A imagem da primeira deputada negra do Brasil voltou a ocupar um espaço de destaque no centro de Florianópolis (SC). A artista Gugie Cavalcanti refez o mural de Antonieta de Barros, no Edifício Atlas, após a remoção da versão anterior, de 2019, durante reformas no prédio. A retirada gerou comoção popular e levou à reconstrução da obra que homenageia a trajetória da educadora, jornalista e parlamentar catarinense, símbolo da luta feminista e antirracista no país e reconhecida oficialmente como Heroína da Pátria.

“Pintar a Antonieta de Barros me deu muita força, enquanto mulher e de pertencimento na cidade. É uma história tão singular, ela realmente é uma heroína, tem esse papel na minha vida. Artisticamente, eu quis enaltecer a integralidade dela, trazer ela num espaço genuíno, solene e que geralmente a gente não é convidada, porque de certa forma, a gente não é bem-vinda nesses espaços de poder político e intelectual”, descreve Gugie.

Nascida em julho de 1901 em Florianópolis, Antonieta foi filha de uma lavadeira e ex-escravizada que trabalhava como doméstica para políticos da cidade. Em um período em que os índices de analfabetismo eram muito altos no país, principalmente entre a população negra, Antonieta aprendeu a ler e, aos 17 anos, se tornou aluna da Escola Normal Catarinense, formando-se professora. Em 1922, fundou o Curso Antonieta de Barros para alfabetizar pessoas sem condições financeiras, instituição que dirigiu até a sua morte. 

Entre as décadas de 1930 e 1940, a jornalista, professora e política foi a primeira mulher negra a assumir um mandato popular no Brasil ao se tornar deputada estadual em Santa Catarina. Sua eleição ocorreu três anos após a conquista ao direito de voto pelas mulheres, através do Código Eleitoral de 1932.

Com 300 litros de tinta e 34 metros de parede, o novo mural assinado por Gugie Cavalcanti devolve à paisagem urbana a imagem da primeira deputada negra do Brasil. “Uma obra de arte com essa magnitude não é mais pertencente apenas aos artistas, ela também pertence à cidade. Então, a população ficou muito em cima, pedindo para que fosse refeito e questionando sobre os motivos da remoção. O pessoal do prédio foi super favorável”, compartilha a artista.

Jeruse Romão, autora das biografias de Antonieta, descreve que se sentiu emocionada ao ver a nova pintura. “Mulheres negras de décadas diferentes, elas conversaram na arte e na política”, aponta sobre Antonieta e Gugie. Jeruse compartilha que, por conta das obras que escreveu, as pessoas enviaram muitas mensagens a ela ao verem o novo mural, comemorando e compartilhando um sentimento de justiça.

“Estão enchendo a cidade, tão gentrificada, tão racista e machista, de esperança e do colorido do bem”, destaca.

O poder da arte urbana

Nascida em Brasília e criada em Florianópolis (SC), Gugie começou na arte através da dança de rua aos 13 anos, momento em que se aproximou da cultura Hip Hop. Formada em Artes Visuais pelo Centro de Artes (Ceart) da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), a artista já coloriu a cidade de Florianópolis com diversas obras, além de ter levado seus trabalhos para outros estados, como Rio Grande do Sul, São Paulo, Ceará e Rio de Janeiro, onde reside atualmente. Ao todo, já foram mais de 13 obras.

“A arte, quando ela é posta na rua, se torna acessível. E quando ela se torna acessível, ela desconfigura um sistema que aliena muitas pessoas, especialmente aquelas em jornadas de trabalho que as afastam desse aspecto da qualidade de vida que é o acesso à arte. Arte enquanto uma ferramenta de transformação, como uma possibilidade de repensar nossos modos de vida e como um caminho para criar sensibilidade coletiva” descreve.

A produção artística de Gugie começou com o que, hoje, nomeia como “publicidade afetiva”, um modo de criar que amplia a ideia política de presença, ao levar para as obras a prática do verbo “estar”, muitas vezes negada a corpos diversos em espaços públicos e privados.

“Eu não vou esquecer essa última vez que eu pintei, quando a gente estava projetando ali de noite, passou o pessoal do caminhão de lixo e eles pararam um pouquinho o trabalho deles para observar. Foi um momento muito bonito, porque um colega que estava ali, ouviu eles falando ‘nossa, que massa, que bom que vão trazer de novo Antonieta de Barros’. Isso já vale muito a pena, essa pessoa vendo um processo artístico, vendo a gente retomando, trazendo uma mulher negra, a Antonieta de Barros”, compartilha.

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