Sei muito bem como agir num date com um homem héterocis para que coisas aconteçam. Apesar de notar esse registro cravado em meu corpo, costumeiramente, opto por não usar meu artesanal performático. Desaprendê-lo. A sedução passiva, a provocação não explícita, a espera pela atitude dele. Ele, ocupando o palco que se abre pela retirada forçosa ou voluntária do meu conteúdo, pavoneia o que conseguir sobre virilidade, força, assertividade e poder financeiro, obstinado em remover objeções para conquistar. Um roteiro que muitos de nós repetimos tantas e tantas vezes a ponto de nos tornamos fluentes, em maior ou menor medida. Os códigos estão dados e são considerados pouco versados em encontros aqueles que não conseguem acessá-los. Não performar padrões de gênero, muitas vezes, é considerado inaptidão, não escolha.

Códigos para um atalho de gênero. Digo “atalho” porque aumentamos a velocidade ou a facilidade de chegar, os dois juntos, em algum lugar. E aonde se chega? Aos mesmos lugares. Sempre aos mesmos lugares.

No sexo, também há passo a passo. Depois, a sensação de estar fazendo coisas íntimas ao lado de uma pessoa completamente estranha, ainda quando a intenção era se conectar. Gênero pode dar atalho para algo, mas é difícil dizer que este algo é conexão, de fato. Se deixarmos de lado a muleta do gênero, com quanto de nós mesmos e do outro nos encontramos ao longo do caminho? Sem isso, quanto de nós temos que botar para jogo, material interno, para ter com o quê fazer os encontros? Nada está definido a princípio, nem como chegamos lá, nem mesmo o lugar a chegar. Podemos nos conectar de todas as maneiras conforme nossa amplitude enquanto pessoas, antes de sermos homens ou mulheres binários. 

Quando eu ainda não tinha me experimentado fora da cisheteronormatividade, notei meu total desconhecimento e estranheza em operar para além disso quando tive meus primeiros encontros com mulheres. Meu título de alta performance em dates foi por água abaixo. Não sabia o que fazer com o corpo, o que falar, quando beijar, se beijar. Não sabia o que falar de mim que pudesse causar interesse. Não saber… que bonito! O interesse pela descoberta, o desfrute em conhecer aquela pessoa, e a mim, por meio do encontro. Padrões de gênero atrapalham o clichê tão gostoso que é o encontro consigo, por meio do outro.

Estou colocando uma lupa nos primeiros encontros porque estes padrões ficam muito evidentes quando o que se conhece sobre a outra pessoa ainda é muito superficial. Conforme as relações ganham intimidade, isso vai sendo misturado com outros conteúdos e se manifestando de maneira mais complexa.

Na educação normativa de gênero, não só aprendemos a performance dos atos, mas também como amamos, com o que devemos nos importar, pelo que sofremos e quais os objetivos dos encontros amorosos. Esta educação quer encerrar em si nossa existência, e tudo o mais para além vira desvio, insignificância, desajuste. Acredito que muito de nosso desconsolo, frustrações ou a sensação de que está faltando muito nas relações amorosas seja porque, diante de um campo vasto, montados no carrinho da binariedade que o corta de fora a fora num único trilho. Geralmente, as portas do vagão estão fechadas e as janelas tapadas – não há a terceira dimensão -, passamos de raspão ou muito longe de tudo o mais que nos interessa e importa.

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  • Bárbara Li Sarti

    Autora do livro Relatos Não Mono, disponível na Amazon, escreve sobre não monogamia no Instagram @barbarali.zabele

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