28 de junho é Dia do Orgulho LGBT, data mundial que relembra um episódio de resistência ocorrido em 1969, em Nova Iorque. Por isso, celebramos a história de luta trazendo um livro sobre políticas de resistência, pensado por autoras/es e organizadoras/es LGBTI+. 

Após 50 anos da primeira Parada do Orgulho LGBT*, o movimento tem ampliado suas conquistas, mesmo em contexto de avanço do reacionarismo em várias partes do mundo. No Brasil, em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou o uso do nome social para trans e travestis, sem que fosse necessário a cirurgia da mudança de sexo. Em 2019 houve um grande avanço: a criminalização da LGBTfobia, que passou a ser enquadrada dentro da Lei de Racismo. Já neste ano, o direito básico de homens gays e bissexuais de doarem sangue se tornou conquista. O pedido tramitou no STF desde 2017, e foi aprovado no mês passado. Como mostramos nessa matéria, até mesmo homens que fazem sexo com homens, mas não se consideram homossexuais, e pessoas trans, não podiam doar sangue. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) negava o sangue dessas pessoas, demonstrando um resquício de preconceito e culpabilização pela transmissão do HIV.

Ainda que seja possível listar conquistas recentes, a conjuntura política atual é devastadora para as políticas relacionadas à população LGBT. Basta considerarmos o ideário fascista, e por isso, masculinista e racista, que governa o país, para entender a necessidade de uma mobilização de esforços em busca de estratégias de resistência. O livro “Tem Saída? – Perspectivas LGBTI+ sobre o Brasil”, como o próprio nome sugere, reflete sobre o cenário político e propõe saídas para fazer frente à essa institucionalização do ódio às populações e movimentos LGBT, negros e de mulheres. A publicação debate sobre o momento político, a luta por direitos, as políticas públicas e as formas de expressão de sexualidade e gênero. 

Trinta intelectuais estão envolvidas/os na construção desta obra política. São elas e eles: Aline Dias, Aline Klein, Amara Moira, Amiel Vieira, Bia Machado, Bruna Irineu, Caio Klein, Camila Barbosa, David Miranda, Debora Baldin, Erika Hilton, Flavia Pazuch, Gab Lamounier, Gabriel Estrela, Jean Wyllys, Landa Ciccone, Laura Guerim, Leandrinha Du Art, Leandro Colling, Lins Roballo, Lucas Bulgarelli, Matheus Cervo, Neon Cunha, Raissa Imani, Renan Quinalha, Sandro Ka, Sissy Kelly, Tatiana Nascimento Dos Santos, Thiago Pirajira e Tony Boita.

Em conversa com organizadoras do livro, elas nos explicaram que mudanças simbólicas também aconteceram, como na sigla, que ainda é popularmente conhecida como “LGBT”, mas tem muitas variações: LGBTQI, LGBTTQIA+, LGBTQIA+, e, atualmente, LGBTI+. Na prática, isso mostra a abrangência do movimento LGBT, como ele representa cada vez mais pessoas e tenta reconhecê-las em suas várias variações de sigla. Na matéria utilizaremos a conhecida sigla LGBT e também LGBTI+, a última representa a luta de lésbicas, gays, bissexuais, trans e travestis, intersexuais e o + são todas outras possibilidades e variações que fazem parte do movimento.

Artes: Lanna Collares e Emanuelle Farezin, apoio de Cinevitor.

“Tem Saída? – Perspectivas LGBTI+ sobre o Brasil”

O exemplar é o segundo da coleção “Tem Saída?” e se propõe a mostrar que a realidade atual é fruto de antigas raízes da sociedade brasileira, e que é necessário aprofundar um projeto democrático. No primeiro livro, “Ensaios críticos sobre o Brasil”, 25 mulheres estavam reunidas para debater as questões políticas do país

Já na edição atual, as autoras e autores falam sobre questões políticas, do movimento negro, feminista e questões LGBTI+. O texto foi organizado por Joanna Burigo, Winnie Bueno, Andressa Duarte, Guilherme Gomes Ferreira, Tamires De Oliveira Garcia e Taynah Ignacio. E foi publicado pela editora Zouk, em parceria com a Casa da Mãe Joana.

“A partir do livro é interessante ver e mostrar para as pessoas que LGBTs não precisam falar só sobre isso, conseguimos falar sobre qualquer coisa, e qualquer tema”, explica Taynah Ignacio, uma das organizadoras.

As autoras e autores do livro são de várias regiões do Brasil – desde o Rio Grande do Sul até o Pará. E pela diversidade cultural que encontramos no país, além da própria pluralidade do movimento, é possível perceber diferenças e semelhanças.

“Há uma diferença bem grande dos movimentos e das formas de movimentos e sobre as perspectivas LGBTs em cada região do país e estado. Por exemplo, em São Paulo a gente conhece toda diversidade que tem, e todo incentivo à diversidade, e dos próprios movimentos políticos. A Prefeitura da cidade tem uma movimentação, por mínima que seja, mas tem centros de referência, atividades de incentivo à cultura, tem o Museu da Diversidade […]  Já no Rio Grande do Sul, o movimento é sempre tensionado. É um ganho, por exemplo, fazer uma exposição no museu. Teve a questão do Queer Museu, em que os fundamentalistas foram pra cima da exposição, e conseguiram interrompê-la. Depois, teve uma manifestação do movimento LGBT, defendendo a exposição e pedindo que fosse retomada. O ato foi reprimido pela polícia. Então, há diferentes movimentos e tensionamentos nos estados, mas há pautas gerais nacionais. Como foi, por exemplo, a conquista de agora da doação de sangue”, contextualiza Ignacio. 

Mesmo antes do governo atual tomar posse, o discurso de ódio contra movimentos sociais já acontecia. O livro representa a população LGBTI+ e desafia a conjuntura política para procurar “saídas” democráticas, que garantam direitos. 

“O movimento LGBT já luta contra o Bolsonaro há um tempo, eu acho que foi o primeiro movimento a identificá-lo como uma pessoa nefasta, um político péssimo. Lembro-me da época em que o Marco Feliciano era presidente de Direitos Humanos da Câmara Federal. Todo o tensionamento do Bolsonaro desde o início se dá contra o Jean Willys – que é um dos nossos autores do livro […] Os LGBTs sempre foram essa linha de frente do Bolsonaro para se eleger. A pauta principal dele era o kit gay e falar que a gente queria transformar as crianças em crianças trans. O Queer Museu não foi à toa, todo esse tensionamento da pauta LGBT fez com que, na eleição do Bolsonaro, o movimento LGBT tivesse um medo gigantesco de sair à rua e medo do que viria […] Mas, passou-se um tempo e a gente resistiu, fomos pra rua, fizemos paradas gigantescas, tivemos grandes movimentos pela defesa da criminalização da LGBTfobia, pela questão do nome social das travestir e transsexuais, que foram aprovadas pelo STF. Não por boa vontade, mas por bastante luta do movimento […] O presidente é obrigado a engolir e ver que por mais que ele esteja ali fazendo todo esse discurso de ódio, a gente está resistindo e indo de encontro a esses temas”, analisa a organizadora.

Artes: Lanna Collares e Emanuelle Farezin, apoio de Cinevitor.

 

Voltando para as raízes dos problemas atuais, a Winnie Bueno, também organizadora do livro, relembra a estrutura que está por trás:

“é preciso entender que racismo e heterossexismo são sistemas de poder que estruturam as relações sociais. Por serem sistemas de poder, suas dinâmicas se alteram no tempo para dar sentido à maneira com que o poder se manifesta”. 

A partir da análise sobre as lógicas de poder e a pluralidade de vozes das/os militantes, ativistas e pesquisadoras/es LGBTI+, a livro também aborda a inter-relação entre os movimentos LGBT, feministas e negros.

“Um dos grandes problemas da maneira com que se interpela o movimento LGBT e o movimento feminista é entender raça como um recorte. Em um país onde mais de 50% da população é negra e o aprofundamento de todas as formas de violência se dá sobre esses corpos, esse é um equívoco tremendo. Raça não é um recorte. Se não somos capazes de entender como o racismo estrutura as dinâmicas de dominação, no interior das lógicas de violência destinadas à população LGBT, a gente não tem muitas condições de articular esse debate numa perspectiva emancipatória. O movimento LGBT no Brasil começa em coalizão com os movimentos negros e feministas, mas a leitura contemporânea insiste em buscar chaves simplistas e individuais para compreender saberes de resistência que são complexos”, explica Winnie.

Com discussões que conversam entre si e também se diferenciam, cada autor se propôs a explorar e expor uma “saída” para as questões brasileiras atuais dentro do livro – seja na perspectiva LGBTI+, no feminismo ou no movimento negro.

“O livro traz bastante saídas, não existe uma central ou única para a conjuntura e política brasileira. Uma delas, sem dúvida alguma, é tirar o Bolsonaro do poder. Trazer a própria questão da educação para a diversidade, nas escolas, nas universidades, nos espaços. Também a interseccionalidade das pautas no debate, não tratar LGBTS num campo, feminismo no outro e negritude no outro. Mas sim, fazer a intersecção entre essas pautas e tratá-las a partir das várias perspectivas. No próprio livro, pela diversidade que a gente vê, existem várias visões que se complementam muito bem. Então, entre as várias saídas, a principais são: a interseccionalidade das pautas, e que a gente consiga uma educação de fato para a diversidade, para ensinar as pessoas a não odiar, e sim, respeitar”, assinala Taynah Ignacio.

Tanto autoras/es, quanto os organizadoras/es são representados nas discussões do livro, e mostram como podem escrever sobre diversos assuntos e ser uma potência de resistência no momento atual. 

“O livro visa apresentar saberes de resistência que são articulados por pessoas que cotidianamente precisam resistir. Elas resistem porque existe um sistema de dominação que lhes exige resistir. Logo, o livro oferece chaves importantes para articulações amplas de políticas de resistência. Ele permite observar a sociedade brasileira contemporânea a partir de quem articula formas de estar nessa sociedade que desafiam a norma. Penso que num momento como o que estamos vivendo seja fundamental aprender com esses saberes”, complementa Winnie Bueno. 

O livro “Tem Saída? – Perspectivas LGBTI+ ainda está em pré-venda on-line, pelo site da Editora Zouk, e para que seja impresso é necessário que 300 cópias sejam compradas. Na Parada Livre LGBTI+ de Porto Alegre, evento realizado em formato de live, o grupo fez o lançamento do livro, mas ainda não fechou o número mínimo para impressão. Quando chegarem ao resultado esperado, participantes da Parada Livre e bibliotecas comunitárias receberão exemplares gratuitos. O grupo faz apelo para que “todo mundo compre, pesquisadoras/es, militantes LGBTs, para que a gente consiga divulgar bastante e atuar em formação e educação para a diversidade”, comenta Taynah Ignácio.

É possível comprar o livro aqui.

E para celebrar o Dia do Orgulho LGBT, Taynah deixa um recado:

“Em tempos tão sombrios é tão importante reafirmar o orgulho, a resistência e as conquistas que tivemos. Dizer que agora as travestis podem colocar nos seus registros os nomes dos quais se identificam e a gente pode doar sangue, coisas tão simples. É uma forma de resistência, orgulho e, neste ano, especialmente, tem esse gosto: ser um fio de esperança com essas conquistas”.

*Em 28 de junho de 1969 pessoas que frequentavam o Bar Stonewall Inn, em Nova Iorque, conhecido por ser local de encontro da comunidade LGBT até hoje, reagiram a batidas policiais que eram realizadas na época. O levante durou duas noites, e, após um ano do acontecido, em 1970, organizou-se a primeira Parada do Orgulho LGBT. 

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