente, o pastor pregando de cima do carro de som, de camiseta amarela e verde patriota, achincalhando o Senado, o STF, o TSE, mente na cara dura ao expressar livremente que não pode se expressar livremente. 

O Bolsonaro, quando falou, foi para pedir anistia, e para mentir que é perseguido. O que ele é, é inelegível.

Em 2023 o TSE reconheceu que ele abusou do poder político e fez uso indevido dos meios de comunicação estatais, e por isso, e por maioria de votos, tornou ele inelegível. Outra coisa que o Bolsonaro é, é investigado em inquérito da Polícia Federal, sobre a tentativa de golpe do 8 de janeiro de 2023. 

Inelegível e investigado pela PF, e num palanque aberto em Copacabana, ele sugere que o Brasil está próximo de se tornar uma ditadura. Ele, o Malafaia e a moça da cartolina: todos se expressando livremente sobre a falta de liberdade de expressão de que não são vítimas. É estonteante. 

Bolsonaro ainda pediu aplausos para o Elon Musk, que aqui no Brasil está envolvido com garimpo ilegal com sua empresa Starlink, e também sendo investigado pelo compartilhamento de notícias falsas por conta de sua outra empresa, o X. E a plateia aplaudiu. 

A Índia – que está em um processo eleitoral gigantesco no qual ⅛ da população mundial (quase um bilhão de pessoas) são esperadas nas urnas – recentemente ordenou que Musk tirasse posts de conteúdo político duvidoso da sua rede antissocial, e ele obedeceu. No Brasil fica confrontando o governo porque está em conchavo com esses agitadores extremistas. E nenhum deles está para brincadeira.  

Os números de adesão aos encontros deles seguem diminuindo, no entanto. Foram cerca de 185 mil pessoas em São Paulo em fevereiro, e pouco mais de 30 mil em Copacabana ontem. A queda é significativa. Mas eles têm capilaridade nas redes, e uma eleição municipal para alimentar com imagens e discursos, e como não é difícil de ver, eles mentem.

Conseguiram convencer algumas pessoas de que expressar críticas ao governo sem apanhar, desaparecer ou morrer, não é liberdade de expressão. E é. Conseguiram também convencer algumas pessoas que a liberdade de mentir, enganar, oprimir, caluniar, insultar ou imputar às pessoas crimes que não cometeram é liberdade de expressão. E não é. 

A liberdade de enganar impunemente é uma liberdade indefensável. 

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  • Joanna Burigo

    Joanna Burigo é natural de Criciúma, SC e autora de "Patriarcado Gênero Feminismo" (Editora Zouk, 2022). Formada pela PU...

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