Enquanto representam a maioria da classe trabalhadora do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, as mulheres têm pouca representatividade no topo da hierarquia. No atual quadro, dos 13 cargos de diretoria que compõem o TJ-SC, apenas três são ocupados por servidoras. Na última gestão (2016-2018), era apenas uma mulher e na gestão de 2014 a 2016, nenhuma mulher ocupou cargo gerencial. As informações das gestões anteriores foram repassadas pela Ouvidoria do TJ.

Os dados casam com o estudo “Estatísticas de Gênero: Indicadores Sociais das Mulheres no Brasil”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A pesquisa revelou que mesmo com mais escolaridade que os homens, as mulheres representam apenas 39% dos cargos de chefia no Brasil. Além disso, a desigualdade entre mulheres pretas ou pardas e os homens pretos e pardos era maior do que entre as mulheres brancas e os homens brancos.

Na pós-graduação, elas também são maioria. Os últimos números tabulados em 2016, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), indicam 165.564 mulheres matriculadas e tituladas em cursos de mestrado e doutorado, enquanto os homens somam 138.462, uma diferença de aproximadamente 19%.

Apenas na modalidade de mestrado acadêmico, as mulheres somaram aproximadamente 12 mil matrículas a mais que os homens e cerca de 6 mil títulos a mais foram concedidos a mulheres. A modalidade de doutorado também traz realidade semelhante, com um total de 57.380 mulheres matriculadas e 11.190 tituladas, ao passo que os homens somaram 50.260 matrículas e 9.415 títulos em 2016.

Maioria no Judiciário é de homens brancos, diz CNJ
No caso dos magistrados catarinenses, somados juízes e desembargadores, dos 523 cargos, 177 são de mulheres. Se o cargo for de desembargador, dos 94, apenas 12 são de mulheres. Em relação à ocupação feminina na presidência do TJSC, o índice é pior ainda. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina existe desde 1891 e até hoje, passados 128 anos, apenas uma mulher ocupou a cadeira de presidência e por apenas quatro meses. Ela foi Thereza Grisólia Tang: assumiu em dezembro de 1989 e saiu em março de 1990. Tang é o único rosto feminino entre os 48 da galeria de presidentes do TJSC, que estampa o hall de entrada do órgão, em Florianópolis.

“Os homens são considerados bons chefes, as mulheres precisam provar”.

Uma pesquisa divulgada em 2019 pelo CNJ, valida a baixa representação feminina no alto escalão do Judiciário. O Diagnóstico da Participação Feminina no Poder Judiciário identificou que 35,9% dos magistrados e 56,2% dos servidores eram mulheres. Além disso, o censo sublinhou que quanto maior o nível da carreira na magistratura, menor a participação feminina, sendo ela representada por 44% dos juízes substitutos, 39% dos juízes titulares, 23% dos desembargadores e apenas 16% dos ministros de tribunais superiores.

Governabilidade masculina
No país, o poder ainda é exercido hegemonicamente por homens. As decisões do país, do Estado de Santa Catarina, da Assembleia Legislativa do Estado e do Tribunal de Justiça Catarinense são essencialmente masculinas, e nessa conjuntura, as questões relacionadas às relações de gênero não carregam sensibilidade.

Embora muitos gestores justifiquem que a escolha para cargos hierárquicos não leve em consideração o gênero, há o subentendimento que a escolha é feita, sim, infelizmente, pelo papel social que o homem representa x papel da mulher. Aos homens ficam o esbanjamento de força, inteligência, competência e resistência. Já às mulheres, sobram questionamentos como: tem filhos? É casada? Tem disponibilidade para viajar? Tem com quem deixar os filhos?

A segregação de gênero impele as mulheres, que mesmo com qualificação e função equivalentes aos homens, precisam demonstrar mais competência, conhecimento, habilidade e inteligência. Diplomas, experiências e estudos ficam sub-representados na escolha. É como se os homens fossem considerados bons chefes e as mulheres precisassem provar.

Para a mestranda em Ciência Política na UFMG, Luciana Andrade, a ausência de mulheres da alta magistratura e também do corpo jurídico como um todo não é apenas um problema formal, mas também um problema para a democracia. Em coluna no site “Cientistas Feministas”, Andrade escreve que a inclusão de mulheres nesses espaços faz com que diferentes perspectivas sejam contempladas, mesmo não sendo composições eletivas a partir da participação cidadã (YOUNG, 2006).

“Os processos políticos – caso também do acesso à justiça – ganham com a participação de mulheres, – e também outras minorias, como negros, indígenas, LGBTs -, tornando-se mais inclusivos e, definitivamente, mais democráticos. É preciso que aprofundemos nossas análises sobre a participação política de mulheres também na arena do Poder Judiciário para entendermos melhor como as barreiras às mulheres se dão neste espaço de poder e política”, pontua.

Andrade enfatiza que já foram vencidas as barreiras que dizem respeito às entradas via concursos públicos. Resta analisar as formas de transformação (necessária e urgente) dos mecanismos de progressão da carreira para que diferentes perspectivas e grupos possam também ocupá-la.

Foto: Sinjusc

Assédio e machismo destoam ascensão da mulher
Alguns relatos de servidoras do judiciário colhidos nas visitas às comarcas ou nos eventos realizados pelo sindicato foram trazidos para esta matéria como forma de elucidar a recorrência do assédio e machismo que elas enfrentam, também, no trabalho. Entre eles, há uma trabalhadora que ouviu do seu superior que estudava demais e, por isso, não era “selecionada” para cargos mais altos. O mesmo chefe disse que seu empenho nos estudos poderia acabar com o casamento dela e que ela deveria se preocupar mais com sua aparência do que com os diplomas.

Também há o caso de uma servidora, recém-empossada, que foi questionada por seu superior se pretendia ter filhos. Alguns meses após, ela engravidou e sofreu assédio por isso; teve que pedir remoção do local. Em outras situações, ao retornarem da licença-maternidade, elas sofreram isolamento e até troca de função.

Outro relato diz que as mulheres do Tribunal, sobretudo da capital, precisam ser “desejáveis ou úteis”. Aqui, cabe uma análise sobre a imposição – ainda que velada – de comportamento e vestimenta às mulheres que trabalham no judiciário, sobretudo no prédio do TJSC, na capital.

Sobre assédio, aparência e papel da mulher, o SINJUSC também fez uma pesquisa com as participantes do 3º Encontro de Mulheres.

Das participantes, 63,6% responderam que existe uma imposição de vestimenta no trabalho e que não concordam com isso; 93,9% disseram receber elogios pela sua aparência e 39,4% afirmaram não concordar com os elogios. A mesma pesquisa revelou que 45,5% das entrevistadas sofreram assédio sexual no trabalho. A Revista Valente já tratou sobre o assédio sexual dentro do judiciário na última edição de março deste ano.

A matéria está disponível no site do SINJUSC: www.sinjusc.org.br. Além disso, na mesma pesquisa, 63,6% responderam que suas comarcas não buscam incluir políticas internas de equidade de gênero e 54,5% disseram não existir estímulo à liderança feminina.

Dois séculos para a igualdade de gênero acontecer
O relatório Global da Defasagem de Gênero 2018, do Fórum Econômico Mundial (WEF), sugere que as mulheres precisarão esperar 202 anos para ganhar o mesmo que os homens e ter oportunidades iguais de emprego. O relatório anual examinou a situação em 149 países em quatro setores: educação, saúde, política e o mundo do trabalho. O Brasil caiu cinco posições no ranking de 2018 na comparação com 2017, e ficou na 95ª posição.

Com uma população feminina mais educada e saudável que a masculina, o Brasil poderia rapidamente reequilibrar a relação de desigualdade entre homens e mulheres se adotasse “políticas concretas”.

Em síntese, o caminho é reforçar a criação de “uma rede de apoio social que liberte as mulheres para o trabalho”. A constatação é da chefe para iniciativas de gênero e emprego do Fórum WEF, Saadia Zahidi.

Em entrevista à BBC Brasil, Zahidi pontuou que a percepção geral é de que as mulheres devem cuidar da família. Nas camadas sociais mais elevadas, há recursos para bancar a ajuda de babás para crianças e enfermeiras para idosos.

No caso das camadas intermediárias e baixas da sociedade, essas responsabilidades recaem sobre as mulheres, o que as impede de trabalhar.

“Também é necessário mudar as percepções. Diversidade precisa ser vista como um motor para o crescimento, propiciando investimento maior em infraestruturas de cuidado. Mulheres de alta renda conseguem pagar para ter ajuda para as crianças e os idosos, mas mulheres de classe média e baixa não conseguem. É necessário oferecer a elas uma rede de apoio social que as liberte para o trabalho”, diz.

*Alana é feminista, jornalista, trabalhadora do Sinjusc (Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado de SC) e pós-graduanda em Educação Profissional.

** O material foi publicado inicialmente na Revista Valente, editada pelo Sinjusc e dedicada a abordar temas feministas. Acesse a revista.

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