Barbie ainda vai render livro – o mercado editorial não será o único a não lançar produtos correlatos ao longa na esteira de seu estrondoso sucesso, e o filme é tão bem-feito que merece um robusto corpo de análise. Assisti na companhia da minha enteada adolescente e do pai dela, e da filha de uma grande amiga, que trouxe junto a namorada, na sexta-feira 21 de julho, um dia após a estreia mundial. Durante os três finais de semana seguintes pesquisei e redigi este texto numa mistura abjeta da consciência de que participar do giro promocional é trabalhar gratuitamente para Mattel e Warner Bros, com um senso de dever feminista, de avaliar este produto cultural e fenômeno de mídia tão pujantemente centrado em gênero, poder e imagem.

Estas notas sobre Barbie não se propõem a servir como resenha do filme ou análise social da mais icônica das bonecas. O que busco fazer aqui é um levantamento de significados e significantes ao redor de um produto que – como minha brilhante amiga, cientista política, e Barbie Bad Gal Dra Fhoutine Marie apontou na Revista AZMina – tem como trunfo reforçar o entendimento de que, na vida real, homens cis brancos seguem maioria na tomada de decisões. 

O filme – um mastodonte do Camp, essa “sensibilidade que converte o sério em frívolo”, cujo “amor pelo antinatural: pelo artifício e pelo exagero” Susan Sontag capturou divinamente em Notas sobre Camp (1964) – projeta um entendimento das relações de gênero sobre Barbie, e nos coloca a brincar de feminismo com a boneca, que, Fhoutine lembra, é uma criação e não a criadora do patriarcado.

Perguntar se a Barbie é feminista se assemelha a perguntar se o Papai Noel é capitalista, ou se o monstro do Dr Frankenstein tem direitos humanos. Nos três casos a resposta é um retumbante não, afinal de contas todos são ficcionais.

Até certo ponto, são inspirados por, ou baseados em pessoas reais, mas suas existências só se dão como projeções no e do imaginário coletivo, e apenas através do nosso envolvimento com narrativas sobre os personagens que são. Podemos refletir sobre direitos e humanidade pela criatura da imaginação de Mary Shelley, ou avaliar a figura do bom velhinho em relação a economia, então por que não questionar gênero a partir da boneca? A derrocada do patriarcado surge como proposta feminista, mas é uma tarefa social e coletiva – para a qual, neste filme, a plasticidade comercial da Barbielândia foi convocada.

A vasta colagem de referências dessa narrativa pós-moderna de autoconhecimento tem muitos méritos, e outro deles é ilustrar que o que a vida quer da gente é coragem. Desde que seu mundo em cor-de-rosa começa a dar sinais de desestruturação, a jornada dos heróis de plástico aponta para efeitos nocivos do patriarcado – chamando-o pelo nome, sem pretensão (nem responsabilidade) de explicar o conceito para a audiência. Na história, Ken inclusive “omiexplica” o patriarcado para Barbie, entregando seu entendimento patético (“é sobre homens, e cavalos como extensão dos homens”) na ignorância e confiança típicas com que Kens da vida real recorrem ao mansplaining.

As Barbies de Gerwig têm consciência e passam por crises de identidade, enfrentando novas realidades que desafiam o que pensavam sobre si mesmas e o mundo, à medida em que aprendem a acolher imperfeições e vulnerabilidades. Elas lutam para se defender do patriarcado advindo do real, enquanto destroem o que foi implementado com a fugaz Kenlândia – e vale dizer que o único patriarcado que o filme desfaz é sua simulação plástica. 

Sou da primeira geração cujos brinquedos foram transformados em outros produtos culturais, e não me surpreende que o campeão de bilheteria em 2023 seja outro símbolo da infância dos anos 1980 tornado filme: Super Mario Bros, lançado em abril, que rendeu US$1,3 bilhões, e talvez Barbie logo exceda esse valor. Esta foi minha primeira experiência com Barbie na telona, mas ela ostenta um vasto repertório cinematográfico: desde Barbie Rock Star (1987) até O Mistério da Sereia Mágica (2019), a boneca já representou também princesas e plebeias, fadas e borboletas, bailarinas e agentes secretas, em contos de Natal, envolvendo cavalos, cachorros ou golfinhos, ou no espaço sideral. 

Este não é o primeiro filme sobre Barbie, nem o maior sucesso de bilheteria do pós-pandemia, mas o mar de rosa que vem lotando salas segue quebrando recordes. O Women In Film, que há 50 anos promove histórias feitas por e para mulheres, reportou em 24/07 que Barbie é o filme dirigido por uma mulher que mais vendeu ingressos no final de semana de estreia, e é o filme da Warner Bros com maior volume de compra antecipada de bilhetes. No domingo (6), menos de um mês depois do lançamento, Barbie arrecadou US$1 bilhão, fazendo de Greta Gerwig a primeira diretora solo a realizar esse feito. (Capitã Marvel, de 2019, ultrapassou essa marca e foi dirigido por Anna Boden, mas em parceria com Ryan Fleck.)

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Imagem: Warner Bros, via CNN Business

Barbie é uma peça de marketing eficaz porque entende a pós-modernidade como linguagem nativa de uma geração acostumada a se comunicar em fragmentos e referências. Os produtos culturais cada vez mais se dão por colagens encurtadas e empacotadas como memes, onde tudo é uma cópia de um recorte de outra coisa que já não é mais o que foi. (Tenho pra mim que “Simulacros e Simulação”, de Jean Baudrillard, transcende a semiótica e mais parece profecia, mas essa é outra conversa.)

Os produtores do filme apostaram no poder de venda de seu caráter referencial autoconsciente irônico, e Barbie opera como anúncio da Barbie do agora, cuja estratégia passa por aliviar um desejo atravessado pela crítica à bonequização das mulheres, satirizando a Mattel e humanizando a boneca. Isso colocaria em questão as intenções feministas do longa se ele fosse um manifesto feminista, mas ele não é: Barbie é uma comédia inteligente, cujo uso da linguagem cinematográfica conflui a vie en rose/life in plastic do brinquedo com tópicos de interesse no campo da opressão de gênero da realidade. 

O feminismo se apresenta como ativismo, articulação cívico-política, produção intelectual, mas também como negócio, comercializado como produto, ideia ou imagem, em variados graus de qualidade, sucesso e compromisso de suas proponentes com a causa. Barbie, a boneca, não marca o início da circulação de ideais feministas através de tentativas de reificação ou humanização da feminilidade enfatizada (conceito que, no meu livro Patriarcado Gênero Feminismo, explico dizer respeito às manifestações e usos da feminilidade que se organizam como adaptação ao poder dos homens, enfatizando a hegemonia da masculinidade, como parte de uma teoria geral da ordem de gênero proposta por R.W. Connell).

Barbie, o filme, tampouco inaugura o comércio feminista. O que ele faz é dar carona (no carro, no barco, no foguete e nos patins da jornada da Barbie desde seu mundinho ideal para o deserto do real) a termos e conceitos feministas.

Slavoj Žižek também fez correlação entre Barbie e Matrix, escrevendo que o primeiro faz parte de uma tendência recente “em que os heróis se aventuram entre o real e o imaginário e o imaginário e o real” e que “sem fantasias como a Barbielândia, os indivíduos simplesmente não seriam capazes de suportar o mundo real”. 

Na colisão entre o filme e a nossa vida real, Barbie serve de trampolim para articular múltiplas perspectivas, e diferentes audiências já mostraram todo tipo de interpretação – como prova ser possível a teoria de recepção do sociólogo britânico Stuart Hall, cujo modelo de comunicação contido no famoso ensaio “Codificando/Decodificando” (1973) apresenta três premissas centrais: (1) o mesmo evento pode ser codificado de mais de uma maneira; (2) a mensagem contém mais de uma leitura possível; e (3) entender a mensagem pode ser um processo problemático, independentemente de quão natural possa parecer. 

Fundamentalistas, por exemplo, concluíram que Barbie não é para crianças pequenas nem carrega valores cristãos, e acertaram na avaliação: o filme é recomendado para quem tem mais de 13 anos, e talvez a maior proximidade entre Barbie e o cristianismo seja o investimento que seus mais ardorosos defensores têm em uma figura cis e branca. A crítica de cinema Isabela Boscov, por quem eu esperava ansiosamente todas as semanas enquanto fui leitora da Revista Veja na juventude (e que é uma figura cult com a juventude do agora), elogiou muito o filme numa vídeo resenha em seu canal de YouTube intitulada “Barbie”: nem precisei de barbie-túricos

Na reportagem ‘Barbie nota mil’ o g1 ensinou como citar a boneca ou o filme na argumentação da redação do Enem para pleitear pontos na competência 2, cujos critérios de avaliação levam em conta a menção de produtos culturais relevantes para o tema proposto, considerando a cultura patriarcal no Brasil como possível temática. Em um ótimo texto publicado no Catarinas, Livia Reis comenta um ponto crucial do filme, que forma minha cena favorita, e acontece assim que Barbie e Ken brotam em Los Angeles, depois de atravessarem o portal entre mundos. De patins e looks escalafobéticos, o par cis branco revela suas primeiras impressões da realidade a partir dos olhares que recebem. Ela se incomoda com o jeito como é agressivamente sexualizada, sensação que meninas e mulheres cis, trans ou não-bináries bem conhecem; ele reporta se sentir admirado e respeitado. Nenhum dos dois poderia notar racismo, e fora a representação diversa vista no longa – que resulta, como dito na resenha afiada da professora Marina Costin Fuser na Cult, de a Mattel perceber que a diversidade é lucrativa – racismo é ponto cego nesta história sobre imagens hegemônicas.

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A Barbie empoderada também tem medo de ser estuprada

Dizer que a Barbie foi a primeira boneca adulta – e não protótipo de bebê com que as meninas podiam ensaiar a maternidade – é escolher contar a História a partir de uma perspectiva plástica e americanizada. A piscadela da Barbie na sequência inicial do filme, que faz exatamente isso enquanto imita 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), indica a autoconsciência do quão paródico ele será. A história das bonecas adultas precede o brinquedo mais famoso da Mattel, como indicam a alemã Lilli, originalmente criada como chacota misógina (e que também virou filme), ou as Abayomi, bonecas de pano feitas com muita resistência e roupas de mulheres escravizadas, para seus filhos de quem eram separadas, cujos tecidos e estampas indicavam suas regiões africanas de origem. 

Bonecas de pano, de barro, madeira ou cerâmica fazem parte do repertório cultural da humanidade, e as de plástico do século 20 foram de quem pôde pagar por elas. No Brasil, Barbie chegou em 1982, e antes dela só havia Susi, que cumpria a mesmíssima função de mocinha – e era igualmente branca. No seu Instagram, a premiada cineasta brasileira Sabrina Fidalgo atenta que a mensagem do filme, ao fim e ao cabo, tem no centro a “insistência em não largar o osso de uma supremacia branca obsoleta num mundo onde a branquitude ainda tenta segurar na unha o protagonismo em TODAS as narrativas”

A música ‘Pink’, de Lizzo, molda o filme e continua a entregar sua veia cômica para a plateia na apresentação da Barbielândia. Greta Gerwig disse para a IndieWire que a cantautora fez a divertida letra – que reporta a transição da ilusão da vida perfeita para o despertar no caos da realidade, e dá som à sequência em que Barbie literalmente coloca os pés no chão – em plena compreensão do caráter satírico e autoconsciente do filme. Em entrevistas, Gerwig também revelou alguns dos clássicos que a inspiraram, e é evidente a influência de musicais – vide a jornada fantástica de O Mágico de Oz (1939), ou a sequência “Think Pink” de Funny Face (1957), em que Fred Astaire e Audrey Hepburn formam par romântico em Paris – ele 30 anos mais velho do que ela, o que para mim foi o ponto mais notório do filme, que achei chatíssimo quando assisti ainda jovem. 

Ao saber que Ryan Gosling faria o Ken, inicialmente também o achei muito velho e torci o nariz para a decisão – Hollywood é o habitat natural de Leo di Caprio, afinal, e desde sempre não somente naturalizou, mas glamourizou as relações de poder e sexo entre homens muito mais velhos do que as mulheres muito jovens que eles abusam namoram.

Margot Robbie é dez anos mais nova que Ryan, e o passado do galã feio na Disney (como contemporâneo de Britney Spears, Christina Aguilera e o outro galã feio igualmente talentoso, Justin Timberlake) o embalou até esta, que é sua mais notória atuação. A Kenergia que Gosling emana é pura perfeição Camp, este “modo de esteticismo que propõe uma visão cômica… uma maneira de ver o mundo como um fenômeno estético não pela beleza, mas pelo grau de artifício e estilização… cuja marca registrada é o espírito de extravagância”, como postula Susan Sontag. 

O arco de Ken, a trilha escolhida para seus números musicais, e suas referências estéticas bebem em várias taças de masculinidade hegemônica ao longo dos tempos. O Ken de Gosling além de ter “Praia” como emprego, é um amálgama de surfista cowboy com estrela pop, que delira na mesma vibração da sequência de sonho de Cantando na Chuva (1952), reflete o gingado de John Travolta em Embalos de Sábado à Noite (1977) e Grease: nos tempos da Brilhantina (1978), ostenta a musculatura e a cafonice de Sylvester Stallone em Rocky: o Lutador (1976) e Rambo (vários ao longo dos anos 1980), e troca high-fives no vôlei de praia espelhando a camaradagem de Maverick e Goose no clássico filme de hominho Top Gun (1986). Como Ken, estas cenas existem para expor o inconsciente homoerótico machista com paródia. O ridículo do Ken – aliás, dos Kens – tem utilidade na vida real: se um homem não dá conta de ser comparado a eles, é provável que não dê conta do próprio ridículo.  

Por falar em ridículo, é uma pena que o hit de 1997 da banda dinamarquesa Aqua, “Barbie Girl” – que sempre entendi ser uma crítica à ridícula expectativa pela bonequização de mulheres adultas – aparece apenas como sample na música dos créditos, assinada por Nicki Minaj e Ice Spice. Compõem a trilha junto com Ken, digo, Ryan Gosling: Billie Eilish, Mark Ronson, Charli XCX, Karol G, HAIM, e Dua Lipa, que também atua como as Barbies Sereias, e cuja canção “Dance the Night” aparece numa das cenas mais repetidas durante o período promocional anterior à estreia do filme, na qual a boneca aparece em coreografia ensaiada com outras Barbies e pergunta se elas pensam na morte.

A Variety reportou que pouco mais de uma semana depois do lançamento, numa live em seu Instagram, o aclamado cineasta americano Francis Ford Coppola qualificou o sucesso de bilheteria de Barbie (e Oppenheimer, que famosamente estreou no mesmo dia, e deveria nos fazer pensar em quem, de fato, promove a morte) como uma “vitória do Cinema”, pois ambos estão enchendo salas sem serem sequências ou prequelas de nenhuma franquia. No mesmo dia, em seu Instagram, a primatologista britânica Jane Goodall postou uma foto sua com a Barbie que inspirou, legendando a imagem tanto com o jargão promocional do filme (“esta Barbie acredita que cada indivíduo pode fazer a diferença todos os dias”) quanto com um texto de orgulho, pela parceria entre o instituto que leva seu nome e a Mattel, por criarem Barbies de plástico reciclado retirado dos oceanos. 

A ativista paquistanesa pela educação das mulheres Malala Yousafzai foi ao cinema com o conge Asser Malik – com quem entrou na ubíqua caixa da boneca feita sob medida para salas de cinema e redes sociais – também usando o jargão que, no seu caso, é literal: “Esta Barbie tem um Prêmio Nobel. Ele é apenas Ken”. Justin Trudeau e seu filho foram ao cinema juntos e usando blusas cor-de-rosa, e o primeiro-ministro do Canadá avisou que ambos são #timeBarbie. Muitos homens ridículos, no Brasil e no mundo, tiveram ataques histéricos curiosamente semelhantes às performances dos Kens do Kentriarcado – e estão sendo zoados por sujeitos de todas as inclinações. Mais um mérito de Barbie

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Ailton Mesquita, autor dos repentes da página Um repente por dia

O filme é repleto de papéis secundários essenciais, preenchidos por um elenco estelar de atores coadjuvantes. Will Ferrell faz o que parece ser o milésimo Will Ferrell de sua carreira. O monólogo de Gloria – a adulta cuja consciência desperta a protagonista – foi esculpido por America Ferrera para entregar o ápice emocional da história, embalando a redenção de Barbie ao mesmo tempo em que escancara seu entendimento de que não é verdade que graças a ela “todos os problemas do feminismo foram resolvidos”. Sasha, a filha de Gloria interpretada por Ariana Greenblatt e representante da Geração Z, chama Barbie de fascista numa cena em que ela e suas colegas de escola se parecem muito com as bonecas concorrentes Bratz – e me pergunto: será que Greta sabia que esse é também o nome da filha da Xuxa? 

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Sasha (Ariana Greenblatt) e colegas de escola: alusão às Bratz? (Imagem: divulgação)

Diretamente do elenco da ótima Sex Education (Netflix, 2019-2023) vieram Emma Mackey, como a Barbie vencedora do Nobel de Física, Connor Swindells, como um dos atrapalhados homens cis brancos de terno que trabalham para Mattel, e Ncuti Gatwa (o próximo Dr Who), como o mais belo dos Kens. A Barbie médica é interpretada pela atriz trans Hari Nef, e em mais uma decisão esperta de Gerwig, a brilhante Issa Rae faz a Barbie Presidenta. Greta criou uma história que inverte a ordem patriarcal, contando com uma suprema corte 100% feminina, nenhum trabalho reprodutivo, e a subversão da criação no cristianismo: é pela mão que Deus dá vida a Adão no afresco de Michelangelo localizado na Capela Sistina, e as mãos de Barbie são tocadas por sua criadora, Ruth Handler (interpretada por Rhea Perlman), para que ela se mude de vez para a vida real. 

“A autoridade deve derivar do consentimento dos governados, não da ameaça de força!” Esta frase é dita pela Barbie de Toy Story 3 (2010), de quem a Barbie Esquisita da Kate McKinnon – minha personagem favorita neste filme – deve ser descendente direta. 

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À esquerda: Toy Story 3 (2010); à direita: Barbie (2023)

Com roupas, maquiagem e corte de cabelo excêntricos – e sempre em espacate! – esta Barbie pensa fora da caixa e acolhe os marginalizados (é em sua improvisada casa que o plano é bolado, e também onde residem e se esclarecem algumas figuras polêmicas da coleção de brinquedos, como o Ken Sugar Daddy e a Barbie Video Girl). Nesta intriga, a comediante arrasa no tropo da personagem mais velha e sábia, porém mal compreendida e solitária, que orienta a jornada heroica agindo ora como a boa bruxa Glinda, de O Mágico de Oz (1939), ora como o líder visionário Morpheus, de Matrix (1999) – ou ainda,  se a leitora me permitir uma leitura feminista e debochada de Pinóquio, como uma espécie de grelo falante

É ela quem funciona como chave para a consciência, coração e coragem que a Barbie Estereotípica de Robbie precisa para entender que quer mesmo é “fazer parte do grupo de pessoas que criam sentido, e não coisa que é feita”.

Aqui, vale lembrar que as bonecas refletem a consciência, coração e coragem de quem brinca com elas, e o filme carinhosamente atribui estas características, cruciais para seu desenvolvimento narrativo, às garotas que, como eu, faziam cortes de cabelo, trajes, maquiagens e projeções radicais nas suas Barbies. 

Crescemos para derrubar o patriarcado, que segue a todo vapor, mas não pode ser tão duradouro quanto plástico. A missão não é cor-de-rosa, e é mais difícil do que andar de salto alto e fazer pose. Mas, neste quesito, talvez o filme Barbie mais ajude do que atrapalhe.

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  • Joanna Burigo

    Joanna Burigo é natural de Criciúma, SC e autora de "Patriarcado Gênero Feminismo" (Editora Zouk, 2022). Formada pela PU...

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