O Código Penal da década de 40 não criminaliza o aborto em caso de estupro e risco de morte à gestante. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012 tornou possível a interrupção da gravidez também em situação de anencefalia fetal – quando não há chance de sobrevida. Esses chamados permissivos legais – num país onde o aborto por livre decisão da mulher é crime – garantem o direito a um abortamento seguro pelo Sistema Único de Saúde. Porém, estão ameaçados com a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 181/2015, ontem, por uma Comissão Especial da Câmara. O texto, que inicialmente altera a redação do artigo 7º da Constituição Federal para dispor sobre a ampliação da licença-maternidade em caso de bebê prematuro, sofreu modificação para sobrepor o direito do embrião e criminalizar as mulheres também em casos de aborto legal. O trecho “desde a concepção” foi incluído nos artigos 1º e 5º da Constituição, respectivamente na parte que trata da dignidade da pessoa humana e do direito inviolável à vida.

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Por apresentar uma mudança substancial em relação ao projeto inicial de consenso dos deputados, a PEC, de autoria de Aécio Neves (PSDB/MG), foi chamada de Cavalo de Troia. Masra de Abreu, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), lembra que uma reunião de emergência para articulação da Comissão Especial da PEC foi realizada no dia seguinte à manifestação do ministro do STF, Luís Roberto Barroso, em julgamento da primeira turma que considerou inconstitucional a criminalização do aborto até os três primeiros meses de gestação. A proposta de alteração foi apresentada no relatório da Comissão pelo deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM/SP) em agosto deste ano. “O mesmo grupo que votou pela aprovação é aquele articulado para fazer pressão em Rodrigo Maia naquela reunião”, afirma Masra.

Segundo a analista política, a votação foi realizada às escuras para desarticular a mobilização contrária, já que a pauta não estava na agenda da Câmara e a convocatória foi feita no mesmo dia. Em sua análise, a celeridade do processo de aprovação da PEC, assim como de outros projetos similares, constitui-se como moeda de troca em tempos de reformas da previdência e trabalhista.  “A pergunta é: qual o acordo que o presidente da Câmara tem para colocar em votação essa PEC no momento de Reforma da Previdência e às vésperas de ano eleitoral?”.

A comissão era formada por 28 deputados – 24 deles publicamente contrários à legalização do aborto e dos quais apenas três são mulheres. A PEC segue agora para plenário para votação em dois turnos com dois terços dos votos. “A pauta deles é essa, e eles votam em grande maioria. Agora vai depender da nossa reação. Eles botam o pé no freio quando reagimos e esperam apagar as luzes para aprovar”, alerta.

Só a mobilização das mulheres pode segurar a aprovação desta PEC em plenário, como defende a entrevistada. “O momento é de ir para as ruas, como fizemos no PL 5069, de Eduardo Cunha. Precisamos mostrar nossa força, criar um consciente coletivo do que isso significa para nós, do que estão fazendo com nossos corpos e vidas, com nossa autonomia. Essa é uma questão fundamental da nossa própria existência”.

Licença-maternidade
O projeto que passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e teve sua admissibilidade aprovada, tratava da extensão da licença maternidade à gestante em caso de nascimento prematuro “à quantidade de dias que o recém-nascido passar internado, não podendo a licença exceder a duzentos e quarenta dias”.

A única mulher presente na votação, também única a votar contra, a deputada Erika Kokay (PT/DF) afirmou várias vezes que a modificação era estranha à proposta inicial e, que por isso, representa uma fraude. “Que pressa é essa de promover uma das mais profundas fraudes dessa casa? Nós tivemos uma proposição que as mulheres que são mães de bebês prematuros precisam dela, de ampliação da licença maternidade. Porém, aqueles que se acham donos dos corpos das mulheres, que acham que podem tirar o direito das mulheres de planejarem sua própria família, que acham que podem permitir que as mulheres carreguem o fruto de uma violência sexual, que podem abrir mão da própria vida em nome da sua concepção religiosa, estão usurpando uma proposição absolutamente importante, de mais profundo consenso nesta casa”, disse a parlamentar.

Erika criticou a ausência de laicidade na nova proposição, que segundo ela é fundamentada em convicções religiosas, e atentou para o controle do corpo da mulher como motivador.

“Os homens acham que os corpos das mulheres são deles. Por isso se estima 500 mil estupros neste país, que é a negação da mulher ao seu próprio corpo, a sua própria vontade, a sua voz. Aqui  homens impõem de forma religiosa sua concepção, rompendo sem modéstia a laicidade do Estado, e querem impor um sacrifício às mulheres. Falam isso em defesa da vida, mas dizem que as mulheres têm que morrer quando a sua vida pode ser ceifada por uma gravidez de risco. Para preservar a vida, as mulheres vão precisar ser encarceradas”.

Como ficou a votação
Érika Kokay (PT-DF) – Não
Gilberto Nascimento (PSC-SP) – Sim
Leonardo Quintão (PMDB-MG) – Sim
Givaldo Carimbão (PHS-AL) – Sim
Mauro Pereira (PMDB-RS) – Sim
Alan Rick (DEM-AC) – Sim
Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) – Sim
Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP) – Sim
Marcos Soares (DEM-RJ) – Sim
Pastor Eurico (PHS-PE) – Sim
Antônio Jácome (PODE-RN) – Sim
João Campos (PRB-GO) – Sim
Paulo Freire (PR-SP) – Sim
Jefferson Campos (PSD-SP) – Sim
Joaquim Passarinho (PSD-PA) – Sim
Eros Biondini (PROS-MG) – Sim
Flavinho (PSB-SP) – Sim
Evandro Gussi (PV-SP) – Sim
Diego Garcia (PHS-PR) – Sim

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Atualizada às 16h10 de 9 de novembro.

 

 

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