Cientista social, Carla Ayres, 36 anos, é candidata à reeleição na câmara municipal em Florianópolis (SC) pelo Partido dos Trabalhadores (PT). É mulher branca, cisgênero e lésbica. Nos últimos quatro anos, o mandato de Carla atuou de forma antiproibicionista, feminista e antirracista, propondo leis que protegem e acolhem pessoas LGBTIA+, preevêm ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, acompanham as reivindicações da população indígena e dos quilombolas, entre outras.

Carla é a oitava candidata a responder ao questionário proposto pelo Catarinas para divulgar as candidaturas comprometidas com a agenda política feminista, antirracista, LGBT inclusiva e anticapacitista no estado em Santa Catarina. As entrevistas são publicadas diariamente por ordem de chegada. Dado o volume de respostas recebidas, vamos publicar mais de uma entrevista em determinados dias. 

O questionário foi dividido em cinco eixos temáticos, abordando questões centrais para a análise das candidaturas:

Acompanhe a entrevista com Carla

Perfil 

Resuma sua trajetória de vida/militância e o que a motivou a disputar estas eleições.

Nasci em 15 de março de 1988 em Jales, interior de São Paulo – filha da Dona Marly e do Tony, trabalhadores autônomos que entre 1990 e 1993 mudaram-se para Vilhena (RO) naquele processo de expansão econômica do país para a região norte, na tentativa de melhorar de vida. O objetivo não deu certo, nem pra família, nem pra mim que adoeci e meus pais retornaram para nossa cidade natal.

Cresci nesta pequena cidade do interior e aos meus 10 anos duas mudanças bem fortes para infância de qualquer pessoa: a chegada de uma irmãzinha e a separação de meus pais. Ambos processos quase concomitantes foram fundamentais para constituição de quem sou hoje. Com a separação, uma das primeiras frases feministas que ouvi na vida veio de minha mãe: “filha, aprende uma coisa – você não precisa ficar com alguém, nem viver a vida toda com um homem, passando raiva e vergonha, pra ser feliz”.

Desde então o auxílio no cuidado com a pequena, a vivência e o testemunho de uma mãe que voltou a estudar, trabalhar e criou sozinha duas filhas só reforçaram um dos maiores imaginários de futuro de qualquer família brasileira: estudar, fazer faculdade, me formar numa Universidade Pública, “ser alguém”.

Eu, que já integrava o Grêmio estudantil da minha escola desde os 14 anos, me filiei ao Partido dos Trabalhadores em 2004, então com 16 anos. Em 2007, me mudei para Maringá (PR), onde cursei Ciência Sociais na Universidade Estadual de Maringá. Filha de trabalhadores, seria a primeira pessoa da família a ingressar em uma graduação, ainda mais pública.

Sou fruto dos projetos de expansão da educação pública superior implementados pelos governos petistas. Ao longo de quatro anos só pude concluir os estudos porque fui beneficiada com programas de permanência como bolsas de iniciação científicas e de extensão.

Foi nesse período que aconteceu a minha saída do armário e conheci de frente o que chamamos de “movimento social”, “ONGs”, “militância”, etc. Em 2011 ingressei no mestrado em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos.

Mais uma vez, fruto das políticas de expansão universitária: bolsista, professora voluntária no cursinho comunitário, moradora da residência estudantil, muito debate e construção de melhores condições de para que as(os) filhas(os) da classe trabalhadora pudessem se formar. A atuação no movimento social ficou mais intensa: construímos Paradas de Orgulho LGBTIA+, conferências, e a ONG Visibilidade, que foi minha primeira casa de militância social.

O ano de 2012 me trouxe à Florianópolis, cidade que me apaixonei e que escolhi para viver. Aqui me estabeleço desde então, pois considerando que somos uma espécie em viagem, trazemos conosco – não pertences – mas a bagagem que nos mantém vivas(os) por que estamos em movimento. Nossa vida e nossa ânsia de ser e mudar as coisas nunca nos deixa quietas(os).

Por isso a militância e o ativismo que marcam minha estada aqui tem várias facetas de uma só luta: a construção de uma sociedade mais justa, democrática e igualitária.

Entre os anos de 2013 e 2014 finalizei meu mestrado, iniciei o doutorado em Sociologia Política na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e também contribuí para uma consultoria internacional do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para construção, elaboração e monitoramento de Políticas Públicas no Brasil.

Nas eleições de 2016, pela primeira vez concorri a vereadora em Florianópolis, em uma construção coletiva de movimentos LGBTI+ e feministas que viram a necessidade de termos uma representação na Câmara Municipal. Mesmo com pouquíssimos recursos e realizando uma campanha apenas com voluntários, conquistamos 1080 votos e a terceira suplência em nossa chapa.

Já em 2018, nosso coletivo decidiu por uma candidatura a deputada estadual. Ao todo, quase 7500 catarinenses confiaram em nosso trabalho.

Já em 2020, em nova candidatura a vereadora, conquistamos uma vaga na Câmara Municipal com 2094 votos de confiança. Com uma campanha marcada pelas incertezas da pandemia de Covid-19, com muito mais ações virtuais que presenciais e que coroaram nosso trabalho construído a muitas mãos ao longo dos últimos anos.

Em 2024 coloquei meu nome novamente na disputa eleitoral, como deputada federal, para auxiliar na construção de um projeto nacional alternativo. Por muito pouco não chegamos lá, o que deixou Florianópolis sem representação na Câmara Federal, mas permitiu que mudássemos a presidência.

Quais personalidades políticas são suas referências?

Marta Suplicy e Dilma Rousseff.

Apoio e financiamento

Você tem conseguido verba para a campanha? Quais?

Sim: apoio e recursos do partido, financiamento colaborativo, doações diretas e eventos de arrecadação

Você enfrenta desafios para arrecadar os recursos necessários para sua campanha? Se sim, quais são os principais?

No Brasil não temos uma cultura de arrecadação de fundos e isso dificulta o entendimento de uma grande parte das pessoas de que uma campanha bem sucedida precisa de recursos financeiros para chegar em mais pessoas, com materiais qualificados e de modo acessível a todos os públicos.

Qual é a importância do financiamento coletivo para a viabilidade de sua candidatura?

O financiamento coletivo é uma forma de fazer as pessoas se engajarem na campanha com um compromisso direto e objetivo.

Também essa forma de arrecadação possibilita que ações de cada campanha possam acontecer de modo mais personalizado, extravasando as necessidades que são atendidas pelos fundos especiais e partidários.

Propostas

Quais são os principais temas a serem debatidos no município e suas propostas para cada um?

Estamos falando sobre as raízes de minha militância LGBTIA+, a diversidade da origem das pessoas que moram em Florianópolis e que constroem nossa cidade, a pauta das mulheres e todos os temas que impactam suas vidas, de dignidade menstrual à permanência estudantil de mães; de acesso às creches e à saúde integral das mulheres trans, lésbicas e cis; da violência contra mulheres ao acesso ao aborto.

Estamos tratando também da mobilidade e transporte público, que reduzem a qualidade de vida e o acesso à cidade de nossa população, bem como do desmonte do serviço público que impacta serviços de limpeza, coleta, tratamento e disposição final de resíduos, a educação, a saúde e a cultura, inclusive pela irresponsabilidade na aplicação de recursos e descumprimento de legislações existentes.

Consideramos ainda, em nosso mandato e em nossa campanha que a defesa do acesso à cannabis é questão primordial para diversos grupos que dependem de tratamentos que reduzem efeitos colaterais, bem como é uma potencial fonte de renda, na medida em que pesquisas e start-ups podem desenvolver produtos à base de cannabis em nossa cidade.

As mudanças climáticas, ignoradas pela atual gestão, são o centro do nosso debate para uma cidade que promova turismo, renda e moradia sustentáveis e seguros para todos.

Nosso mandato tem compromisso antiproibicionista, feminista, antirracista e nos últimos 4 anos trabalhos fiscalizando o poder executivo, propondo leis que protegem e acolhem pessoas LGBTIA+, preevêm ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, acompanham as pautas e reivindicações da população indígena e dos quilombolas.

Em nosso site é possível conhecer todo nosso trabalho e constatar que nosso compromisso não se trata de uma promessa, mas de ações e posicionamentos que cumprimos diariamente na última legislatura da Câmara Municipal de Florianópolis.

Quem forma sua base eleitoral? Quais são suas mensagens centrais? E seu slogan de campanha?

“Trabalho que inspira, Orgulho que nos move” é nosso slogan, porque reflete muito o retorno que recebemos em nossas redes sociais e em nosso dia-a-dia na cidade.

Nossa base eleitoral é diversa como Florianópolis e recorrentemente nos dá um suporte importante para seguir nas ações ao reconhecerem a importância do que temos feito e nossa coragem de manter uma fiscalização e uma oposição responsável, em cima da legislação vigente e dos princípios constitucionais de nosso país.

Tem propostas para promover a igualdade de gênero, LGBTQIA+ e racial no âmbito municipal? Se sim, quais?

Sim. Projeto de Lei Nº 18235/2021 – Empregabilidade trans, Projeto de Lei Nº 18457/2022 – Acolhimento à população LGBTIA+, Projeto de Lei Nº 18205/2021 – Pobreza Menstrual, Projeto de Lei N.º 18595/2023 – igualdade salarial, Projeto de Lei Nº 18285/2021 – Gordofobia, Projeto de Lei N.º 18759/2023 – permanência estudantil das mães, Projeto de Lei Luana Barbosa, que institui o Dia Municipal de Enfrentamento ao Lesbocídio; Projeto de Lei Nº 18190/2021 – IYEMANJA; Projeto de Lei Nº 18398/2022 – Dia dos Quimbandeiros; Projeto de Lei Nº 18242/2021 – Publicidade governamental municipal sem discriminação.

Você tem propostas relacionadas à política do cuidado? Se sim, quais?

Sim. Projeto de Lei Nº 18235/2021 – Empregabilidade trans; Projeto de Lei N.º 18595/2023 – igualdade salarial; Projeto De Lei Complementar N.º 01924/2023 – obriga bares, restaurantes e casas noturnas a adotarem medidas de auxílio à mulher que se sinta em situação de risco e dá outras providências; Projeto de Lei Nº 18515/2022 – sobre o climatério; Projeto de Lei Nº 18457/2022 – acolhimento à população LGBTIA+.

Políticas públicas inclusivas e enfrentamento de discursos reacionários

Como pretende enfrentar discursos reacionários que comprometem a equidade de gênero e racial, especialmente na educação?

Apoiando ações e projetos que promovam a educação antirracista, equitativa de gênero e que viabilizem o combate a todas as formas de discriminação e preconceito.

Na atuação parlamentar, seguirei combatendo os discursos de ódio na tribuna, bem como fiscalizando proposições legislativas e administrativas que ataquem direitos sociais, a exemplo do nosso combate e denúncia quanto à lei de internação compulsória humanizada.

Como avalia a participação da sociedade civil na construção de políticas públicas municipais? 

Nossas ações buscam dialogar com a sociedade civil e com os movimentos sociais, de bairro e demais organizações.

Sua plataforma propõe formas de ampliar a participação da sociedade civil na construção de políticas públicas? Se sim, como?

Sim. Nos preocupa, de modo especial, a condução dos conselhos municipais, que estão sendo silenciados e excluídos do processo participativo, de modo que já estamos estudando formas de garantir que as decisões dos conselhos sejam cumpridas pelo poder executivo. No legislativo sempre primamos pela participação popular, com audiências públicas e reuniões ampliadas.

Qual o papel das minorias políticas na transformação dos serviços de saúde e educação municipais?

As minorias políticas são responsáveis por desvendar aquilo que na saúde e na educação não nos atende. São as mulheres com fibromialgia que sofrem e denunciam a falta de práticas integrativas de saúde. São as mulheres trans e os homens trans que explicitam como os serviços de saúde não conseguem atender adequadamente suas demandas de cuidados. São as lésbicas que sabem e divulgam o quanto sua saúde sexual é negligenciada por preconceito ou despreparo.

São as pessoas negras que sofrem e comunicam a demora em receber analgésicos, por exemplo, em diversos tipos de atendimento de saúde. São as crianças e adolescentes neurodivergentes, com corpos divergentes, com famílias diversas e com a sexualidade fora do padrão heteronormativo que denunciam o bullying e a segregação que ocorrem nas escolas. São todas essas pessoas que, apesar da violência e descaso sofridos que seguem sua luta que podem transformar o dia a dia dos serviços públicos de saúde e educação na cidade.

Violência política e desinformação

Já sofreu ataques, incluindo intimidação, durante a sua trajetória devido à sua agenda política? Em caso positivo, pode compartilhar algum caso?

Sim. Em nosso mandato já recebemos ameaça de morte por e-mail, intimidação na rua e, ainda, assédio no plenário da Câmara Municipal, televisionado, quando um vereador me agarrou e os demais parlamentares decidiram que esse ato não seria motivo suficiente para a cassação do agressor. Esse caso teve ampla repercussão na mídia e, ainda assim, não resultou em uma postura política de combate ao assédio no parlamento municipal.

Nesta campanha, sofreu ataques nas redes sociais ou nas ruas? Se sim, quais?

Sim. Essa campanha, de modo geral, tem sido menos violenta que as anteriores. Nas redes sociais recebemos ataques LGBTfóbicos e comentários misóginos, mas nas ruas a rejeição tem sido em nível civilizado e pouco agressivo.

Sua candidatura tem sido alvo de desinformação? Se sim, como?

Sim. Fake news sobre nossos posicionamentos, compromissos e que contrariam até o que já realizamos em nosso mandato, como os projetos de lei que já protocolamos. Também há a tentativa de desidratar nossa candidatura, com informações de que já estaria reeleita, de modo a inviabilizar nossa reeleição.

Tem ações específicas para combater a desinformação? Se sim, quais?

Sim. Tentamos sempre manter nossas redes sociais como fontes ativas de comunicação de nosso trabalho, fazendo com que aqueles que curtem e acompanham possam estar abastecidos das informações reais.

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