“Alegria, boas risadas, fotos lindas, vídeos bafônicos, muita sororidade e um toque de protesto bem-humorado” é o que promete o “Vai ter gorda na praia sul”, segundo explica a organizadora do evento, Letícia de Assis. Além, é claro, de a segunda edição dar um banho de autoestima em uma das praias mais frequentadas por turistas em Florianópolis. O encontro está marcado para o dia 5 de fevereiro, às 10h30, na Praia Mole – próximo ao Bar do Deca.

A proposta é mostrar que praia é lugar de quem se sente bem nela. “A praia Mole é território de gente sarada e por isso é um excelente local para esse protesto cheio de charme e bom-humor”, afirma a modelo plus size Taíse Assunção, que será uma das participantes. O evento terá a presença de professoras, jornalistas, cantoras, modelos e misses plus size de Santa Catarina e do Brasil. O convite está aberto a todas e todos, que serão recebidos na festa com guarda-sóis coloridos.

“Vai Ter Gorda na Praia” é um movimento nacional, iniciado pela paulista Helena Custódio e reinventado pela santista Erika Cador, que adotou a hashtag #vaitergordasim. Em Santa Catarina, o evento é promovido por Letícia, que mantém o blog “Sim sou Diva”, um espaço de projetos de empoderamento feminino.

O primeiro passo no processo de empoderamento da blogueira foi aceitar-se como gorda. Para ela, ser gorda está longe de ser uma ofensa, mas, sim, um adjetivo como qualquer outro. Em entrevista ao Catarinas, Letícia fala mais sobre o evento e como é ser uma mulher fora dos padrões numa sociedade discriminatória, para a qual beleza, saúde e sucesso são sinônimos de um corpo esguio.

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Foto: Tiago Lautert

Catarinas: Como surgiu a ideia do evento? Como foi a primeira edição?
Letícia: A ideia surgiu em 2012 pelas mãos da produtora e modelo Helena Custódio, de São Paulo. Depois ganhou força com a hashtag #vaitergordasim, da Eika Cador, de Santos. Aqui eu tive a ideia após alguns meses da criação do blog “Sim, sou Diva” justamente para reunir as amigas que se conheceram no Miss SC Plus Size anterior (a maioria) e demonstrar que praia é lugar de quem se sente bem nela e não de quem tem corpos com padrão y ou x, geralmente impostos pela mídia.

Catarinas: Qual a proposta do “Vai ter gorda na praia sul” e sobre o que ele busca refletir?
Letícia: Qual a real beleza? Por que um corpo gordo exposto incomoda algumas pessoas? Por que, apesar de tanto crescimento da moda maior, ainda enfrentamos tanto preconceito, muitas vezes dentro das nossas famílias? Por que continuam associando saúde à magreza? São todas questões que debatemos no encontro com as gurias e público. A partir daí, surgem mais e mais questões.

Catarinas: Que tipos de preconceitos as mulheres gordas sofrem? Críticas e conselhos sobre a saúde da mulher gorda podem se caracterizar como formas de discriminação velada?
Letícia: O principal, sem dúvida, é a patologização da obesidade. Apesar de já existirem estudos sérios e profundos que desvinculam peso de saúde, a indústria da moda padrão, dos remédios para emagrecer, dos chamados shakes e derivados, dos produtos de beleza e roupas com numeração em série, aliados a conceitos enraizados nas mentes das sociedades reforçam esse problema e os olhares tortos pra cima de nós.

Uma mulher gorda não é necessariamente uma mulher doente, tanto que já existem musas plus size fitness, bailarinas, educadoras físicas, nutricionistas e uma série de profissionais que assumiram seus corpos maiores, deixando a escravidão de lado por conta de imposições. São belas, saudáveis e gordas.

Catarinas: Como é ser gorda na capital dos corpos sarados?
Letícia: No começo é difícil, mas não é diferente do que em qualquer lugar. Daí te dou um depoimento próprio. Sempre ouvi comentários e pedidos com a desculpa de que era por minha saúde. Na verdade era pela vergonha de ter uma filha, prima, sobrinha gorda.

Às vezes a pessoa nem percebe essa armadilha midiática e a gorda precisa, além de superar seus próprios traumas e fazer as pazes com o espelho, ser perspicaz na demonstração dessa realidade.

Catarinas: Quais as consequências dessa imposição de padrões de beleza na vida das mulheres gordas?
Letícia: Traumas, cirurgias desnecessárias, constante escravidão de remédios tarja preta, depressão e uma verdadeira guerra diária com seu próprio corpo.

Catarinas: Você já sofreu em algum momento por não atender ao “padrão”? Como ocorreu seu processo de empoderamento?
Letícia: Já e veio do meu pai, que amei demais e faleceu em agosto passado, entre outros familiares. Por ele trabalhar com modelos, e na época modelo plus size não existir, ele frequentemente me impunha regimes para que eu fosse ‘tão linda quanto as meninas com quem ele trabalhava’. Não o culpo porque ele mesmo ouviu de muitos médicos que precisava emagrecer e que isso o mataria. Não o matou e minha reviravolta também mudou os conceitos que ele tinha sobre beleza e sobre a moda. Também já ouvi de caras em balada frases do tipo: “Quem tu pensas que tu és, sua gorda?”. Isso após eu ter dado um fora. Ou seja, ele queria “a gorda”, mas ela o rejeitou… Primeiro passo que dei na aceitação foi entender que gorda era apenas uma palavra, um adjetivo com outro qualquer, sem peso (desculpa o trocadilho), e passei a evitar eufemismos como cheinha, gordinha, fofinha.

Ninguém mais me xingou por me chamar de gorda e esse entendimento de dentro para fora mudou tudo. Daí para frente até começar a escrever para as gordas, foi um pulo de alguns longos anos, muita terapia, perdão e autoestima renovada.

Catarinas: Você é idealizadora do “Sim, sou Diva”. Qual a proposta do veículo e que serviços oferece?
Letícia: Escrever para mulheres gordas foi meu propósito ao criar o blog. Com o tempo e muito por causa de eventos como o Vai ter Gorda na Praia e o Divas do Cinema, ou o vídeo Sim, nós Podemos, todos ocorridos em 2016, vi que tinha ultrapassado a fronteira do blog e virado uma espécie de guarda-chuva de projetos de empoderamento feminino. Hoje temos um casting definido, fotógrafo e equipe de vídeo profissionais, agência de comunicação parceira e estamos começando a retomar o planejamento do nosso primeiro grande evento comercial, o Diva Fashion Plus Size, interrompido no ano passado quando quase morri em decorrência de uma pneumonia.

Catarinas: Como você avalia a “indústria” da moda e a manutenção de uma estética voltada ao corpo magro?
Letícia: As marcas estão entendendo nossas necessidades e percebendo que é lucrativo para elas atender a essas necessidades e até caprichos. Não tem mais essa de vestir qualquer coisas e aplicar qualquer modelagem. Empresa assim afunda logo. E é preciso pensar desde as plus comerciais, tamanho 44/46 até as que vestem 70 ou mais. Merecemos respeito, podemos pagar e queremos mais.

Catarinas: Para você, há diferenças na cobrança do padrão estético entre homens e mulheres?
Letícia: Sim. Sei que os gordos também sofrem, mas infinitamente menos que as mulheres por razões históricas, sociais, estéticas, entre outras. Temos a mais que eles lojas especializadas em moda maior. Realmente há poucas marcas voltadas para o público plus masculino ainda.

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  • Paula Guimarães

    Paula Guimarães é jornalista e cofundadora do Portal Catarinas. Escreve sobre direitos humanos das meninas e mulheres. É...

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