Por Priscila Lopes, Guilhermina Cunha Ayres e Carla Ayres
Por diferentes motivos, desejos e sentidos estávamos, coincidentemente, em Curitiba-PR no último final de semana. Num dos destinos juntas seguimos para o Museu Oscar Niemeyer. Nenhuma exposição especificamente nos levou para lá. Apenas a busca por um pouco de arte, por uma tarde agradável, bom papo, boa companhia e depois um café.
Passos percorridos pelas rampas espaçosas de Niemeyer, entre as obras permanentes do Museu expostas em meio às curvas do arquiteto. Observações, olhares, algumas risadas, um silêncio. Um comentário sobre nossa “incompetência artística” em entender as obras sem título e sem data, ou então sobre a obviedade dos títulos.
Na sala 7 nos deparamos com “Valdir Cruz: IMAGO – o olhar do sabiá”. A mostra trata de três temas relativos ao Paraná. Na entrada da exposição, organizada em três grandes salas, somos convidadas ao Caminho das águas com 14 fotografias de rios e cachoeiras do período de 1994 a 2005; na sequência, expostas sobre paredes azuis, 36 fotografias tiradas entre 1982 e 2011 (em sua maioria de pessoas) compõe o ensaio Guarapuava; por fim, a peça Catedral Basílica de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais (1991 a 1993), com 30 obras.
Sobre a primeira peça fizemos poucas observações entre nós, um quê sobre o tratamento das fotos, das nossas experiências nas Cataratas do Iguaçu, ali retratadas, e alguns outros senões, apenas; sobre a última nada a destacar, se não um comentário aqui e acolá sobre fotografias olhadas em perspectivas, nada muito profundo após a energia dispendida nas várias inquietações que Guarapuava nos trouxe. Inquietações que achamos por bem compartilhar com todas as Catarinas nesta resenha sem título e sem data sobre nossa tarde no Museu.
De imediato, “Mãos (2003)” foi, sem dúvida, a imagem que nos impressionou mais fortemente e rendeu os minutos mais contemplativos daquela sala. Ladeadas, foto a foto foi nos tocando, quando em algum momento um olhar atento modificou nossa percepção sobre o conjunto da obra: “Meninas, vocês perceberam que somente as fotos de mulheres não as identificam pelo nome?”.
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Uma volta completa pela sala e de fato a constatação: no registro de homens, o artista identificava nome e, na maioria das vezes, até sobrenome; nas mulheres isso não ocorria. Qual seria o nome daquelas mulheres de olhares distantes, com seus filhos nos braços, ou o crochê em punho, ao tom sépia empoeirado das paisagens que nem mesmo o preto e branco das imagens podia esconder?
Guarapuava é composta por 36 fotografias. Onze delas de paisagens. Há também um conjunto de vaqueiros, dois retratos de meninas – simplesmente intitulados “uma menina” – e outro com três meninos de olhares atentos escorados numa porta do casebre pau a pique. Nosso espanto reside nas 22 obras restantes: há 16 retratos de homens, dos quais 14 deles Valdir Cruz optou por identificar o nome, aquele título que nos dá lugar no mundo; enquanto que dentre as poucas seis mulheres fotografadas – ou, ao menos, selecionadas pela curadoria – apenas uma é apresentada pelo nome.
Que a presença de mulheres nas Artes é algo negligenciado, todas nós sabemos. Aliás, que nossa presença nos diferentes espaços da sociedade é sempre um exercício de reivindicação e resistência frente ao nosso apagamento, nós também sabemos. Mas o curioso é que se defrontar com esta realidade ainda nos espanta. Nos espanta, especialmente, quando a curadoria nos informa que “o ensaio é um diferenciado exercício de construção da memória (…)” que “permite entender a curiosidade multifacetada do artista que apreende o mundo como uma infinidade de recortes”. E mais, conforme é apresentada a exposição: “trata-se de um inventário de emoções distante do cenário do poder representado pelo espaço urbano e suas edificações e mais próximo de um álbum de família que reúne uma história inventiva articulada por uma narrativa plena de desejos e imaginações”.
Questão de ordem, por favor! Como construir memória de algo com o apagamento identitário de parte das personagens? E mais, será mesmo que manter o anonimato de mulheres distancia esta prática de cenários de poder? Ou esta prática é mesmo o que torna a obra do autor mais próxima de um álbum de família (tradicional), cujo trabalho, o público, o protagonismo é dado mais aos homens que às mulheres?
Entendemos que não há obrigatoriedade de artistas em prover título nem sequer identificação dos lugares e pessoas que lhes servem de inspiração. Porém, quando parte da amostra recebe tratamento diferenciado, temos de atentar aos por quês. E nesse caso, quer por descuido ou por propósito, Valdir Cruz nos provoca à reflexão.