De 7 a 11 de setembro, Brasília (DF) foi palco da 2ª Marcha das Mulheres Indígenas, com o tema “Mulheres Originárias: reflorestando mentes para a cura da Terra”. Participaram do encontro mais de cinco mil mulheres de 172 Povos Indígenas de todos os biomas do Brasil.
Entre cantos, danças, rezas, poesia e discussões políticas, as mulheres indígenas se reuniram para fortalecerem suas lutas, debater propostas de ações dentro e fora das terras indígenas e tecer os fios de esperança em meio às lutas cotidianas. Acompanharam o julgamento do ‘marco temporal’ pelo Supremo Tribunal Federal (STF), lembraram dos feminicídio de Raíssa Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul e do brutal assassinato de Daiane Kaingang, no Rio Grande do Sul, e reafirmaram o compromisso com as lutas coletivas das mulheres e de seus povos.
“Falar sobre violência e sobre a violência de gênero nas comunidades e aldeias e entre povos indígenas é um processo doloroso, que ainda pode ser considerado um tabu dentro das comunidades. Apesar da gente viver todos os dias isso dentro do território, seja pelo machismo imposto, seja pelos que insistem adentrar em nossos territórios com seus projetos desenvolvimentistas”, relata Nyg Kaingang, liderança indígena da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA).
Em meio às crescentes violências do atual governo, as mulheres indígenas, já vacinadas contra a Covid-19, reafirmaram suas atuações históricas contra o ecocídio e o genocídio como política de Estado. Apresentaram propostas para a construção de uma sociedade de respeito, solidariedade por meio de uma justiça socioambiental e de gênero.
A Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), organizadora do evento junto com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), lançou o manifesto “Reflorestarmentes”.
“Precisamos construir juntos um trajeto de vida e reconstrução, que se baseie no encontro entre os povos, no cuidado com nossa Terra, na interação positiva de saberes. É isso que propomos com o Reflorestarmentes. É possível vivermos e convivermos de outra forma, com outras epistemes, a partir de cosmologias ancestrais. Cuidar da Mãe Terra é, no fundo, cuidar de nossos próprios corpos e espíritos. Corpo é terra, floresta é mente. Queremos reflorestar as mentes para que elas se somem para prover os cuidados tão necessários com nosso corpo-terra”, afirma o documento.
Assista ao lançamento “Reflorestarmentes”:
Nas redes sociais a ANMIGA reafirma a voz das mulheres indígenas: “Jamais aceitaremos o arbítrio do governo genocida. Fora Bolsonaro”.
“Não lutar com a mesma arma do inimigo, não significa que estamos desarmadas”
No Dia da Independência, 7 de setembro, feriado nacional, em meio às investidas de ódio dos bolsonaristas, mulheres indígenas guerreiras da ancestralidade vestidas de coragem se concentram no espaço da Fundação Nacional de Artes (Funarte), em Brasília. Sofreram diversos ataques racistas, sexistas e intimidações de pessoas que estavam na capital federal para apoiar o evento antidemocrático.
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“Na luta a gente até passa perfume, mas se banha com proteção! Não lutar com a mesma arma do inimigo, não significa que estamos desarmadas”, afirma Célia Xakriabá, da organização da II Marcha Nacional das Mulheres Indígenas.
Em um movimento de proteção, oração, reza e preparação espiritual para acompanhar o julgamento da tese genocida do ‘marco temporal’ as mulheres indígenas permaneceram reunidas no acampamento. Por uma decisão da organização do evento o julgamento não foi acompanhado da Praça dos Três Poderes como vinha acontecendo nas semanas anteriores.
“Hoje de manhã, estivemos em um momento de oração, de conexão espiritual. Isso mostra nosso poder de conexão entre nós e com o astral que a gente invoca, com nossa ancestralidade. Essa força, essa vitória, é acima de tudo dada por aqueles que nós invocamos”, afirma Cris Pankararu, da coordenação da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA).
Na quinta-feira (9), o primeiro ministro a votar foi Edson Fachin, reafirmando o seu voto a favor dos Povos Indígenas e seus direitos originários, dizendo #MarcoTemporalNão. O julgamento deve continuar na tarde da próxima quarta-feira (15).
“O voto de Fachin foi muito importante e favorável aos direitos constitucionais dos povos indígenas. O ministro afastou a tese do marco temporal e do renitente esbulho, ressaltando também outras questões que asseguram o direito reconhecido aos povos indígenas na Constituição para a proteção dos direitos territoriais”, explica Samara Pataxó, co-coordenadora jurídica da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
O Supremo Tribunal Federal (STF) deu início ao julgamento da tese do “marco temporal” em 26 de agosto, por uma ação de reintegração de posse solicitada pelo governo do estado de Santa Catarina contra os indígenas Xokleng-Laklãnõ, da Terra Indígena de Ibirama, Região do Alto Vale do Itajaí. De acordo com a proposta mercantilista, os direitos indígenas às terras ocupadas seriam revisados e estabelecidos a partir de 1988, logo após a Constituinte, a partir de 5 de outubro.
Em 2019, o STF deu ao processo status de “repercussão geral”, o que significa que a decisão servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios de terras indígenas.
Neste ano, o processo de julgamento do “marco temporal” foi adiado cinco vezes em dois meses. Em 11 de junho, o julgamento foi iniciado em plenário virtual e logo suspenso por um pedido de “destaque” do ministro Alexandre de Moraes. Em seguida foi remarcado para 30 de junho que, por falta de tempo, foi novamente adiado para o dia 31. Na mesma semana, a análise do caso foi remarcada sem justificativas para 25 de agosto pelo presidente da Corte, o ministro Luiz Fux.
Assista à 2ª Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília-DF. Clique aqui.
Descolonizando a Moda: nossa tendência não é anual é ancestral
Ao final do evento, um desfile de vestimentas indígenas e roupas com elementos tradicionais das culturas dos povos foi realizado para demarcar que o corpo da mulher indígena é um território.