Disseminação de fotos e do boletim de ocorrência revelam a identidade da mulher que fez a denúncia; Polícia Civil afirma que não vai se pronunciar sobre o vazamento

O Código Penal brasileiro é específico quando se trata de crimes contra a dignidade sexual: o segredo de justiça como forma de preservar a vítima. Porém não foi o que aconteceu com a mulher que registrou um boletim de ocorrência acusando de estupro o prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro (DEM). Fotos, vídeos e a íntegra do boletim de ocorrência estão sendo disseminados pela internet desde que o assunto veio à tona, na noite de quarta-feira (28). A Polícia Civil de Santa Catarina informou que não vai se manifestar sobre o vazamento do material.

O material vazado mostra o rosto, o corpo nu dos envolvidos e o nome completo da vítima. Não há sequer uma tarja preta para esconder a identidade da mulher, nem um efeito de edição nas fotos espalhadas. E mesmo que tivesse sido censurada não poderiam ser vazadas. O Código Penal nesta questão também é categórico: disseminar fotos e informações pessoais sem o consentimento da vítima é crime com penas que podem ir de três meses a um ano de detenção.

Além dos traumas vividos pelas vítimas de agressão sexual, a exposição irresponsável na internet traz efeitos nefastos à vítima. Basta uma visita às redes sociais da denunciante para ler uma enxurrada de comentários maldosos contra ela. Não é de hoje que testemunhamos a dúvida posta na palavra e corpo da mulher.

De acordo com uma pesquisa de opinião Datafolha em 2016, 33,3% da população brasileira acredita que a vítima de violência sexual é culpada. Entre os homens, sobe para 42%. No Brasil não há dados oficiais sobre falsas denúncias de estupro, mas de acordo com o estudo “The (In)credible Words of Women: False Allegations in European Rape Research” (As palavras desacreditadas das mulheres: falsas alegações na pesquisa sobre estupro na Europa), falsas alegações de estupro não são mais frequentes que registros inverídicos de outros crimes, uma média que varia de 5% à 8%. Só cabe à justiça investigar a veracidade dos fatos, a exposição e o julgamento da vítima só reforçam a cultura machista que naturaliza tais práticas.

Não é de hoje também que homens se valem de uma posição de poder para conseguir favores sexuais. De acordo com o boletim de ocorrência, a vítima foi assediada e estuprada por pelo menos três vezes entre 2017 e 2019 dentro do ambiente de trabalho. No relato ela diz que não contou a ninguém por vergonha e por ter medo do poder do prefeito. Não é de se espantar já que o cargo de representante municipal dá o poder de manter ou não o emprego de servidores. Na época, a denunciante era funcionária comissionada na Secretaria de Turismo.

Em vídeo publicado nas redes sociais do prefeito, Gean aparece desmentindo o fato, afirmando que era consensual e que tinha um relacionamento extraconjugal com a mulher. Em nenhum momento, ele comenta sobre a falta de decoro parlamentar em fazer sexo nas dependências da prefeitura.

O caso de Gean remete ao de Dória, prefeito de São Paulo filmado enquanto participava de um sexo com mais três mulheres. Na época, não faltaram comentários de terceiros de como o gestor era “comedor”, o que comprova como os homens flagrados em atos sexuais são vistos pela sociedade. “Nesta lama da internet já tem muito áudio sendo produzido pelo gabinete do ódio em Santa Catarina tratando o Gean como um homão”, comenta Rebecca Neto, integrante do 8M em Santa Catarina.

Sujeira nas campanhas eleitorais

Outro fator que dá mais combustível para o assunto é o período eleitoral já que o prefeito tenta a reeleição do cargo e a vítima é candidata a vereadora pelo DEM em Florianópolis.

Na internet é possível verificar centenas de comentários indagando o momento em que a vítima fez a denúncia. O boletim de ocorrência está datado do dia 9 de outubro. No próprio vídeo de Gean, ele diz que a divulgação do fato é ‘uma baixeza e jogo sujo da política’.

“O monitoramento que temos feito nas redes nas últimas 12 horas é que a oposição têm usado o caso nas campanhas para ganhar força eleitoral como a Ângela e outros bolsonaristas, o que repudiamos veementemente”, afirma Rebecca.

Entenda o caso

O prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro (DEM), é acusado de estupro por uma ex-servidora da Secretaria de Turismo. O boletim de ocorrência foi registrado na Delegacia de Proteção à Mulher (DPCAMI) do bairro Agronômica, na Capital, no dia 9 de outubro. De acordo com o BO, os abusos aconteceram entre 2017 e 2019 dentro do local de trabalho.

A denunciante relata três episódios em que o prefeito teria a assediado e cometido o estupro. A primeira vez teria sido em 2017 quando trabalhava no gabinete do secretário de turismo. Na ocorrência, ela relata que “inexplicavelmente, o prefeito passou a fazer investidas e a agarrou, segurou firme seu braço com uma das mãos e com a outra tentou tocar as partes íntimas por debaixo da roupa, o qual imediatamente o empurrou e saiu da sala”.

A segunda investida também teria sido dentro do gabinete do secretário de turismo. Segundo a denúncia, Gean trancou a sala, passou a abraçá-la, abriu a calça e abaixou a calcinha da vítima, a empurrou contra uma mesa e cometeu o estupro. A vítima em choque ficou paralisada.

A partir dali, ela teria começado a ter crises de pânico e ansiedade, com evolução para um quadro depressivo. Assim, passou a ter acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Os nomes dos especialistas também aparecem no BO.

A última investida teria sido em 2019. Por já imaginar o que aconteceria decidiu gravar o crime. Na ocorrência, a vítima relata que se sentia sob graves ameaças no momento do ato e em hipótese alguma consentiu a prática do ato.

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